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Não é um método infalível, mas dos mais confiáveis para a avaliação do desempenho do governo e do estado de espírito dos governantes: quando as coisas vão bem, as relações do poder com a imprensa são as mais cordiais; basta que a tormenta da crise tolde a transparência do céu para que desande o relacionamento, como se pautado pela cadência do desempenho oficial.

Mas, se esta é a norma básica, claro que cada caso se ajusta às características especiais do temperamento do manda-chuva e da cultura do país, da sua maior ou mais questionável tradição democrática.

Chegamos a ponto de entrar direto no assunto. Sem rodeios: o governo do torneiro mecânico que se consagrou como o maior líder sindical do país e que ascendeu à Presidência da República na quarta tentativa prometendo este mundo e outro é dos mais desastrados, com as piores relações com os rapazes da imprensa e a mídia.

Se não é o recordista, disputa o primeiro lugar. Em três anos e dez meses de mandato, concedeu uma única entrevista coletiva, ainda nos bons tempos de popularidade na lua e do culto às aparências no jogo da simulação. Registre-se o ensaio de um café da manhã com um grupo de repórteres, quando falou mais tempo do que concedeu para as perguntas dos convidados.

No mais, gosta de brincar no faz-de-conta que governa comparecendo a todas as oportunidades de driblar a detestável rotina burocrática e de soltar-se nos improvisos, enfeitados pelas metáforas, nem sempre adequadas às circunstâncias.

Agora, à medida que as ondas da ressaca dos escândalos de corrupção do caixa 2 e do mensalão – da exclusiva safra doméstica do governo e do PT – arrebentam cada vez mais próximas do gabinete presidencial, o humor instável de Lula azedou a massa da pizza: os repórteres credenciados para a cobertura das suas andanças são mantidos à distância pela rispidez dos seguranças e tratados como indesejáveis – bando de mal-educados intrigantes que só bisbilhotam erros e não enxergam a obra redentora do governo ‘’como nunca houve outro igual’’.

O mais recente qüiproquó passou dos limites e deve ser analisado com o distanciamento da serenidade. Na recepção no Itamaraty ao primeiro-ministro da Jamaica Percival James Patterson, Lula foi abordado pelos jornalistas com perguntas sobre a mal-contada história dos dólares cubanos para o financiamento da sua campanha em 2002. Saiu pela tangente, devolveu a bola, perguntando se não poderia falar sobre a Jamaica.

Nervos à beira de explodir, queixou-se dos jornalistas que o interromperam quando conversava com o ministro das Relações Exteriores Celso Amorim sobre transcendentes problemas da política internacional. E perdeu de vez as estribeiras ao ser chamado aos gritos pelos jornalistas que cobravam a promessa de rápida entrevista. Ainda mandou um assessor com o recado malcriado, qualificando de insuportável o comportamento da imprensa.

É possível que os colegas tenham exagerado. Reconheça-se que com razão. O brio profissional exige que cada um não volte para a redação com as mãos vazias.

Depois de três anos de assédio, Lula aceitou o convite para ser o entrevistado do próximo programa "Roda Viva", da TV-Cultura, que vai ao ar na próxima segunda-feira, dia 7. Ora, viva! Até que enfim! Trata-se de oportunidade que não pode ser desperdiçada. Programa de alto nível, dirigido pela competência de Paulo Markun e reunindo uma equipe do primeiro time. Estranho que, contrariando as normas, Lula tenha recusado a entrevista ao vivo, exigindo a gravação. Cautela de utilidade controversa. O jeito é ir em frente e aproveitar a ocasião para questionar o presidente sobre os erros, omissões, os badalados êxitos da arrogância que os fatos e as estatísticas desmentem.

Sem esquecer as gritantes prioridades: o desmatamento criminoso da Amazônia, denunciado por reportagens diárias, com a derrubada de áreas imensas que só o Ibama não enxerga. Ou o mistério das obras de recuperação da rede rodoviária, consumindo mais de 70% das verbas orçamentárias sem que não se saiba onde. O descalabro na Saúde, na Educação, com as ressalvas de praxe. A calamidade da insegurança pública, da habitação popular. A decadência espantosa da qualidade de vida, praga nacional que não poupa as capitais e as médias e pequenas cidades invadidas pela favelização irresponsável. A apatia do monstrengo do Ministério transformado em cortiço para acolher os companheiros maltratados pelas urnas.

O desmoralizante PIB do pior desempenho econômico desde 1901, que deverá ficar 1,4 ponto percentual abaixo da média mundial. E a suspeita insensatez de iniciar as obras da questionável transposição das águas do Rio São Francisco no último ano do mandato, na escalada de tensão da campanha eleitoral.

Por cortesia e pudor, talvez convenha saltar o esgoto da roubalheira, evitando sujar os sapatos na lama da maior corrupção de todos os tempos. Recorde indiscutível do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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