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Na peça O Boca de Ouro, a amante do bicheiro-título chega alvoroçada e em pânico porque seu marido a havia visto junto com o Boca, aos beijos e abraços, e tomara satisfações. Ele pergunta se ela não negou. Como negar, se ele havia visto, com seus próprios olhos?! Então, o Boca de Ouro ensina: "Tem de negar, negar sempre! Uma vez um marido me deu um flagrante, com polícia e tudo em um hotel com a mulher dele. Essa mulher negou tanto, mas tanto, que no final o delegado estava em dúvida, o marido estava em dúvida... e até eu estava em dúvida!" Nelson Rodrigues teria um papel pronto para o ministro Dias Toffoli no elenco do Boca de Ouro, depois que Sua Excelência expôs sua bizarra tese de que a defesa não precisa comprovar a veracidade do que diz, seja o que for. Em outras palavras, que o essencial para o réu é mentir com convicção.

Reflexão: a ascensão ao Supremo Tribunal Federal é uma oportunidade de ouro para alguém transformar seu currículo em biografia. Alguns o fazem. Outros escolhem permanecer, no máximo, com o currículo com que chegaram... e nem isso conseguem.

A condenação de João Paulo Cunha et caterva, na semana passada, não deve ser celebrada como um ato de vingança social contra pessoas que quiseram se mostrar mais espertas que todo mundo, que manipularam e surrupiaram recursos públicos com desfaçatez e apetite pantagruélico; ou que, no caso de João Paulo Cunha, ainda resolveram tratar a inteligência dos outros a pontapés com a explicação cretina do pagamento da conta da tevê por assinatura. A condenação demonstra que, finalmente, alcançamos o patamar civilizatório em que a sociedade estabelece seus códigos de conduta, aplica-os independentemente de quem quer que seja e se dispõe a punir aqueles que os desrespeitem.

Nunca aceitei lições de moral de qualquer estrangeiro a respeito de corrupção. Quando um norte-americano começava a querer teorizar sobre nossa incurável inferioridade moral, eu rapidamente o lembrava de que – entre muitos outros personagens escabrosos – a história americana teve, no governo Nixon, um vice-presidente chamado Spiro Agnew, cassado por ter recebido propinas – quase gorjetas, pelo pequeno valor – para ajudar empresários. De Nixon, nem é necessário falar. Quando um francês resolve me doutrinar a respeito da superioridade moral gaulesa, eu me obrigo a lembrá-lo de que há poucos anos, o presidente da Corte Constitucional francesa foi afastado por corrupção. Ingleses? Nem se arriscam mais, ainda mais depois que se descobriu que altos funcionários da veneranda Scotland Yard recebiam agradinhos de Rupert Murdoch e de sua cadeia de jornais e tevês. Italianos? Depois de Silvio Berlusconi, seria covardia! Espanhóis? Que não ousem.

No entanto, minha munição acabava aí, pois em cada um desses países havia algo de que não dispúnhamos: a disposição para usar os instrumentos legais para coibir e punir a corrupção. Nixon e Agnew perderam os cargos; John Mitchell, seu ministro da Justiça, foi para a cadeia; o juiz francês foi processado e demitido; Berlusconi foi demitido e caiu no ridículo universal, enquanto seus compatriotas da Operação Mãos Limpas, ao contrário, se tornaram o símbolo universal da força da justiça desarmada.

Parabéns, ministro Joaquim Barbosa, que entrou no STF com um currículo e soube transformá-lo em biografia.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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