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Qualquer que seja o teor do voto do decano Celso de Mello e a deliberação final a respeito da cassação de mandatos dos três deputados implicados no caso do mensalão, é injustificada a reverberação e o frenesi em torno de possíveis confrontos entre a Suprema Corte e a Câmara dos Deputados. A inusitada onda de calor em plena primavera talvez seja a responsável pela exacerbação de um conflito ainda não materializado e dificilmente materializável.

Usando apenas o senso comum, sem firulas jurídicas: o STF não cassa nenhum mandato parlamentar. Trata-se de um tribunal constitucional que determina como a Carta Magna deve ser entendida e aplicada. A corte suprema não executa nenhuma sentença, não tem instrumental nem poder físico para invadir a esfera do Legislativo e executar a cassação de um legislador.

De acordo com o artigo 55, um parlamentar sujeita-se a perder o mandato quando perde os direitos políticos e/ou é condenado criminalmente em sentença transitada em julgado. No parágrafo 2.º do mesmo artigo, a perda de mandato nesses casos será decidida (ênfase deste observador) pela respectiva casa legislativa, por voto secreto e maioria absoluta.

As obrigações do Judiciário e do Legislativo estão claramente definidas pela Lei Maior, não há como tergiversar: o STF julga o cidadão-legislador, pode retirar seus direitos políticos e/ou condená-lo criminalmente, mas quem dá sequência ou nega o castigo são os seus pares.

E o que acontece se a Câmara ou o Senado – seja por convicções políticas, solidariedade corporativa, omissão ou vocação suicida – não votarem ou votarem contra uma cassação decidida pela mais alta instância do Judiciário? O mundo não acaba: o que a acaba é a legalidade do sistema.

Os poderes são independentes e, ao mesmo tempo, interdependentes; a separação imaginada pelo Barão de Montesquieu em meados do século 18 está apoiada num delicado mecanismo de poder e contrapoder. A divisão compreende simultaneamente uma harmonia entre os poderes, e nesta via de duas mãos cimenta-se o Estado de Direito.

Uma casa legislativa que se recusa a cumprir sua parte no contrato político está produzindo uma ruptura institucional e será responsabilizada perante a sociedade e a história. Nesta situação, perderá as demais prerrogativas, direitos e privilégios. Dissolve-se. Hipótese impensável e possivelmente inédita no regime democrático.

É deletério e irresponsável este entrevero entre supremos magistrados e a hierarquia legislativa sobre a eventual perda de mandatos dos três deputados em vias de serem condenados na Ação Penal 470. O julgamento ainda não terminou e, neste sentido, a gripe do decano – desde que inofensiva e inconsequente – tornou-se providencial. Serve para desativar radicalismos, esfriar os ânimos e lembrar aos beligerantes excitados que o Estado de Direito é sinônimo de Império da Lei.

Alberto Dines é jornalista.

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