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Décadas atrás, um tribunal moral conse­­guiu mobilizar populações e fez cessar os crimes que os EUA cometiam no Vietnã

Em Salvador, em julho de 1981, durante a 33.ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) apresentei a proposta de criar um Fórum para Julgar os Crimes do Desenvolvimento no Brasil.

Naquele momento eram cinco os possíveis crimes: a) projetos que destruam ou ameacem destruir, quando executados, o meio ambiente e os recursos naturais; b) políticas concentradoras de renda; c) projetos e medidas desnacionalizantes, cujos efeitos alienam recursos naturais por parte de grupos ou nações estrangeiras, sem que a nação como um todo receba em contrapartida uma remuneração condigna; d) projetos e decisões que põem em risco a vida e o bem-estar de parte da população ou que, em nome do desenvolvimento, comprometem a sobrevivência da população indígena; e) as medidas do setor público e do setor privado que beneficiem apenas uma pequena parcela da população nacional, à custa de recursos de toda a coletividade.

Após três décadas, ao invés de ficar obsoleto, aquela ideia do Fórum ficou mais urgente e necessária, ao ponto que agora deveria ser chamado de Tribunal, não apenas Fórum. Não se trataria de um tribunal formal, com legalidade jurídica, porque os governantes de cada país não têm interesse em uma instituição deste tipo. Entre 4 e 6 de junho de 2012, estes dirigentes se reunirão na cidade do Rio de Janeiro, na Cúpula Rio+20, mas apenas um terá razões políticas para pensar realmente no Planeta e na Humanidade: o presidente das ilhas Maldivas, Mohamed Nasheed, primeiro país que pode desaparecer pela elevação do nível do mar por causa da crise ambiental. As Maldivas são exceção. Nos demais países, cada presidente terá de pensar no hoje e nos interesses de seus eleitores, e não no amanhã de toda humanidade. Em cada um deles tomam decisões que poderiam levá-los a serem julgados por este Tribunal.

Os governantes aceitaram a criação de um tribunal para julgar os crimes contra a humanidade, apenas para os crimes políticos de ditadores contra seus opositores, mas não querem o mesmo julgamento por crimes cometidos contra o equilíbrio ecológico, ou contra a sociedade.

A esperança está na Força Moral por cima da Força Política. A criação de um Tribunal informal, constituído por grandes personalidades mundiais capazes de inspirar no mundo o sentimento de condenação dos responsáveis. Aparentemente isso é um sonho idealista, mas décadas atrás, nos anos 60 e 70, um tribunal moral conseguiu mobilizar populações e fez cessar os crimes que os EUA cometiam no Vietnã. Foi o tribunal implantado por um filósofo de 90 anos, chamado Bertrand Russell. Ele reunia grandes personalidades do mundo que julgavam os culpados pelos crimes da guerra no Vietnã. Sem força política, mas com muita força moral, aqueles senhores de cabeça branca conseguiram abalar a força dos dirigentes mundiais, especialmente dos presidentes dos EUA daquele tempo.

O mundo do século 21 pode implantar um novo Tribunal Russel, dessa vez para julgar os responsáveis pela condução dos assuntos do mundo de hoje, emitindo punições sobre cada crime, tais como: exploração de petróleo nos polos, medidas de ampliação da produção sem respeito ao Meio Ambiente, destruição de etnias, energia nuclear sem controle pleno, ações financeiras desarticuladoras de economias, medidas que ampliam a desigualdade e sacrificam a educação e a saúde, hidroelétricas que destroem a biodiversidade.

Nesta semana na UnB, 30 anos depois, no seminário internacional "Preparando Rio+20: propondo um mundo sustentável", reapresentei a mesma proposta. Esse novo Tribunal poderá ter como mobilizador e aglutinador algum idoso com a idade de Russel, naquela época, como, por exemplo, Edgard Morin, nos seus 90 anos, ou Stéphane Hessel, com 94.

Cristovam Buarque, professor da UnB, é senador do PDT-DF.

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