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A União Europeia acaba de receber o mais cobiçado galardão das relações internacionais contemporâneas, o Prêmio Nobel da Paz. Em vez de premiar pessoas, a Academia de Oslo preferiu nesta edição reconhecer o papel representado pela instituição que mudou a face da relação entre Estados, trazendo a irresistível opção da governança por blocos econômicos. Depois do Tratado de Roma, de 1957, a integração regional passou a ser a voga do mundo, sendo poucos os países que hoje deixam de aderir ao regionalismo e sua miríade de siglas, como Nafta, CAN Mercosul, Caricon e Asean.

Em tempo que obriga a considerar a relação entre blocos tão importante como aquela entre Estados, sem dúvida o mundo em que vivemos muito deve aos líderes europeus do pós-guerra, que ousaram pensar uma Europa de instituições comuns. No entanto, de forma curiosa, o prêmio vem em momento de particular dificuldade para os europeus, em meio à crise profunda, causada justamente por mecanismos comunitários discutíveis, capazes de criar prodígios como a moeda comum, sem prever responsabilidade fiscal e controle de instituições financeiras. A gestão caótica do sistema bancário, a recorrente irresponsabilidade fiscal dos governantes, inebriados pela certeza de fundos comunitários sempre disponíveis, parece ter resistido por algum tempo, mas não por todo o tempo.

O pano de fundo da crise que se dilaga remonta à questão essencial: como poderia estar a Europa unida, se ela é tão desigual e ciosa de suas nacionalidades profundas? Logo, uma crise de excessos, do pecado da exuberância impensada, a pressupor ser fácil harmonizar a ética protestante ao hedonismo mediterrâneo. E, no vórtice do desemprego e da perda de direitos sociais, diante da urgência da austeridade fiscal, vemos mesmo a volta de velhos anseios separatistas – da Catalunha que não quer Madri, da Itália do norte cansada da dolce vita romana, ou da Escócia que votará sua autonomia já em 2014.

A outorga do prêmio não é isenta de críticas, afinal a parafernália comunitária e a política bruxelesa possuem muitas distorções éticas, como a discriminação aos extracomunitários, em geral africanos clandestinos e párias expiatórios de serviços gerais, bem como em razão da política agrícola comunitária, que protege seu meio rural com subsídios ilegais e imorais, em detrimento de países pobres, produtores exclusivos de commodities. Por outro lado, a Europa possui virtudes imarcescíveis, pois a partir de uma guerra que dilacerou o continente conseguiu unir velhos inimigos sob a égide comunitária, a oferecer-lhes prosperidade e progresso comum, passando em mínimo tempo histórico de seis a 28 países (com a vindoura inclusão da Croácia).

Constituindo-se no maior bloco comercial do mundo, o maior contribuinte do assistencialismo internacional, em projetos de desenvolvimento e em ajuda humanitária, a União Europeia é ainda indispensável e atuante interlocutora nas negociações de manutenção da paz e segurança coletiva, e – relevados seus pecadilhos internos – promotora da democracia e de direitos humanos.

Na certeza de que a Europa sempre sai mais fortalecida de suas crises, resta, por fim, registrar o inusitado da situação: apesar de suas origens suecas, o Nobel da Paz é atribuído em Oslo, na Noruega, país que, embora convidado, por decisão plebiscitária de seu povo não aderiu à União Europeia.

Jorge Fontoura, doutor em Direito Internacional, é professor titular do Instituto Rio Branco e membro permanente do Tribunal de Revisão do Mercosul.

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