• Carregando...

Os carnavalescos das escolas de samba cariocas, em muitas ocasiões, servem-se de assuntos históricos ou da "conjuntura nacional" como base para seus enredos. Daí surgiu uma das páginas antológicas deixadas pela aguda irreverência e fina ironia de Sérgio Porto – o Stanislaw Ponte Preta – aquela em que ele retrata a total "piração" do crioulo – ao tempo em que essa palavra não era considerada ofensa racista –, compositor de uma escola ao ser incumbido de preparar o samba-enredo daquele ano tendo como tema "A Atual Conjuntura". Daí nasceu o famoso "Samba do crioulo doido". Imaginemos que um carnavalesco, ao invés de homenagear Hugo Chávez, o mandatário da Venezuela, como estão anunciando para o próximo carnaval, tivesse que "bolar" um enredo sobre o "Brasil de Lula". O autor do samba-enredo ficaria preocupadíssimo com a dificuldade de imaginar o que de agora até o próximo ano ainda estará valendo, sob pena de correr o risco de um novo "Samba do crioulo doido". De fato, alguém que se disponha a entender nossa "atual conjuntura" correrá o risco de ficar mais confuso do que o crioulo do samba do Stanislaw. As colunas dos jornais – como caixas de ressonância e espelhos de uma realidade – retratam e revelam um espantoso repositório da mais completa e desoladora confusão. Nas CPI. há quem fale como se o fizesse para desmemoriados ou débeis mentais. O compromisso com a verdade ou com a coerência passa ao largo, ao sabor do efeito político que se tem em vista. As frases feitas e as meias-verdades tomam o lugar dos argumentos e da lógica. As teses falaciosas de ontem são jogadas na lata de lixo das conveniências da demagogia de hoje. Os verdadeiros artífices e co-autores dessa verdadeira babel político-institucional – que está na raiz mesma da crise política e social em que nos debatemos – mentem, enganam, procurando jogar para outras costas as culpas de que são réus. A falácia da ética do PT foi "para o espaço". O presidente – que tanto se empenhou para chegar onde está – continua no palanque e ainda não começou a governar e finge que nada sabe do que os seus prepostos faziam embaixo de suas já grisalhas barbas. O Dr. Hélio Bicudo resolveu sair do partido de que fora, até agora, um dos corifeus e o faz com pelo menos dez anos de atraso. Deveria ter saído quando a direção do partido desconsiderou o parecer da Comissão de que fazia parte e julgou falsas ou irrelevantes as denúncias de Paulo de Tarso Wenceslau sobre as traficâncias municipais de prefeitos do PT envolvendo Lula, o então presidente do partido. Ou quando esse militante e ex-guerrilheiro, inconformado com a situação, levou aos jornais suas denúncias e foi sumariamente expulso do partido. Ou, ainda, quando as notórias ligações da "caixinha" do PT gaúcho com os bicheiros veio a público e a solução foi sacrificar o auxiliar do governador Olívio Dutra, encarregado de receber as propinas. Ou quando, no afã de ganhar a eleição, o candidato Lula aceitou o apoio de notórios corruptos ou mesmo quando o assassinato do prefeito de Santo André apontava seu dedo acusador para elementos de seu partido. Parece que, de fato, só fizeram mossa nesse bravo defensor de causas perdidas as traficâncias federais de Lula e de alguns de seus ilustres correligionários.

Realmente, a nova conjuntura política, criada a partir do petardo que o deputado Roberto Jefferson entregou nas mãos das CPI – abertas contra o esforço dos obstinadas, mas incompetentes parlamentares do PT e seus aliados – é cheia de interrogações e de suspense, que endoidariam qualquer compositor de samba-enredo. O mais otimista dos opositores do presidente Lula jamais poderia imaginar que lhe seria proporcionada uma arma mais eficaz do que qualquer denúncia de secretária, de motorista ou de ex-esposa. E que defenestrou de uma vez o Genoíno e o José Dirceu, exatamente os mesmos que no episódio Collor estavam preocupados em descobrir se a reforma da casa da Dinda tinha sido feita com dinheiros públicos. Nem mesmo Roberto Jefferson talvez tivesse imaginado que a sua briga para "livrar a cara" do seu PTB pudesse fazer ressurgir tão de repente para a desunida e vacilante oposição uma oportunidade de reabrir a luta pela conquista do poder quando a reeleição de Lula parecia "favas contadas".

A Câmara de Deputados elege para a sua presidência um deputado de um partido comunista que, se um dia, viesse a tomar o poder, acabaria com os demais partidos e fecharia o Congresso. Partido que, a serviço de uma potência estrangeira, levou ao sacrifico em uma inútil guerrilha tantos jovens iludidos por velhos e empedernidos comunistas e – o que é pior – continua se dizendo orgulhosa desse crime. Deputado-presidente que, ao mesmo tempo que apresenta projetos nacionalistas prestigiando o Saci-pererê e abolindo as palavras inglesas do nosso dia-a-dia, entroniza em sua sala um herói estrangeiro, Simon Bolívar. E no confuso bonde dessa eleição tomaram assento os corruptos do "mensalão" – negado contra todas as evidências –, os amigos do Severino Cavalcanti, o inventor do mensalinho, e o senador Renan Calheiros, um dos ex-amigos de Collor. Bonde movido a verbas de obras e a promessas de benesses ministeriais e cujo condutor foi claramente o presidente Lula que, assim, sai da "blindagem" em que o colocaram e mostra que sabia de tudo. E a nova conjuntura, que já apresentava algumas curiosidades por conta de nossa Constituição-coragem (que consagrou um presidencialismo com cara de parlamentarismo), passa a mostrar que, com tanta gente preocupada com a ética e com a probidade no trato dos dinheiros públicos, deveríamos estar um pouco melhor em matéria de saúde, educação, transporte, inflação, isonomia, funcionamento da justiça, sonegação de impostos, etc. Sem falar na revogação da "lei do Gerson" e na conversão ao novo credo nacional de "cristãos-novos" da moralidade e da decência, como José Sarney que, com o auxílio da Roseana, jogou para baixo do tapete seu atestado falso de residência em Macapá e o escândalo do dinheiro da Lunus E, para completar a "piração", o crioulo lê nos jornais que o presidente, depois de inaugurar pela manhã uma moderna fábrica de uma multinacional, já à tarde dá um grande abraço no famoso José Rainha, um dos incitadores das invasões dos terrenos onde são plantadas as árvores que fornecem matéria-prima para a fábrica. Um lance de demagogia com os toques carnavalescos de que está cheio o Brasil do Lula que fez 53 milhões de brasileiros de "palhaços", "arlequins" e "colombinas". Seria cômico se não fosse trágico!

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]