• Carregando...

As fotos do novo presidente da Câmara sendo carregado em triunfo por seus correligionários dizem tudo: nelas aparece, radiante, o ex-presidente da Casa, João Paulo Cunha (aquele cuja esposa foi pagar uma conta de celular e saiu da agência do Banco Rural com 50 mil reais do valerioduto) ri com gosto, mais tranqüilo agora, depois que a testemunha de defesa de um dos maiores acusados na questão do mensalão, o ex-ministro José Dirceu, garantiu assento como condutor (ou embargador) dos processos que ora tramitam no Conselho de Ética da Câmara. Outros acusados, mais discretos, têm igualmente razões para comemorar essa sobrevida política que o governo do presidente Lula lhes garantiu à custa de liberação generosa de verbas (aquelas mesmas que faltam para as coisas mais comezinhas nas universidades, escolas públicas e nos hospitais do governo) e acertos de aroma duvidoso com partidos envolvidos até a cabeça com os escândalos financeiros recentes.

A vitória de Aldo Rebelo é um monumental retrocesso. Não por causa de suas convicções políticas, pois ser comunista a essa altura dos acontecimentos demonstra apenas seu invencível anacronismo. O retrocesso está nos métodos que foram utilizados para elegê-lo e no que acontecerá com alguns projetos modernizadores do parlamento e da vida política em nosso país. Ao abrir a caixa de bondades do governo federal para eleger seu candidato, o governo Lula não inovou pois, no passado, outros fizeram parecido. Mas, que mal pergunte, não se supunha que um governo do PT agiria de forma diferente? À parte o fato melancólico de não conseguir encontrar no seu próprio partido um candidato viável para dirigir o parlamento, tendo de recorrer a um aliado de minúscula expressão eleitoral, foram para o espaço todas as veleidades doutrinárias lulistas para se voltar ao velho e consagrado método de assegurar votos submissos e interesseiros do baixo clero pulverizando verbas públicas em centenas de projetinhos, muitos dos quais de prioridade e mesmo de honestidade duvidosa.

Outra vítima será a modernização da vida partidária que se esboçava timidamente com inovações eleitorais como a cláusula de barreira, ou seja, a exigência de que um determinado partido demonstre um grau mínimo de representatividade popular para ter assento no Congresso, o que já acontece em muitos sistemas democráticos mundo afora. Sob o pretexto de que a cláusula de barreira ameaçaria a sobrevivência de correntes relevantes de opinião política, partidos como o PC do B de Aldo Rebelo se opõem tenazmente a ela, que entraria em vigor nas eleições do próximo ano. O argumento pretensamente democrático esconde o propósito de manutenção de dezenas de partidos de baixa ou nula expressão popular, muitos dos quais meras legendas de aluguel que continuariam aptos a gozar de regalias parlamentares, participando do Fundo Partidário, etc. Podemos iniciar os ritos fúnebres da cláusula.

Em compensação, adquire vigor redobrado o interesse pelo sistema de listas fechadas, uma das maiores agressões formalísticas que se pretende infligir aos eleitores brasileiros. Sob o pretexto de fortalecer os partidos em suas deliberações internas, pretende-se substituir o sistema atual em que os eleitores manifestam sua confiança nesse ou naquele candidato por um voto dado ao partido a que ele pertence, ao qual caberia organizar a ordem de preferência para compor a representação parlamentar de acordo com os votos recebidos pela legenda. Uma idéia razoável em um país que realmente tenha partidos políticos, mas despropositada em um país onde os programas partidários têm a consistência de uma maionese desandada, a fidelidade é nula e a participação das bases nas decisões partidárias é uma ficção. O PT com suas centenas de milhares de filiados não foi capaz de impedir que um grupelho de dirigentes destruísse moral e financeiramente o partido sem dar a menor bola para o que a militância pensava ou deixava de pensar.

Prosperará o interesse pelo financiamento público de campanha apresentado como um antídoto para a corrupção eleitoral. O financiamento público de campanha corresponde à retirada pelo marido chifrado pela mulher (ou vice-versa para atender os protestos feministas da minha turma doméstica) aos sofá da sala. Continuarão, com toda certeza, os conúbios escusos com a turma dos empreiteiros, fornecedores, prestadores de serviços e lobistas, obviamente protegidos pela absoluta informalidade, só que complementados pelos R$ 7,00 que nós, os trouxas, pagaremos aos partidos por eleitor, uma saborosa cereja num bolo que não sofrerá alterações nem no tamanho nem no sabor atuais.

Não adianta, a turma não quer ouvir o rumor de insatisfação e revolta que vem do Brasil profundo. E é esse Brasil profundo que fará nas próximas eleições a faxina a que suas elites políticas se recusam. A população pode ser infinitamente paciente, mas não é burra como insistem em pensar alguns dos que estão se regozijando com a possibilidade de sair incólumes do escândalo do mensalão. Esperem e verão.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Mestrado da FAE Business School e membro da Academia Paranaense de Letras.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]