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Episódios de xingamentos, acusações em plenário e até uma denúncia de agressão física integram o histórico dos parlamentares na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) nos últimos anos. A quebra de decoro provoca um acúmulo de processos no Conselho de Ética da Casa contra deputados estaduais. No entanto, o regimento interno do Legislativo paranaense não previa punições claras para os autores das ofensas, o que abre espaço para a contestação, principalmente nos casos em que os parlamentares são condenados.
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Por esse motivo, a Mesa Executiva da Alep protocolou neste mês um projeto que cria o Código de Ética e Decoro Parlamentar com 20 atos considerados incompatíveis com a atividade parlamentar, que podem ser punidos desde uma advertência verbal até a cassação do mandato. A publicação de vídeos ofensivos contra deputados nas redes sociais é um exemplo do que passa a fazer parte das ações passíveis de sanções.
O projeto, que está previsto para discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta terça-feira (17), prevê advertência escrita em casos de ofensas verbais ou morais na Assembleia Legislativa ou por palavras desrespeitosas contra outro deputado durante os trabalhos parlamentares. Em casos mais graves, como agressão física, abuso sexual ou injúria racial, o deputado estadual pode até perder o mandato.
“O parlamento é um local de livre debate e diversidade de opiniões. Mas essa liberdade precisa ser exercida com respeito, com decoro. O novo código traz maior clareza, rigor e transparência aos deveres e comportamentos esperados de um deputado”, disse o presidente da Alep, Alexandre Curi (PSD).
Questionado sobre as punições previstas por ofensas pela internet, ele respondeu que o objetivo não é regular as redes sociais. “Infelizmente, alguns parlamentares fazem uso da tribuna, com assessores filmando, para depois publicar o discurso ofensivo nas redes sociais [...] Vamos restringir apenas os discursos contra parlamentares ou contra a Assembleia”, respondeu.
Deputado espera fim da “vergonha” na Alep e mais segurança jurídica com Código de Ética
O presidente do Conselho de Ética no Legislativo do Paraná, deputado Delegado Jacovós (PL), afirmou que as mudanças foram solicitadas pela comissão responsável pela avaliação dos casos de quebra de decoro pela dificuldade na tramitação dos processos. “Quero deixar claro que foi através do nosso conselho, que pedimos que [o código] fosse alterado, justamente, para não passarmos vergonha. Os processos são colocados no Conselho de Ética que fica sem ação, sem poder agir, porque o atual código possibilita uma série de interpretações divergentes”, analisa o parlamentar.
Na avaliação dele, o novo código esclarece os prazos para cada etapa dos processos e como será a forma de atuação do Conselho de Ética, o que traz mais segurança jurídica para o trabalho dos parlamentares. O deputado adiantou à Gazeta do Povo que deve utilizar o novo código para análise dos casos que estão em tramitação no Conselho de Ética com a restrição de penas, que só poderão ser aplicadas após a aprovação no plenário.
“Certamente, já vamos utilizar o novo código porque ele prevê que eu posso usar os procedimentos processuais do que for aprovado. Eu não posso é não dar a pena para casos protocolados anteriormente”, esclareceu.
Quais são as punições previstas para os principais casos no Código de Ética da Alep
As sanções sofrem agravamento, se o deputado for reincidente.
Advertência verbal
- Perturbar a ordem das sessões da Assembleia Legislativa ou das reuniões das comissões.
Advertência por escrito
- Usar, em discurso ou proposição, expressões contra o decoro parlamentar.
- Ofensas verbais ou morais a qualquer pessoa no edifício da Assembleia Legislativa e suas extensões.
- Atos ou palavras desrespeitosos contra outro deputado, membro da Mesa, membro de comissão ou autoridades dos Poderes.
- Produzir, divulgar ou compartilhar em redes sociais ou qualquer outro veículo de mídia, ligados ou não à internet, atos que ofendam a honra ou a imagem dos deputados ou da Assembleia.
Suspensão de prerrogativas
- Violência política de gênero.
- Infrações graves no desempenho do mandato que afetem a dignidade da representação popular.
Suspensão do mandato (de 30 a 180 dias)
- Usar os poderes e as prerrogativas do cargo para constranger ou aliciar servidor, colega ou qualquer pessoa.
- Usar verbas de gabinete ou qualquer outra inerente ao exercício do cargo.
Perda do mandato
- Ofensas físicas ou vias de fato a qualquer pessoa no edifício da Assembleia Legislativa.
- Assédio sexual.
- Injúria racial.
Petista tem histórico de denúncias no Conselho de Ética e responde por agressão
A atual legislatura coleciona cenas de ofensas e o objetivo do novo Código de Ética, segundo a Alep, é advertir os parlamentares e acentuar as punições, gradativamente em caso de reincidência. Com longo histórico de denúncias no Conselho de Ética, o deputado estadual Renato Freitas (PT) respondeu a um dos processos por chamar o ex-presidente da Alep Ademar Traiano (PSD) de corrupto durante um bate-boca no plenário em outubro de 2023. A discussão começou após desentendimento com pessoas que acompanhavam a sessão nas galerias.
O episódio foi o estopim do escândalo que revelou o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) de Traiano com o Ministério Público no Paraná (MP-PR), que livrou o parlamentar da base do governo de um processo na Justiça por corrupção após confessar o recebimento de propina e ressarcir os cofres públicos. Freitas foi condenado pelo Conselho Ética à advertência escrita, mas o processo administrativo foi arquivado por prescrição.
No contra-ataque, o petista também denunciou Traiano pelo acordo em que admitiu ter recebido R$ 100 mil para renovação de um contrato na Alep, no entanto, o processo também foi arquivado. Atualmente, Freitas responde pela acusação de ter agredido um assessor de Márcio Pacheco (PP) após uma discussão entre os parlamentares na CCJ, em fevereiro deste ano, quando o petista chamou o deputado estadual de "coronelzinho de meia pataca".
Autor da denúncia contra o petista, o deputado Tito Barichello (União Brasil) defendeu a criação do Código de Ética por ampliar os deveres dos parlamentares e a atuação do Conselho em casos graves, como assédio sexual, injúria racial, violência politica de gênero e acordos financeiros para posses de suplentes.
“Isso é importante porque amplia o espectro disponível ao Conselho de Ética. Em alguns casos, algumas interpretações entendem que o Conselho não tem poder para punir com uma pena capital, que é a perda do mandato”, comentou Barichello. O deputado do União Brasil também denunciou Freitas pela suposta coordenação do movimento que invadiu a Assembleia Legislativa em junho de 2024.
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Código de Ética tem objetivo de censura na Alep, critica Renato Freitas
O deputado Renato Freitas (PT) classificou o novo Código de Ética da Assembleia Legislativa como um “violento ataque à liberdade, autonomia e imunidade parlamentar”, principalmente dos integrantes da bancada de oposição. Segundo ele, o projeto da Mesa Executiva é uma tentativa de censura inconstitucional, que restringe a atuação dos deputados.
“Especialmente eu, tendo em vista que fui o único a denunciar o caso de corrupção do ex-presidente da Assembleia”, afirma em nota à imprensa. Freitas pontua que a regulamentação é legítima, mas não pode suprimir garantias constitucionais.
Para o petista, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) garante a inviolabilidade de opiniões, mesmo em casos de ofensas no debate político. “A ausência de critérios objetivos para ‘reincidência’ (que pode levar à perda do mandato) também é um grave problema. Entre os riscos está o da censura e da autocensura. Ao prever sanções por falas em discursos na Assembleia ou redes sociais, o código pode inibir a atuação parlamentar”, critica Freitas.
A colega de partido de Freitas Ana Júlia (PT) declarou que a atualização do Código de Ética da Casa é necessária pelas mudanças no cenário político e social. “O código anterior estava defasado e carecia de objetividade, especialmente quanto aos procedimentos - o que dificultava a responsabilização em casos de condutas graves.”
Mas ela também ressaltou que a alteração pode colocar em risco a imunidade dos parlamentares. “O código não pode e não deve ser utilizado como instrumento de censura, perseguição ou retaliação política entre deputados. Ele deve ser uma ferramenta firme contra abusos reais - como assédio, racismo e violência política de gênero -, e jamais uma arma para silenciar divergências legítimas”, afirmou.
Bancada de oposição denuncia deputado do PL por fala sobre roupa de deputada
O último caso de repercussão no Conselho de Ética envolve Ana Julia. A bancada de oposição entrou com uma representação contra o parlamentar Ricardo Arruda (PL) após o deputado afirmar que a petista "não tinha maturidade e se comportava como se estivesse no diretório acadêmico". O deputado do PL - alvo de outras denúncias de autoria de Renato Freitas - ainda criticou as roupas de Ana Júlia, que segundo ele, não estariam de acordo com o decoro da Casa.
“Corroborar com essas palavras é assinar um atestado de que a instituição, Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, só se preocupa com as mulheres quando é para fora dos seus espaço e quando gera clicks e likes, mas que na prática, um integrante da Casa legislativa tem a 'liberdade', tem a autorização para constranger uma colega de trabalho somente pela sua condição (mulher, jovem)”, afirma a representação, assinada pelo líder da oposição, Arilson Chiorato (PT).
Procurada pela Gazeta do Povo, Arruda defendeu a reforma do código na Alep, apesar das polêmicas e dos processos no Conselho de Ética, seja como denunciado ou como autor da representação. “A mudança é importante, pois com o antigo código não era possível punir ninguém. Já tivemos um deputado do PT que agrediu um funcionário, ofendeu o presidente da Casa e a Mesa Diretora. A função de deputado não é agredir outro parlamentar e, sim, defender os projetos e os ideais dele. Sou favorável às mudanças propostas em cada item”, respondeu.
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