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A Câmara de Vereadores de Londrina (PR) aprovou, em segunda votação, o projeto de lei nº 50/2024, de autoria da vereadora Jessicão (PP), que cria regras para a internação involuntária no município. A medida, segundo a vereadora, busca oferecer respaldo legal para o acolhimento e tratamento de pessoas em situação de vulnerabilidade extrema, especialmente dependentes químicos crônicos e com transtornos mentais.
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O texto estabelece que a internação poderá ocorrer quando houver risco à integridade física da própria pessoa ou de terceiros. O procedimento poderá ser solicitado por familiar, responsável legal ou, na ausência destes, por profissional de saúde. A medida se aplica tanto a transtornos mentais preexistentes quanto aos adquiridos.
O projeto foi aprovado por ampla maioria. Foram 15 votos favoráveis e 2 contrários — das vereadoras Paula Vicente (PT) e professora Flávia Cabral (PP). Os vereadores Antônio Amaral (PSD) e Chavão (Republicanos) não participaram da sessão.
Para a vereadora Jessicão, é uma ferramenta para salvar vidas e resgatar pessoas. “Muitas vezes, a pessoa perdeu totalmente o senso crítico, está envolvida na droga, sem conseguir tomar decisões sobre a própria saúde. Nesses casos, a família, um profissional de saúde ou a assistente social podem pedir a internação para proteger a vida e iniciar um processo de recuperação”, explica.
Em entrevista à Gazeta do Povo, a parlamentar lembra que a proposta surgiu a partir de um caso concreto. Um morador de rua, usuário de drogas, vivia no calçadão com um câncer avançado na boca, que chegou a apresentar larvas sobre o tumor. “Ele não aceitava tratamento, não entendia que estava doente. Foi preciso envolver Ministério Público, saúde, assistência social, Guarda Municipal e polícia para conseguir levá-lo ao hospital. Esse episódio me motivou a buscar uma solução legal”, relata.

Jessicão acredita que, com 90 dias de abstinência, muitos dependentes conseguem recobrar a memória, lembrar quem são, retomar laços familiares e reconstruir a vontade de viver. “A internação é uma segunda chance para voltarem a trabalhar, conviver em sociedade e deixar as ruas. Londrina não pode se tornar a capital dos moradores de rua”, defende.
O projeto prevê um trabalho integrado: as assistentes sociais mapeiam pessoas em situação de rua, avaliam o nível de consciência e de dependência, e, com apoio de um profissional de saúde, solicitam a internação. A Guarda Municipal atua para garantir a segurança durante o recolhimento.
Segundo a vereadora, a medida se soma ao programa municipal “Choque de Ordem”, que desde janeiro intensifica ações com a população de rua, oferecendo retorno à cidade de origem, abrigo ou tratamento, e encaminhando para a Justiça aqueles com pendências legais.
Oposição considera internação involuntária ineficaz
À Gazeta do Povo, a vereadora Paula Vicente (PT), que votou contra o projeto de internação involuntária, alega que a medida já se mostrou ineficaz em experiências no Brasil e no exterior. “A taxa de adesão ao tratamento é de apenas 3% entre pessoas internadas compulsoriamente. Ou seja, você gasta dinheiro público para retirar alguém das ruas e colocá-lo em uma clínica contra a sua vontade, mas a grande maioria não segue no tratamento e acaba voltando para a rua”, afirma.
A parlamentar lembra que dependência química não é crime e que privar uma pessoa da liberdade sem que ela tenha cometido delito é inconstitucional. “A adicção é uma questão de saúde, não de polícia. Obrigar alguém a permanecer internado é privá-lo de liberdade sem condenação, o que vai contra os princípios democráticos e de direitos humanos”, critica.
A vereadora do PT defende que a solução para a situação de rua e para a dependência química precisa ser mais ampla e complexa. Ela cita como exemplo o modelo Housing First, desenvolvido nos Estados Unidos nos anos 1990 e adotado em países da Europa. Para ela, a prioridade deveria ser garantir moradia, apoio social e tratamento voluntário.

Projeto proíbe uso de praças e vias públicas para moradia e atividades de subsistência
Os vereadores de Londrina também aprovaram, em primeira votação, o Projeto de Lei nº 72/2024, de autoria da vereadora Jessicão (PP), que disciplina o uso de praças e vias públicas em Londrina. A proposta proíbe a ocupação desses espaços para moradia ou a realização de atividades habituais, como cozinhar, higienizar-se ou fazer necessidades fisiológicas.
Pessoas encontradas nessa situação deverão ser encaminhadas ao Centro POP, serviço especializado de atendimento à população em situação de rua. Segundo Jessicão, o objetivo é dar segurança jurídica para que a Guarda Municipal possa atuar. Ela afirma que o projeto dará respaldo legal às abordagens da Guarda Municipal.
“Hoje, se a Guarda vê alguém montando uma casinha ou papelão na calçada, não tem ferramenta para impedir. Com a lei, será possível orientar a pessoa a voltar para a família ou ir para um albergue”, disse. Ela contesta números recentes sobre a população de rua e afirma que o último levantamento formal, com mais de 4 mil pessoas, “reflete melhor a realidade”.
Contrária à medida, a vereadora Paula Vicente (PT) diz que Londrina não tem estrutura para aplicar o projeto. “Temos apenas 290 vagas em abrigos e mais de 4 mil pessoas em situação de rua, segundo dados enviados pela própria secretaria. Mesmo assim, não há previsão de ampliar vagas”, pontua. Para ela, a medida tende apenas a retirar pessoas das áreas centrais sem oferecer solução real.
O projeto recebeu 14 votos favoráveis e 3 contrários — das vereadoras Paula Vicente, professora Flávia Cabral e do vereador Matheus Thum (PP). Agora, abre-se prazo de sete dias úteis para apresentação de emendas antes da votação em segundo turno. Procurada pela Gazeta do Povo, a prefeitura disse, por meio de assessoria de imprensa, que aguarda os projetos de lei para sanção e se manifestará somente após recebê-los.
Número de pessoas em situação de rua no Brasil cresce 25%
O número de pessoas em situação de rua no Brasil cresceu cerca de 25% em um ano, passando de 261.653 em dezembro de 2023 para 327.925 em dezembro de 2024, segundo dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da UFMG.
O aumento é ainda mais expressivo em comparação a 2013, quando eram registradas 22.922 pessoas nessa condição — número 14 vezes menor que o atual. O levantamento utilizou dados do CadÚnico, que identifica beneficiários de programas sociais e populações vulneráveis para repasses federais.
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