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Na avaliação do setor produtivo, decisão do STF sobre demarcação de terras indígenas trará efeitos drásticos ao campo.
Na avaliação do setor produtivo, decisão do STF sobre demarcação de terras indígenas trará efeitos drásticos ao campo.| Foto: Arquivo/Agência de Notícias do Paraná

Segundo maior produtor do agro brasileiro, o estado do Paraná está em alerta após o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Pela decisão proferida por nove votos a dois, uma demarcação não depende do fato de as comunidades estarem ou não ocupando ou disputando a área no momento da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

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No extremo oeste e em parte do noroeste paranaenses, a decisão em provocado acaloradas discussões. Há anos a etnia Ava-Guarani reivindica cerca de 24 mil hectares de áreas entre os municípios de Guaíra, Terra Roxa – a mais atingida – e Altônia.

Do total de área, o setor produtivo estima que em torno de 20 mil hectares sejam de terras agricultáveis, onde vivem mais de duas centenas de famílias de agricultores. Considerando o volume de área em produção e com os valores praticados de mercado pagos por essas terras, segundo levantamento do Deral (Departamento de Economia Rural) da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (Seab), o impacto financeiro aos produtores se aproximaria dos R$ 3,3 bilhões, considerando o valor de mercado de R$ 162 mil por hectare. Estes valores não levam em conta benfeitorias e edificações.

Processo de demarcação deve ser retomado no TRF-4

Entre idas e vindas em disputas judiciais são décadas de disputas, algumas inclusive com enfrentamentos entre produtores e indígenas. Existia um processo de demarcação da Terra Indígena (TI) Guasu Guavirá em curso, mas em 2020 uma portaria da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), no governo de Jair Bolsonaro (PL), havia suspendido a ação. Por recomendação do Ministério Público Federal (MPF), em 2022, a Funai anulou a portaria.

O processo está parado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, após o município de Guaíra (PR) mover uma ação civil pública, da qual saiu vitoriosa em primeira instância. O MPF recorreu, o processo foi encaminhado ao TRF-4 e está suspenso desde meados de 2021. O próprio MPF acredita e os produtores temem que o julgamento do caso seja retomado agora, com a decisão recente do STF.

“Por enquanto está parado, mas tememos pelo que pode acontecer. O processo poderá caminhar novamente. Somente no município de Terra Roxa são 17 mil hectares reivindicados para a demarcação. Isso afetaria cerca de 20% de todas as nossas áreas agricultáveis do município que tem sua economia pautada na agricultura”, alertou o vice-prefeito e produtor rural Vagner Rodrigues (Podemos).

Para ele, além da retomada da análise processual no TRF-4, a decisão do STF pode estimular novas invasões de áreas. Existem ao menos 15 aldeamentos entre Guaíra e Terra Roxa, onde vivem cerca de 2 mil pessoas. “No mesmo dia da decisão (21/9) tentaram invadir uma nova área em Guaíra. Os produtores que estão vigilantes acionaram a polícia no mesmo instante e conseguiram evitar a ocupação”, contou.

Colonizada por famílias que chegaram principalmente de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul entre as décadas de 1930 e 1940, a região oeste do Paraná é uma das principais produtoras de grãos do estado – soja, milho e trigo – com produção anual de mais de 10 milhões de toneladas, além de concentrar a maior produção brasileira da avicultura e a segunda em suinocultura do país.

“As áreas foram adquiridas pelas famílias que aqui chegaram e seus descendentes seguem vivendo nelas há décadas, dependem das terras para sobreviver. Como ficarão essas famílias? Serão simplesmente despejadas na beira da estrada?”, indagou o presidente do Sindicato Rural de Terra Roxa, Fernando Volpato Marques, ao ponderar sobre as possíveis indenizações de áreas.

Outra dúvida elencada pelo presidente do sindicato diz respeito ao traçado exato da possível demarcação. “A gente não sabe ao certo que área seria efetivamente demarcada, se isso acontecer, mas a minha propriedade, por exemplo, estaria entre elas”, contou. Ao lado das lavouras de Marques existe uma ocupação indígena.

Ao todo, mais de 150 famílias teriam suas áreas atingidas pela demarcação somente em Terra Roxa. A estimativa é que se deixe de produzir anualmente algo próximo a R$ 164 milhões. O município acredita que a demarcação implicaria em cerca de 20% de seu Valor Bruto da Produção Agropecuária que, em 2023, ficou próximo a R$ 820 milhões.

“Além dos produtores que ficariam sem suas áreas, teríamos desemprego provocado pelas demissões das pessoas que trabalham no campo, seria devastador para a arrecadação. Acreditamos que essa insegurança jurídica traz reflexos muito preocupantes em todo o território nacional. Nossa esperança e expectativa é para que o projeto de lei (2.903/2023) que tramita no Congresso seja aprovado (considerando o marco temporal)”, seguiu o presidente do sindicato.

O PL em questão é de iniciativa do deputado Homero Pereira (PL-MT) e que tem como autor a própria Câmara dos Deputados. Ele trata do “reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas”, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. O projeto foi enviado no dia 23 de agosto à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, mas teve apreciação adiada após pedido de vistas feito pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA).

"STF se move como uma biruta de aeroporto", diz presidente de sindicato

Ao criticar a decisão do STF, Fernando Volpato Marques disse que a corte se move como uma “biruta de aeroporto”, ou seja, de acordo com o movimento dos ventos. “Em 2009 houve uma decisão reconhecendo a data da promulgação da Constituição e agora o STF volta atrás trazendo toda essa insegurança jurídica e preocupação no campo, não só para o Paraná, mas para o Brasil”, criticou.

A decisão de 2009 que o presidente do Sindicato Rural se refere diz respeito ao parecer da Advocacia Geral da União (AGU) sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, quando o critério marco temporal foi criado pela tese jurídica, que deixa agora de valer. Havia a defesa que povos indígenas teriam direito de ocupar apenas áreas que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988.

A mesma tese foi considerada quando, no ano de 2009, houve uma decisão da Justiça Federal de Santa Catarina, reforçada pelo TRF-4 quatro anos depois, em favor da Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma) com o reconhecimento de que uma etnia indígena não teria direitos às terras que haviam ocupado porque não residiam ali em 5 de outubro de 1988. A decisão foi parar no STF, resultando no julgamento de agora. Segundo o STF, ainda é necessário criar a “tese que servirá de parâmetro para a resolução de, pelo menos, 226 casos semelhantes que estão suspensos à espera dessa definição”.

Prefeito de Guaíra avalia que "passou da hora" para amplo diálogo sobre demarcação de terras indígenas

Para o prefeito de Guaíra (PR), Haroldo Trento (União Brasil), o tema preocupa muito, já que 15% do território está reivindicado. O gestor municipal alertou que o tema precisa ser tratado, com urgência, com um amplo e esclarecedor debate envolvendo os governos municipais, estadual e federal, MPF, representantes do judiciário, iniciativa privada e a Itaipu.

A defesa pela presença da hidrelétrica binacional é pelo fato de o município ser um dos lindeiros ao Lago de Itaipu e a binacional ser responsável por grandes áreas de preservação ambiental no entorno do rio Paraná, em trechos também reivindicados para demarcação.

Trento disse que tem feito contatos com a bancada federal, em especial com o deputado Pedro Lupion (PP-PR), que é presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária na Câmara dos Deputados, pedindo apoio e defendendo a celeridade da votação do PL em tramitação.

Em Guaíra, mais de 100 famílias seriam diretamente atingidas caso haja o processo de demarcação conforme o reivindicado. Para o prefeito, outro ponto que precisa ser esclarecido é se vai se tratar de expropriação dos produtores (serem retirados das terras sem direito a nada) ou desapropriação, como o tratado no STF, com pagamento prévio pelas áreas. “Aí a situação mudaria, desde que fossem valores justos e que ficasse bom para todos, mas precisamos conversar sobre isso. Já passou da hora de tratarmos do tema entre todos. A condução desse debate nos interessa e preocupa muito”, respondeu.

O município é um dos que concentra o maior número de indígenas vivendo em áreas ocupadas em toda a região oeste paranaense. São cerca de mil pessoas. “Estamos recebendo todos, atendendo seus filhos com educação, assistência, não temos absolutamente nada contra indígenas, mas precisamos tratar do assunto porque não se pode simplesmente retirar os produtores de suas áreas”, completou o prefeito, ao reforçar a preocupação, inclusive, com possíveis atos de violência que podem ocorrer no campo. “Nossa preocupação adicional é que estamos na fronteira (com o Paraguai)”, ponderou. Na região fronteiriça entre os dois países há um grande fluxo das comunidades indígenas.

O prefeito defende que diálogos envolvendo as instituições públicas e a iniciativa privada poderiam definir, inclusive, uma área para um aldeamento regional, a exemplo do que foi feito em um município próximo há cerca de duas décadas. Em Diamante d´Oeste foi a Itaipu quem adquiriu o espaço para uma aldeia, pondo fim ao risco de invasões no entorno. “O STF poderia ter pelo menos aguardado a tramitação do PL no Congresso para deliberar sobre o tema”, completou.

Faep diz que decisão do STF fere o direito à propriedade

A Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) afirmou que vê com “muita preocupação a decisão do STF em relação a RE 1017365/SC (ação julgada que derrubou a tese jurídica), sobre a regulamentação de dispositivo constitucional que estabelece de forma clara o marco temporal para demarcações de terras indígenas no Brasil”.

Para o órgão representativo de classe, a decisão traz “enorme insegurança jurídica para os milhares de agricultores e pecuarista do Paraná e do Brasil”. A Faep, que representa mais de 80 mil produtores rurais, disse entender que a decisão fere o direito de propriedade.

“O marco temporal, como previsto na Constituição Brasileira, garante os direitos de indígenas com base em critério objetivo para fins de efetivação de uma política de demarcações, sem subtrair o direito de propriedade. A Faep vai continuar acompanhando a situação, principalmente os desdobramentos no Congresso Nacional, onde está em análise e votação o Projeto de Lei 2.903/2023, em trâmite no Senado Federal, que restabelece a segurança jurídica no meio rural e assegura o direito de propriedade dos produtores rurais, sem ferir os direitos dos indígenas”, pronunciou-se por meio de nota o presidente da Faep, Ágide Meneguette.

CNA: revisão de jurisprudência do marco temporal trará consequências drásticas

A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) considerou que também vê com muita preocupação o julgamento. “A análise dos ministros modificou a jurisprudência até então consolidada da Suprema Corte sobre o tema. A revisão dessa jurisprudência trará consequências drásticas para a atividade agropecuária e para as relações sociais, instalando um estado de permanente insegurança jurídica para toda a sociedade brasileira, incluindo nesse rol milhares de produtores rurais em todo o País”, alertou.

Para a CNA, o fim do marco temporal pode “expropriar milhares de famílias no campo, que há séculos ocupam suas terras, passando por várias gerações, que estão na rotina diária para garantir o alimento que chega à mesa da população brasileira e mundial”. Em nota, a entidade disse ter "confiança de que o Congresso Nacional, assumindo a sua responsabilidade histórica e institucional de legislar, dará concretude à Constituição, conformando os direitos envolvidos e aprovando o Projeto de Lei nº 2.903/2023, em trâmite no Senado Federal, reestabelecendo a segurança jurídica e assegurando a paz social".

Estima-se, pelo próprio Poder Judiciário, que existam em todo o Brasil cerca de 300 processos de demarcação de terras indígenas pendentes.

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