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Metade do milho segunda safra segue estocada no Paraná.
Metade do milho segunda safra segue estocada no Paraná.| Foto: Jonas Oliveira/Arquivo/AEN

Com mais de 20 milhões de toneladas de grãos estocados - e boa parte em armazéns improvisados - o Paraná enfrenta entraves relacionados à qualidade do produto, prejudicado após as fortes chuvas registradas nos últimos dois meses.

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O estado totalizou uma produção de 46 milhões no ciclo 2022/23, mas enfrentou o mês de outubro mais chuvoso das últimas três décadas, segundo os principais institutos meteorológicos, condição que pode ter afetado cereais acondicionados há meses em locais improvisados, como silos bolsas, piscinas e sacas convencionais.

Com estoques lotados e sem previsão de comercialização em massa, as cooperativas - que recebem 62% da produção estadual de grãos no estado - tentam dialogar com produtores para escoar cerca de 40% da soja guardada para dar espaço aos grãos que serão colhidos nos próximos 90 dias, diante de um novo cultivo no campo. Há também metade da safra do milho do segundo ciclo estocada e praticamente toda a produção do trigo que acaba de ser colhida, ocupando silos e armazéns.

Considerando o cenário macro das condições atuais de estocagem no Paraná, a avaliação de órgãos representativos como a Organização das Cooperativas (Ocepar) e da Federação da Agricultura (Faep) é de preocupação extrema pela falta de espaço e pelas condições dos cereais.

“É uma situação crítica. Minha visão é de pessimismo, com os governos nada vem sendo feito até porque eles não têm muitas condições. Fica complicada a situação produtiva, não tem como imaginar como será nos próximos três ou quatro meses com a chegada da nova safra. Tem o que fazer em médio e longo prazo, mas a curto prazo não, a não ser agilizar as vendas, mas com preços baixos e capacidade limitada de escoamento, os produtores não estão interessados em vender e não temos logística no porto para dar conta de escoar tudo de uma só vez”, destacou Nilson Hanke Camargo, do Departamento Técnico e Econômico do Sistema Faep/Senar-PR.

Ainda sem condições de avaliar as perdas ou mesmo apodrecimento de grãos estocados com a umidade excessiva, a expectativa está nos próximos boletins que o Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Estado da Agricultura deve divulgadar nos próximos dias.

“Certamente deve haver casos pontuais de grãos que acabaram apodrecendo nos estoques em silos particulares, onde não houve o manejo adequado. Porém, como a maior parte dos armazéns no Paraná está com as cooperativas, elas têm feito um trabalho pesado de secagem dos grãos, o que acaba encarecendo o custo de produção”, completou Camargo.

Para o técnico, o alerta sobre os estoques vem de longa data e tem se potencializado, indicando não ser uma condição momentânea nem sazonal, num cenário que pode ser mais crítico nos próximos anos diante do aumento gradativo da produção.

“Há uns cinco anos tivemos registro de armazenagem em quadras de esportes, pátios de indústrias. Não tinha local para guardar. Hoje enfrentamos o mesmo problema. Sempre foi um desafio, temos defendido há algum tempo que os governos estadual e federal possam incentivar armazéns com taxa de juro atrativas e financiamentos adequados, mas até agora nada. O governo vai ter que bancar isso, caso contrário sempre teremos esse problema”, ressaltou ele, ao lembrar que o Brasil registra aumento de produção anual de 10% a 12% e que as condições de armazenagem não acompanham esse crescimento.

“Quem está fazendo isso (armazenagem) são as cooperativas e pouco está com os produtores, mas essa não é a realidade dos agricultores paranaenses que têm pequenas propriedades e limitação de recursos”, avaliou.

Condição do estoque de milho é a que mais preocupa

A situação mais preocupante, segundo Camargo, é com o excesso de umidade no armazenamento do milho. Ele reconhece que isso resultará em perdas. Seguem guardados no Paraná quase 7 milhões de toneladas deste cereal, colhidas nos últimos meses referentes à chamada safrinha. Parte vai para a alimentação animal das próprias indústrias do estado, sobretudo para ração de aves, suínos e peixes, e parte seguirá às exportações.

Com índices de umidade nos grãos que precisam ser analisados diariamente, os secadores dos silos e armazéns estão funcionando diariamente e a todo vapor. “Ou seja, aumentando o custo de comercialização, porque o uso de secadores encarece o produto e vai pesar para o produtor”, completou Camargo.

Um projeto apresentado pela Faep ao governo do Estado no ano de 2013 não saiu do papel. “Comandei um trabalho propondo armazenagem na propriedade com incentivo de ICMS pelo Estado. Chamaria-se Silo Solidário (em analogia ao programa Trator Solidário), pelo qual o Estado faria uma licitação de silos para encontrar os mais baratos, oferecendo incentivo fiscal. O governo não quis saber da conversa, simplesmente não prosperou”, alertou o técnico da Faep.

Enquanto isso, na escala de problemas relacionados à estocagem e venda de cereais, o técnico reforçou que outra preocupação é com a logística, já que o Porto de Paranaguá que não teria estrutura para embarcar, em curto prazo, tudo o que tem para ser comercializado. “Não sei o que vai ser daqui três, quatro meses, quando vamos receber a próxima safra de milho e soja. A situação que já é muito complicada pode piorar muito”, alertou. O Paraná é o segundo maior produtor de grãos do Brasil.

Estoque e condições de armazenagem de grãos são problemas diários para administrar

O presidente da Ocepar, José Roberto Ricken, considerou que problemas com a estocagem de grãos e o risco de perdas com a umidade são problemas que vêm sendo administrados diariamente. De acordo com ele, áreas produtivas inteiras no estado estão sendo usadas apenas para guardar cereais, muitas com espaços não adequados para a conservação dos grãos por longos períodos. “Essa chuva toda no Paraná, piora a situação e preocupa muito pela conservação, o estado dos grãos, não podemos mais conviver com isso”, reforçou.

As cooperativas paranaenses estão operando em todos os portos possíveis no Brasil para dar vazão às exportações, além de realizarem uma “operação de guerra” para conscientizar produtores sobre a venda.

Só no Paraná, o Porto de Paranaguá espera embarcar de outubro a dezembro 3,6 milhões de toneladas de soja, volume 200% maior que o registrado no mesmo período de 2022. “Em 2016, nossa capacidade estática de estocagem era de 90% da safra paranaense e a produção normal era de 36 milhões de toneladas. Conseguíamos estocar até 29 milhões de toneladas. Hoje temos uma safra de 46 milhões de toneladas - logo caminhamos para os 50 milhões - e os armazéns passaram de 29 para 31 milhões de toneladas de capacidade”, reiterou Ricken.

No fim de outubro, representantes da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) se reuniram com a diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no Rio de Janeiro para tratar dos entraves e problemas crescentes envolvendo a estocagem de grãos no Brasil. Ricken esteve no encontro, cujo tema principal foi a liberação de linhas de financiamento específicas para o segmento.

“O Plano Safra deste ciclo trouxe financiamentos para armazéns de fazendas com capacidade para até 6 mil toneladas, são recursos para incentivar o fazendeiro a fazer a estocagem e regulação na entrega. Essa não é a realidade do Paraná, onde 82% dos produtores não têm 50 hectares e não têm dinheiro para fazer um armazém. Quem faz esse trabalho são as cooperativas. Recebemos mais de 62% das safras e elas vêm basicamente de pequenas produtores”, completou.

Para o presidente da Ocepar, armazém não se constrói com recurso caro, juros elevados ou crédito tomado em dólar, porque o retorno é em um ciclo de 12 a 15 anos. “Não se paga fácil e com juros de investimento só onera a produção. Ter mais capacidade de estocagem é estratégico para o país, fundamental para quem vai passar dos 300 milhões de toneladas de produção e precisa ter o equivalente disso em armazéns. É uma segurança no campo, sobretudo em período de muita chuva, sob o risco de termos produções danificadas pelo excesso de umidade”, considerou.

O setor produtivo estima que, para equalizar o déficit nos próximos anos seriam necessários, de forma perene, destinação de R$ 1,2 bilhão por ano para capacidade de armazenamento. “Não é só construir novos armazéns, é modernizar, otimizar, dar fluxo na recepção, expedição, na secagem, melhorar o que temos”, completou Ricken.

Na reunião realizada no fim de outubro, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, disse que o banco tem “compromisso com o modelo cooperativista e com o que ele representa para a inclusão produtiva e financeira no Brasil”.

É com essa expectativa que uma nova reunião entre a OCB, BNDES, Ministério do Planejamento e Ministério da Agricultura volta a tratar do tema até o fim deste mês. O objetivo é chegar a linhas de crédito com acesso mais facilitado e menores taxas de juros.

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