Maior facção criminosa da América do Sul, que planejava sequestrar e assassinar o ex-juiz e senador da República Sergio Moro (União Brasil-PR), o PCC tem investido pesado para dominar toda a "cadeia produtiva" do narcotráfico. As investigações são da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público de São Paulo, órgão ao qual é vinculado o promotor Lincoln Gakiya, que acumula duas décadas de investigação sobre o grupo e que também estava na "lista da morte" dos criminosos.
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Serviços de inteligência das forças de segurança têm revelado aquisições da facção criminosa brasileira em propriedades no Paraguai, para o plantio da maconha, e na Colômbia, para o cultivo de cocaína.
Ao estilo de uma organização que planeja a expansão com foco em mais resultados, o grupo criminoso tem objetivos bem definidos. Além de plantar, colher e processar entorpecentes, está focado em ganhar o mundo do crime com a venda direta e o transporte de drogas avançando sobre fronteiras, a partir de alianças com máfia, grupos de extermínio e até células terroristas. As autoridades nacionais em segurança pública estimam 35 mil integrantes da facção, no Brasil e no mundo.
São Paulo e Paraná são considerados "casa" da facção criminosa
Para eliminar intermediadores e verticalizar a cadeia produtiva, a facção passou a cooptar novos membros pela América do Sul, onde o número de "batizados" (nomenclatura designada a quem é oficialmente inserido ao bando) não para de crescer. Há, ainda, o envio constante de brasileiros para esses países, para cuidar de plantações e da logística da maconha, aponta o delegado da PF Marco Smith. Ele trabalha na fronteira do Brasil com o Paraguai e também já foi ameaçado de morte pela facção, após investigar assassinatos de policiais penais ordenados pelo grupo no Paraná. O estado é considerado a segunda maior casa da sigla criminosa, lembra o delegado, atrás apenas de São Paulo, onde a facção nasceu dentro de presídios estaduais.
“Quase toda maconha que abastece o Brasil vem do Paraguai e essa facção está, nos últimos anos, eliminando os intermediadores, garantindo mais rendimentos, além de conhecer todo o esquema sem depender de outros grupos. Cuida do plantio, do processamento, da venda e do transporte”.
Marco Smith, delegado da Polícia Federal
A maconha, de acordo com o delegado, abastece prioritariamente o Brasil, enquanto a cocaína corre o mundo, garantindo faturamentos bilionários em dólares e euros. Além da maconha no Paraguai, na última década a organização criminosa tem apostado alto em cultivos de cocaína na Bolívia, apesar da resistência enfrentada com os sindicatos produtores locais, e na Colômbia, que se tornou uma das principais fornecedoras da droga no continente.
Segundo Smith, a facção começou a intensificar essa metodologia de trabalho sem atravessadores depois de estabelecer relações cruciais com grupos mafiosos e com caráter terrorista. O delegado afirmou que, apesar de pouco se falar sobre o assunto, existe uma ligação da facção brasileira com um grupo islâmico xiita que, no Oriente Médio, se intitula como partido político, mas é reconhecido por ações terroristas. Deles, os criminosos brasileiros recebem treinamento de guerrilha e para atos de terrorismo, apontam as investigações dos órgãos de segurança.
“Como (a facção) vem se expandindo pela América do Sul, fica relativamente fácil se estabelecer. Um exemplo disso são os faccionados que estão na fronteira do Brasil com o Paraguai e servem à logística do entorpecente”, diz o delegado.
Ciclo rápido da maconha impacta nas grandes apreensões
Entre o plantio, processamento, venda e transporte, o ciclo da maconha dura, em média, quatro meses e meio. Em poucos dias, começa um novo período da colheita no Paraguai. “Com isso, será mais comum a apreensão em maior volume, porque o transporte aumenta. Nem toda maconha apreendida no Brasil é da facção, mas boa parte vem dela. Como a maconha é mais barata que a cocaína, é muito mais fácil pegar um carregamento de mais de uma tonelada daquela droga do que desta. Na fronteira (do Brasil com o Paraguai), as apreensões de grandes quantidades de maconha são constantes”, evidencia o delegado da PF.
Um exemplo foi a interceptação de 1,4 tonelada da droga em abril, na BR-369, entre os municípios de Cascavel e Corbélia, no Paraná. Segundo a PF, a droga estava camuflada no meio de uma carga lícita de óleo vegetal e margarina.
Mercado bilionário da cocaína passa pelos portos
Se com a maconha os rendimentos são menores, com a cocaína a facção encontrou um mercado rentável e, de certo modo, com baixo risco às “exportações”. Como geralmente a droga é inserida clandestinamente em navios, em portos como o de Santos (SP) e o de Paranaguá (PR), as apreensões não são atreladas a prisões - e o grupo só perde a mercadoria.
No ano passado, a Receita Federal apreendeu, somente no porto de Paranaguá, 1.114 quilos de cocaína, além de 400 quilos da droga em 2023. Em apreensão recente, foram localizados 83,5 quilos da droga escondidos em um contêiner com destino ao Porto de Tânger, no Marrocos, que faria escala em Portugal.
Segundo o delegado-adjunto da alfândega da Receita Federal no Porto de Paranaguá, Gerson Zanetti Faucz, graças aos sistemas de gerenciamento de risco do órgão e à utilização do scanner, importantes volumes de drogas são detectadas antes de deixarem o território nacional.
Cocaína chega ao Brasil pela "rota caipira" em pequenos aviões que burlam a fiscalização
Os principais fornecedores da folha de coca, que dão origem à pasta-base, estão na Bolívia, Peru e Colômbia. Onde a facção ainda não planta, costuma adquirir de outros grupos criminosos, mas isso vem mudando. Já o processamento ocorre em laboratórios que, apesar de equipados, têm características rudimentares que servem bem à função, lembra o delegado da PF, Marco Smith.
A partir desses países, a droga é transportada por rota área ou terrestre até o Paraguai, comumente à região do Chaco. Ali existem entrepostos improvisados para acomodação até o transporte a destinos intermediários com rotas traçadas e planejamento estratégico, até a fronteira com o Brasil. “A droga sai do Paraguai no meio de cargas lícitas, em caminhões, escondidas em carros de passeio e, principalmente, em pequenos aviões que seguem pela chamada rota caipira”, pontua o delegado, ao lembrar que essas aeronaves sobrevoam abaixo da linha do radar para não serem identificadas pela fiscalização, com trajetos pelo interior do Brasil.
“Elas param em estradas que são transformadas em pistas de pouso e decolagem improvisadas e costumam ser abastecidas nas regiões oeste e norte do Paraná ou no oeste de São Paulo, de onde a droga segue para os portos com destino a países da Europa, da África, das Américas”.
Marco Smith, delegado da Polícia Federal (PF)
Apenas uma parcela da cocaína que entra no Brasil fica no país, consumida principalmente entre Rio de Janeiro e São Paulo. Um volume cada vez mais maior, avalia a PF, segue para trajetos internacionais.
A conquista desses mercados está voltada a retornos financeiros "estratosféricos", estima o delegado. Na Europa, o quilo da cocaína pode valer até 15 vezes mais que no Brasil. A droga, na Colômbia, pode ser encontrada, no meio de áreas de cultivo, a US$ 300 o quilo. Fora da área produtiva, ainda naquele país, pode ser encontrada por US$ 3 mil.
No Brasil, um quilo pode render no mercado final até R$ 180 mil, segundo levantamento do Departamento da Polícia Rodoviária Federal, divulgado em 2022. No continente europeu, a depender da qualidade do produto, o quilo pode variar de US$ 70 mil a US$ 180 mil. “É evidente que o mercado mais rentável é o internacional e, nestes casos, estamos considerando uma droga com grau de pureza muito elevado para ser 'batizada' lá (misturada com outros produtos que a façam render)”, avalia o delegado.
Por lá, destino comum tem sido o Porto de Antuérpia, na Bélgica, com um dos maiores fluxos de navegação da Europa, o que dificulta fiscalizações mais intensas. Dali, lembra Smith, a cocaína é distribuída para outros países consumidores. No último ano, segundo autoridades belgas, foram apreendidas 10 toneladas do entorpecente naquele porto.
Uma facção mafiosa
Para o promotor de Justiça que tem dedicado os últimos 20 anos para investigar e denunciar as ações criminosas da facção, Lincoln Gakiya, a organização já atua com características de máfia. “Em conversas que temos tido com forças policiais de outros países, todos manifestam preocupação sobre o avanço da facção em outros países e continentes”, reitera o promotor.
O promotor tem sentido o peso de investigar a organização, mas desistir passa longe de seus planos. Ele e a família vivem 24 horas por dia rodeados por seguranças e com esquemas de proteção revistos rotineiramente. São dele e de sua equipe levantamentos que resultaram na operação que prendeu integrantes do PCC no mês de março. Eles participariam do sequestro e atentado contra Sergio Moro. Na última semana, documentos inéditos divulgados pela Revista Veja revelaram que até um imóvel em local de difícil acesso havia sido alugado na periferia de Curitiba, que serviria de cativeiro para o ex-juiz.
O promotor que investiga a facção também é protagonista de levantamentos atualizados sobre o avanço da facção em atos criminosos e a expansão do seu poderio econômico e de fogo.
Da lavoura ao destino final
Até poucos anos, a avaliação de forças de segurança era de que a droga vendida pelo PCC era entregue em portos e a responsabilidade para o envio final seria de sócios, como as máfias italianas, nigerianas ou sérvias. Naquele período, o promotor Lincoln Gakiya chegou a identificar que a máfia ficava com 40% da droga e pagava o resto em euros no preço de comercialização.
Com a verticalização do processo, afirma o delegado da PF Marco Smith, já se pode constatar que a própria facção está entregando a droga nos outros continentes, o que explicaria um número cada vez maior de criminosos ligados ao bando vivendo na Europa e na África, por exemplo.
Em 2020, o braço direito do maior líder da facção foi preso em Moçambique, onde planejava controlar o tráfico de drogas e armas no sul da África a partir da parceria com grupos criminosos locais. Apesar de não ser batizado pela sigla, o criminoso era um dos principais aliados do grupo e responsável pela dominação no narcotráfico em parte da América do Sul.
Lavagem de dinheiro está atrelada à internacionalização do tráfico de drogas
A internacionalização do tráfico também acende o radar para a lavagem de dinheiro, considera a PF, e esquemas fraudulentos para a entrada de dinheiro ilícito no país estão na mira das autoridades brasileiras. Antes da expansão dos negócios e dominação da cadeia do narcotráfico, o dinheiro do PCC era enterrado ou guardado, conforme aponta identificação da PF.
Diante da movimentação bilionária a partir do mercado internacional, existe o transporte clandestino de cédulas em aviões ou navios. Porém, como os volumes estão cada vez maiores, as cifras começam a deixar de circular na forma física e seguem às mãos de doleiros passando por países como Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia, geralmente produtores da droga. Mais recentemente também tem se evidenciado, segundo as autoridades em segurança, a compra e a construção de imóveis e luxo no litoral brasileiro, com olhares a cidades como Balneário Camboriú.
Para o delegado Smith, a prisão de uma doleira brasileira em abril de 2022, em Portugal, indica muito sobre a lavagem de dinheiro do narcotráfico brasileiro. Identificada como peça importante na lavagem de dinheiro da Operação Lava Jato, a doleira foi presa durante uma operação da PF que mirava o tráfico internacional de entorpecentes. “Ali ficou muito claro que existe um caminho importante na mão de doleiros que estão a serviço do crime organizado”, destaca.
Hierarquia do PCC
Com uma hierarquia militar e regras bem definidas, um erro ou infração grave cometido por um faccionado pode ser pago com a vida, com direito a julgamento próprio do chamado "tribunal do crime" do PCC. Assim, a facção de faturamento bilionário é comandada por um seleto grupo chamado de Sintonia Final, composto por oito importantes líderes responsáveis pelas tomadas de decisões mais relevantes e de impacto. A apuração foi do promotor de São Paulo que investiga o bando.
Como parte desse grupo está presa e isolada em presídios federais, as autoridades acreditam no esforço para formação de líderes criminosos do lado de fora das grades, para seguir na linha de comando sem colocar em risco o mercado lucrativo de drogas e armas, o que tem provocado disputas e rachas frequentes na fação, aponta Marco Smith.
Os criminosos são audaciosos. O tráfico internacional geralmente ocorre por navios que atravessam oceanos. O delegado da PF conta que pacotes com cocaína são fixados no casco dos navios por mergulhadores profissionais ou na modalidade chamada de “rip-on, rip-off”, com inserção da droga nos contêineres sem o conhecimento do exportador. Em casos assim, comumente há a participação de profissionais de áreas portuárias na atividade ilícita.
A rota área também está nos planos da criminalidade - e a prática em voos comerciais se tornou evidente. No mês de abril, duas brasileiras foram presas sob acusação de traficarem drogas para a Europa. “As etiquetas de bagagens das duas brasileiras que seguiam para a Alemanha foram trocadas e colocadas em malas com 40 quilos de cocaína e, aparentemente, as pessoas que faziam isso eram bem treinadas, sabiam do ponto cego das câmeras, sabiam o que estavam fazendo. Quantas mais não seguiram viagem nesse mesmo modelo?”, questiona o delegado.
Facção criminosa faz enfrentamento ao poder de Estado
Para o promotor Gakiya, são indispensáveis leis mais severas e união de esforços entre os poderes da República para que a aplicação legal ocorra de forma efetiva. “É preciso firmeza na legislação. Nos últimos anos temos visto o poder econômico desse grupo criminoso aumentar”, destaca ele.
Sabe-se, porém, que no endurecimento de regras o grupo criminoso vai investir ainda mais pesado contra o Estado e, para autoridades em segurança, é imprescindível estar preparado para isso.
Além do planejamento frustrado de mortes como o revelado contra o ex-juiz e senador Sergio Moro, o PCC leva no currículo atos concretizados contra agentes de Estado, como o assassinato de três policiais penais que atuavam em presídios federais: dois no Paraná e um no Rio Grande do Norte, nos anos de 2016 e 2017. “Só não ocorreram mais atos porque as investigações revelaram planos que foram frustrados. Ao longo dos últimos anos foram pelo menos cinco desses planos descobertos e impedidos. Se não vai mais acontecer, não temos como saber, mas estamos sempre em alerta e prontos para dar a resposta que a segurança pública necessita”, afirma o delegado do Sindicato dos Policiais Penais Federais, Carlos Machado.
Machado pontua que ataques assim ocorrem única e exclusivamente para o enfrentamento às forças de Estado após ações repressivas em desfavor do crime organizado. Desde 2019, os principais líderes do bando estão sendo transferidos para presídios federais de segurança máxima, onde ficam em celas individuais e sem contato direto com outros presos.
Nas cinco unidades federais do país, as visitas são monitoradas e ocorrem exclusivamente por parlatório ou videoconferência. Desde 2017, os custodiados no sistema federal não têm visitas íntimas com contato físico. Isso ocorreu após identificação que ordens para atos criminosos fora dos presídios eram dadas a advogados e familiares durante essas visitas. “Envolvia desde o assassinato de um desafeto, determinações para o tráfico de drogas e armas, até os ataques que resultaram nas mortes dos agentes de segurança”, completa Smith.
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