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Compra de 3 mil hectares

Itaipu prepara pedido público de desculpas a indígenas no Paraná

Enio Verri confirmou que a Itaipu faz a compra de 3 mil hectares para indígenas no oeste do Paraná.
Enio Verri confirmou que a Itaipu faz a compra de 3 mil hectares para indígenas no oeste do Paraná. (Foto: Juliet Manfrin/Gazeta do Povo)

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A Itaipu Binacional confirmou o processo final da compra de 3 mil hectares - uma área equivalente a três mil campos de futebol - para indígenas que estão em terras invadidas e de conflito com produtores rurais na região oeste do Paraná, próximo à fronteira dom o Paraguai. O custo da aquisição é estimado em R$ 240 milhões.

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Pessoas ligadas às negociações confirmaram à Gazeta do Povo que, junto com as terras, virá uma carta pública da hidrelétrica com pedido formal de desculpas aos indígenas pela considerada dívida histórica não ter sido paga antes, com reconhecimento de direto às terras pelos povos originários.

Ao ser questionado sobre o pedido de desculpas em carta formal, o diretor brasileiro da hidrelétrica, Enio Verri, disse que não poderia entrar em detalhes nesta reta final das negociações. Ele confirmou que os recursos para a medida - R$ 240 milhões - sairão dos cofres da usina. O valor para o pagamento está separado e será feito a partir do Supremo Tribunal Federal (STF).

“A Itaipu já comprou mais de 2 mil hectares [onde estão duas comunidades indígenas no município de Diamante D´Oeste (PR) desde a década de 1990], já comprou muita terra [para os indígenas] reconhecendo que foram atingidos quando o reservatório [foi construído]; parte não recebeu o que era de direito. O que a Itaipu está reconhecendo é que há uma dívida social. Não posso entrar em detalhes, mas compramos a terra. O histórico e quem vai usar a Funai e o Supremo vão decidir”, afirmou.

O governo Lula e o diretor de Itaipu defendem que se trata de uma dívida da usina com os indígenas que viviam na região e que ficaram desalojados no alagamento do reservatório, na década de 1980. Produtores rurais contestam a informação, alegando que não haviam áreas produtivas em escala ocupadas por indígenas no entorno naquele período. Nas últimas décadas, grupos de indígenas invadiram mais de duas dezenas de áreas públicas e particulares na região.

A Gazeta do Povo apurou que a definição sobre o pedido público de desculpas, pela Itaipu, ococrreu em uma reunião na última semana, com a representatividade de integrantes do STF, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, do Ministério Público Federal (MPF), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), das comunidades indígenas e da própria Itaipu.

A carta formal seria então apresentada em um grande evento público a ser realizado nos próximos dois meses, possivelmente às vésperas da celebração do Dia dos Povos Indígenas, em 19 de abril.

O que a Itaipu está reconhecendo é que há uma dívida social.

Diretor brasileiro da Itaipu Binacional, Enio Verri

A Gazeta do Povo apurou nos bastidores que as áreas a serem adquiridas estão localizadas em cinco municípios: Guaíra, Terra Roxa, São Miguel do Iguaçu, Santa Helena e Itaipulândia. Atualmente, os indígenas vivem em 31 áreas espalhadas pela região, sobretudo nos municípios de Guaíra e Terra Roxa onde os conflitos são mais intensos e têm escalado nos últimos dois anos. Somadas, essas áreas contariam com cerca de 5,8 mil pessoas.

Esses municípios ficam à beira do lago de Itaipu, chamados de lindeiros, e uma das discussões sobre a aquisição das terras pela usina é que muitas áreas invadidas continuariam recebendo mais indígenas, grande parcela vinda do Paraguai, inclusive com a utilização de documentos falsos indicando nacionalidade nos dois países.

Questionado se o lado brasileiro da hidrelétrica comprará áreas para acomodar pessoas vindos do país vizinho, Verri disse que a Itaipu é uma empresa, não é o governo nem faz leis, que está usando recursos próprios para resolver um problema social e que caberá a outras instâncias decidir se quem será acomodado terá direito sobre as terras.

Sobre os possíveis indígenas paraguaios vivendo em áreas invadidas no Brasil, o diretor da Itaipu disse que o presidente Lula (PT) foi eleito para uma gestão em benefício do povo brasileiro. “Se é 'x' ou 'y', se é paraguaio ou não, não cabe à Itaipu dizer isso. Se forem paraguaios caberá ao judiciário e ao legislativo tomar as providências”, afirmou.

A região para a qual a Itaipu está adquirindo áreas rurais concentra uma das maiores produções de soja e milho do estado do Paraná, segundo maior produtor de grãos do Brasil, atrás do Mato Grosso. A região também é referência na produção de proteína animal, concentrando os principais plantéis de aves e suínos do estado.

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Aquisição de terras para indígenas marca mudança de perfil no comando de Itaipu

A aquisição de terras representa uma mudança no perfil da direção da hidrelétrica desde o retorno do PT à Presidência da República. Durante o período em que Jair Bolsonaro (PL) foi presidente, de 2019 a 2022, uma das prioridades da hidrelétrica foi investir em grandes obras estruturantes.

Dessa política resultaram a construção da segunda e da terceira ponte entre Brasil e Paraguai e uma perimetral em Foz do Iguaçu (PR) ligando a principal rodovia do estado, a BR-277, à ponte da Integração.

Durante o período em que Bolsonaro foi presidente, uma das prioridades da Itaipu foi investir em obras estruturantes.

Ainda sob o comando de Bolsonaro no governo federal, a hidrelétrica investiu em obras de duplicação e pavimentação de rodovias pelo estado do Paraná, onde está localizada a margem brasileira da usina. A partir do novo governo Lula e da mudança na direção da usina, Itaipu tem defendido investimentos de vulto em políticas sociais e ambientais, o que contraria o setor produtivo local.

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Compra de terras é caminho para resolver conflito na região oeste, aponta Ratinho Jr.

Em visita à feira agropecuária Show Rural, que ocorre durante esta semana em Cascavel (PR), o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), reiterou que as polícias estaduais continuam colaborando com a Força Nacional de Segurança Pública na área em que ocorre o conflito entre produtores e indígenas.

"Quem tem que responder esse problema é a Itaipu - alguns são povos originários do Paraguai e, inclusive por lá, não são reconhecidos como indígenas, mas aqui como é autodeclaração eles estão dizendo que são", observou Ratinho Junior.

"A Itaipu não pode ficar omissa, precisa comprar a terra", acrescentou. De acordo com ele, o governo do Paraná sugeriu ao governo federal a realocação dos indígenas em Ilha Grande, na divisa entre os estados do Paraná e Mato Grosso do Sul.

"Lá é uma área abandonada, nem o CMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] dá conta de tocar e nós sugerimos ao governo federal que acomodasse esse pessoal por lá", afirmou.

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Aquisição de mais áreas para indígenas pode ser definida em ação no STF

A aquisição de terras para indígenas pela Itaipu está contemplada na Ação Cível Originária (ACO) 3555 que tramita no STF. A ação foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e na qual a Itaipu Binacional acabou condenada a comprar terras aos indígenas que supostamente viviam na região alagada para a construção do reservatório no oeste do Paraná.

Uma das possíveis soluções apresentadas na ação foi a aquisição de terras para posse permanente e uso exclusivo das comunidades. Mesmo com a aquisição milionária sendo realizada dentro da ação, interlocutores que participaram da reunião na última semana afirmam que a compra não coloca fim à disputa judicial e o processo para aquisição de mais áreas segue tramitando no STF.

Isso ocorre porque a ação não estipula uma área a ser adquirida. Os indígenas cobram 36 mil hectares. Uma das linhas de negociação defendida pela própria Funai e por dirigentes ligados à Itaipu seria a compra de 10 mil hectares para colocar fim à ACO.

Em outra frente, há um processo em andamento para demarcação de terras indígenas na mesma região em disputa. O processo de compra de áreas pela Itaipu não está relacionada ao processo de demarcação, que corre de forma paralela. Enio Verri também tem dito que, como a Itaipu não é o governo, não cabe à hidrelétrica a desapropriação, e sim a aquisição para reparação de danos.

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Itaipu dá resposta limitada sobre compra de terras e pedido de desculpas a indígenas

A reportagem da Gazeta do Povo fez três tentativas de entrevistar o diretor de Itaipu, Enio Verri, mas foi atendida apenas de forma limitada. Após um pronunciamento de Verri a órgãos de imprensa no último dia 10, no evento Show Rural, a reportagem questionou-o se a compra das terras viria acompanhada de uma carta de pedido formal de desculpas da usina aos indígenas.

Ele afirmou que a entidade destinará R$ 240 milhões para a compra de terras, mas disse que não poderia dar detalhes sobre as negociações. A Superintendência de Comunicação chegou a tentar interromper o questionamento, mas Verri optou por responder apenas de forma breve. A entrevista foi então encerrada por uma assessora.

Em nota, a entidade disse que não houve negativa de fornecimento de informações. "Enio Verri prontamente atendeu a jornalista após a coletiva de imprensa, respondendo às perguntas que lhe foram feitas". A reportagem vinha solicitando uma entrevista com Verri desde o último dia 6, sem antecipar as perguntas que seriam feitas, mas foi informada de que ele não teria agenda para o atendimento. Outros veículos de comunicação foram atendidos. A Itaipu não informou quais foram os critérios para a concessão das entrevistas.

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