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Lauro Goldbach
Lauro Aldo Goldbach se recusou a assinar medições irregulares.| Foto: Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo

“É da natureza da gente. Meu pai era muito radical também, tipo eu. Ou é certo ou é errado. Não tem mais ou menos”, tenta explicar o engenheiro civil e professor Lauro Aldo Goldbach enquanto conversa com a Gazeta do Povo sobre como escapou da Operação Quadro Negro, deflagrada em 2015, e que atingiu o segundo mandato de Beto Richa (PSDB) no governo do Paraná. Ao contrário de outros fiscais de obras, Aldo não concordou em assinar faturas com valores que não eram devidos: “Não estava feito o serviço, eu não liberei”. Por causa disso, Aldo acabou mencionado na primeira sentença derivada do escândalo de corrupção - envolvendo verbas destinadas a obras de escolas -, assinada há um mês pelo juiz de Direito Substituto Fernando Fischer.

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Em algumas das 460 páginas da sentença, Fischer se valeu da atitude de Aldo para justificar a condenação de alguns fiscais: “Em uma profissão tão nobre, o fato de assinar documentos sem ter comparecido à obra mostrou-se catastrófico aos cofres públicos. Vidas dependem do trabalho adequado do engenheiro civil. Veja-se, acerca disso, que a testemunha Lauro Aldo Goldbach se insurgiu contra a absurda prática de assinar relatórios em desacordo com o que estava sendo executado. Se ele o fez, os demais também poderiam”, aponta trecho.

Para Fischer, a alegada “coação” ou o “mero temor de uma punição” na relação profissional não se enquadrariam “no conceito de irresistível”. “Tanto é que Lauro Aldo Goldbach, testemunha na presente ação penal, efetivamente se recusou a assinar medições em discrepância com a real execução”, reforça ele, em outro trecho.

Aldo trabalhou na Paraná Educação (pessoa jurídica de direito privado ligada à Secretaria da Educação) entre 2012 e 2016. “Eu dizia pra todo mundo. Não faça errado porque vai estourar e a hora que estourar vai sobrar pra nós. Quando começou com a ideia de recriar a Fundepar [autarquia responsável por toda a parte administrativa da pasta de Educação], começaram a prometer cargos [para os fiscais]. Mas eu não quero nada, não quero nem ser zelador desta história aí. Só quero ficar aqui, completar meu tempo, e me aposentar”, conta. Chegaram a prometer cargo ou oferecer dinheiro? “Não, não, porque é aquilo: você não faz isso com cachorro que você sabe que vai levar mordida, né?”.

De olho nos “esquemas”

Um dos casos relatados por Aldo ao juiz Fischer foi o do Colégio Estadual Lysimaco Ferreira da Costa, em Rio Negro, na Região Metropolitana de Curitiba. Ali, ele identificou divergências no cronograma da obra, que era de responsabilidade da Valor Construtora, a primeira a se tornar alvo da Operação Quadro Negro. A empresa começou a chamar mais atenção de funcionários ligados à Secretaria da Educação quando ela deixou de apresentar uma certidão exigida durante o andamento de um determinado processo licitatório. A desclassificação da construtora no certame, lembra Aldo, “tocou o horror lá na cúpula”.

“Tinha um estranhamento. Mas a gente vai fazer o quê?”, continua Aldo, antes de revelar experiências semelhantes, ao longo dos seus mais de 60 anos de idade. “Já vi até inauguração de obra só com uma parede e uma janela”, conta. “Na vida eu já tive oito chances de entrar em esquema. A próxima eu acho que não vou recusar”, brinca ele, dando risada. Aldo nasceu em Mafra, em Santa Catarina, onde atuou em outros cargos públicos, desde a década de 1980. Também teve empresa de construção por quase três décadas. “Em 88, eu fiz duas creches em Mafra para o governo estadual. Quando eles liberaram algum pagamento, deu para pagar só as telhas. Eles seguram. Ou paga propina ou não recebe. Nunca mais participei de licitação assim”, diz.

Talvez por se tratar de uma cidade pequena, Aldo se envolveu cedo com política, se filiando ao MDB. “Minha ideia era arrumar a cidade para os meus filhos não precisarem ir embora”, resumiu ele, que hoje está filiado ao PT, embora distante da vida partidária. “Política é o que você faz para entrar lá [na administração pública]. Depois que termina a campanha eleitoral e você vira administrador público, não tem mais que ter isso. Todo mundo tem que trabalhar junto”, recomenda.

Aldo também se lembra orgulhoso de outros capítulos da sua passagem pela administração pública em Santa Catarina, da velocidade com que instalou tubos de concreto “estocados” – “fizemos 183 travessias em 15 dias” – até o episódio no qual teria ajudado o prefeito de Mafra a evitar o aumento da tarifa de ônibus, contrariando interesses.

“Em 89 veio lá a empresa de ônibus querendo aumentar a tarifa. E o prefeito prometeu na campanha que não iria aumentar. Mas eles não vão abrir a planilha de custo, né? Aí, qual a saída? Descobrir o que justifica o aumento do preço. Disseram que o problema era ônibus quebrado, porque tem muito buraco. Como tem mais fluxo, a rua estraga mais rápido. Então eu falei para me passar o roteiro dos ônibus e me dar um mês, para a gente fazer a manutenção dos trajetos. Aí os ônibus pararam de quebrar. E a tarifa não aumentou”, conta.

A prática com obras o ajuda nas aulas que dá atualmente no período da noite, em um colégio profissionalizante no bairro Boqueirão, em Curitiba: “Eu ensino sobre orçamento de obra, administração de obra, estrutura de edifício, matemática aplicada. Mas já dei aula também de instalação elétrica, instalação hidráulica”. “O maior prêmio que você tem na vida é educação, escola. Quem me ensinou isso foi minha mãe. No meu tempo, a escola era seletiva. Não tinha vaga. Até 88, não eram todas as crianças que conseguiam ir para o ginásio, muito menos faculdade”, comenta ele, que tem três filhos.

Aldo se descobriu professor por acaso. “Em 89, comecei dando aula de topografia em um colégio agrícola de Rio Negro [perto de Mafra], porque não tinha professor. Em 90, também não tinha professor, aí fui ficando. Acabei ficando seis anos lá. A gente é burro, gosta de trabalhar”, diverte-se. Agora, perto da aposentadoria, os planos também são na área agrícola. “Tem muita coisa para fazer”, continua.

Operação Quadro Negro

Deflagrada em 2015, a Operação Quadro Negro trata de desvio de dinheiro a partir de contratos assinados entre empresas e o governo do Paraná para construção e reforma de escolas, na gestão Beto Richa (PSDB).

De acordo com a investigação, servidores ligados à Secretaria da Educação produziam falsas medições sobre a evolução da obra, de modo que as construtoras recebiam os pagamentos antes da conclusão de todas as etapas. Algumas faturas eram liberadas por fiscais mesmo em situações onde a obra mal havia começado.

Com o avanço das investigações, que ganharam corpo a partir da colaboração de delatores, o MP concluiu que parte do dinheiro liberado indevidamente a empresários seguia para o bolso de agentes públicos e políticos. Somente em relação à Valor Construtora, o Ministério Público aponta cerca de R$ 20 milhões em desvios.

Desde 2015 até agora, a Operação Quadro Negro já se desdobrou no âmbito da Justiça Estadual em 11 ações cíveis por atos de improbidade administrativa, além de dez ações penais, em trâmite na 9ª Vara Criminal de Curitiba.

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