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Por que o governo do PR encontra resistência para privatizar empresa de dados

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Processo de privatização da Celepar começou em novembro de 2024. (Foto: Roberto Dziura Jr/AEN)

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O plano do governo do Paraná é privatizar a Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar) ainda em 2025. Entretanto, ações que já chegaram à Justiça e outras que ainda devem aparecer nas próximas semanas têm o potencial de atrasar ou até mesmo reverter o processo que o governo de Ratinho Junior (PSD) considera estratégico para o povo paranaense.

A desestatização da Celepar seguiu praticamente o mesmo rito de outras estatais, como a Copel, a Copel Telecom — hoje Ligga — e a Compagas, com direito a “tratoraço” e aprovação em tempo recorde dos projetos de lei na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). Mas ao contrário daqueles processos, a resistência em relação à Celepar têm sido maior.

O processo de privatização da Celepar foi enviado à Alep em 4 de novembro de 2024 e aprovado pelos deputados estaduais 12 dias depois — a sanção pelo governador Ratinho Junior ocorreu no dia seguinte. E apesar da resistência da bancada de oposição, o processo foi iniciado, inclusive com a contratação prévia da consultoria Ernst & Young, por R$ 2,6 milhões, para desenhar a modelagem da desestatização.

Quase um ano depois, quando o governo já havia colocado informações técnicas, financeiras e operacionais à disposição de potenciais interessados, a judicialização do processo começou a ganhar corpo, e de vários lados:

  • 11 de setembro - Medida cautelar concedida pelo conselheiro-substituto Lívio Sotero Costa, do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), suspende o processo de privatização da Celepar.
  • 17 de setembro - Conselheiro Fernando Guimarães, do Pleno do TCE-PR, pede vista do processo e mantém os efeitos da liminar concedida em 11 de setembro.
  • 23 de setembro - A 12ª Vara do Trabalho de Curitiba suspendeu o Plano de Desligamento Voluntário (PDV) da Celepar em ação movida pelo Sindicato dos Trabalhadores em Informática e Tecnologia da Informação do Paraná (Sindipd-PR).
  • 24 de setembro - Ministério Público do Paraná (MP-PR) enviou representação à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para investigar a privatização da Celepar.
  • 26 de setembro - Juiz Rafael Tanner Fabri, do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT9), manteve a decisão da 12ª Vara do Trabalho de Curitiba para suspender o PDV lançado pela Celepar.

Além dessas ações, o PT do Paraná deve ingressar nos próximos dias com um Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) também para pedir a suspensão do processo de desestatização da Celepar.

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Judicialização do processo de privatização da Celepar era aguardada pelo governo

O secretário estadual de Inovação e Inteligência Artificial, Alex Canziani, disse que o governo já esperava a atuação da oposição na judicialização do processo, inclusive, segundo ele, com “fake news e narrativas paralelas”. Mesmo assim, ele declarou que isso não deve mudar os planos para resolver a questão ainda neste ano.

“Todos podem ir à Justiça, podem questionar o processo. O governo tem consciência e sabe da importância que isso [privatização] vai ter, os benefícios para o estado e para a própria empresa”, comentou. “Existe o questionamento em relação ao TCE-PR e estamos muito tranquilos em relação a isso. Não é diferente de outras privatizações. Tão logo sane essa questão, lançaremos o edital”, prosseguiu.

Na liminar concedida pelo TCE-PR, o conselheiro-substituto Lívio Sotero Costa argumentou que foram identificadas “fragilidades que poderiam expor o estado, caso não sanadas, a riscos financeiros e de continuidade da consecução das políticas públicas atribuídas à referida estatal”. Junto com a decisão, foi enviada ao governo uma série de itens que precisam ser explicadas.

Para o líder da oposição na Assembleia Legislativa do Paraná, Arilson Chiorato (PT), a privatização da Celepar é um processo puramente político de Ratinho Junior, mirando as eleições de 2026 — o governador é cotado para concorrer à Presidência da República ou ao Senado Federal.

“A Justiça é o caminho porque não tem diálogo político”, afirmou Chiorato. “Eu acredito que será uma derrota para o Ratinho Junior. Dessa vez, diferente das outras privatizações, estou confiante nessa derrota”, complementou.

Segundo a oposição ao governo na Alep, não houve transparência no processo e faltou a participação da população paranaense na discussão sobre o assunto. A única audiência pública promovida pelo Palácio Iguaçu ocorreu em 3 de setembro. Como reação, a oposição realizou uma audiência em 15 de setembro na Alep e em 23 de setembro na Câmara dos Deputados. Em 8 de julho, uma audiência havia sido realizada no Senado após convocação do senador Sergio Moro (União Brasil). O presidente da Celepar, André Gustavo Garbosa, foi convidado nas três, mas não participou de nenhuma delas.

“Não há qualquer intenção de esconder alguma coisa. Infelizmente alguns setores ficando propagando inverdades”, falou Canziani, destacando que o governo lançou, em 22 de setembro, um site para explicar e dar transparência ao processo de desestatização da Celepar.

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Na Justiça, programa de demissão voluntária é chave para o governo

Um dos aspectos fundamentais para dar à Celepar mais atrativos aos investidores interessados na compra da empresa é um enxugamento na força de trabalho. Para isso, no projeto de lei já era previsto a realização de um Programa de Demissão Voluntária (PDV), que o governo chamou de Programa de Desligamento Voluntário (PDV). Em maio deste ano, os funcionários da Celepar rejeitaram a proposta de PDV apresentada pela companhia, mas o governo seguiu com o plano.

Um dia após a audiência pública, a Celepar apresentou oficialmente o PDV, com previsão de pagamento de R$ 80 milhões aos funcionários, com teto individual de R$ 650 mil. Segundo o governo, esse "valor expressivo permite, por exemplo, a aquisição de apartamentos e/ou veículos". O prazo para adesão se encerra no dia 19 de outubro.

O Sindicato dos Trabalhadores em Informática e Tecnologia da Informação do Paraná (Sindipd-PR) entrou com representação na 12ª Vara do Trabalho de Curitiba pedindo a suspensão do programa. A  juíza Sandra Mara Flugel Assad não acatou todos os pontos apresentados pelo Sindipd-PR, mas afirmou que algumas cláusulas pode "causar prejuízos irreversíveis aos empregados" da Celepar. A decisão foi referendada pelo juiz Rafael Tanner Fabri, do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT9), que destacou que o PDV não teve anuência da categoria.

“O clima é péssimo. O funcionário da Celepar é um ativo muito importante da empresa por causa da carga de experiência. Nisso, a Celepar corre o risco de perder mão de obra qualificada em troca de terceirização”, argumentou o advogado do Comitê de Funcionários contra a Privatização da Celepar, Paulo Falcão.

Debate sobre uso dos dados é central na privatização da Celepar

Antes mesmo de a desestatização da Celepar virar projeto de lei, o principal ponto de divergência foi o futuro dos dados que afetam não só a população, mas também companhias sediadas no Paraná. Muitos desses dados são considerados sensíveis. A Celepar, que foi a primeira empresa pública de tecnologia do Brasil, é responsável pela gestão de uma série de dados, como notas de estudantes da rede pública de educação, históricos médicos, infrações de trânsito, quitação de impostos e taxas estaduais, informações de presos e de policiais, entre outros.

Segundo o governo, a segurança e a posse desses dados estarão garantidas pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), com o estado do Paraná permanecendo como controlador dos dados e a Celepar continuando como operadora dessas informações, mesmo que como uma empresa privada.

“A Celepar continuará sendo uma prestadora de serviços e esses serviços serão regulados por contratos. Nada muda do ponto de vista do cidadão, os serviços continuarão sendo prestados da mesma forma”, explicou a head da área de proteção de dados pessoais do Stocche Forbes Advogados, Roberta Rozenthal. O escritório foi contratado pela Celepar para assessorar juridicamente o processo de desestatização.

De acordo com ela, a empresa que comprar a Celepar não poderá vender, em hipótese alguma, os dados. Mais do que isso, ela argumenta que uma companhia privada terá mais condições de garantir a segurança dessas informações, sem contar que estará sob a fiscalização da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

‘Hoje, a Celepar é uma empresa considerada de alto nível de proteção de segurança da informação. Todo o data center é bem avaliado”, observou Rozenthal. “Quando falamos de entes privados, acabam tendo uma certa vantagem na segurança da informação por causa dos recursos financeiros. E até uma fiscalização maior”, acrescentou.

O deputado Arilson Chiorato reconhece que a principal preocupação na desestatização da Celepar, do ponto de vista da oposição, “está sobre os dados e sobre a questão da soberania digital”. “Há dados sensíveis na Celepar, como informações de policiais, da Justiça, de processos sob sigilo, de saúde das pessoas, das escolas e dados financeiros das empresas”, complementou.

O governo do estado tem ciência da importância dos dados, principalmente daqueles ligados à segurança pública. Tanto que, para respeitar a LGPD, a Celepar chegará ao leilão na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) sem dados desse segmento. Até lá, uma série de sistemas estratégicos de segurança pública passarão a ser administrados totalmente pela Secretária de Estado da Segurança Pública (Sesp), inclusive de forma física, com servidores separados da Celepar.

Dessa maneira, a gestão de Ratinho Junior tem a confiança de concluir o processo neste ano e virar uma espécie de case para outros estados. “O Paraná tem sido protagonista em várias desestatizações e não temos a menor dúvida de que será o primeiro estado a fazer na área de tecnologia de informação. E os outros estados vão acompanhar”, projetou Canziani.

“A Celepar pública como hoje é uma bela empresa, é rentável. Só que o mundo da tecnologia está cada vez mais rápido e mais custoso. E esse é o grande momento”, completou o secretário estadual de Inovação e Inteligência Artificial. No ano passado, a empresa faturou R$ 570 milhões.

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