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Presidente da Compagas: tarifa vai diminuir, mas terá de bancar outorga de R$ 500 milhões
| Foto: Divulgação Compagas/Rodrigo Leal.

O tema gás natural vem ganhando destaque no Paraná nas últimas semanas. Usado como principal fonte de energia por importantes setores industriais do Paraná, como papel e celulose, madeira e cerâmica, o gás custa caro no estado, sendo um dos mais caros do país. Pesa no custo de produção e tira a competitividade dos produtos paranaenses em comparação aos de outros estados, onde o insumo tem preço menor.

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Na semana passada, o governo do Paraná apresentou, em audiência pública, o Plano Estadual do Gás e as propostas de renovação do contrato de concessão da distribuição, que valerá até 2054. A proposta do governo está sendo embasada num estudo encomendado à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe, da USP).

Além de um novo contrato, outra mudança será a privatização da Compagas, com a venda das ações da Copel, que hoje detém 51% da companhia. Os demais sócios são a Gaspetro e o grupo Mitsui, cada um com 24,5%. A venda das ações da Copel é prevista para o segundo semestre desse ano.

A Gazeta do Povo entrevistou o CEO da Compagas, Rafael Lamastra. Na conversa, ele explica por que o gás natural é tão caro no Paraná. Fala também sobre as perspectivas de redução no preço do insumo e sobre novos investimentos na rede de distribuição.

Por que a margem de distribuição do gás natural no Paraná é uma das mais caras do Brasil?  

A margem é composta por uma série de fatores, conforme o que está estabelecido no atual contrato de concessão e no sistema regulatório que temos hoje. Não adianta caracterizar isso como um problema desse momento. Isso é de 30 anos. O contrato estabelece uma taxa de retorno de 20% e uma remuneração de todos os custos de serviços que a gente presta e as despesas (também em 20%). Além disso, temos um reduzido volume de distribuição. Santa Catarina tem mais que o dobro que o nosso. Perdemos volume em 2020 com o fechamento da Petrobras, a Araucária Nitrogenados (um grande consumidor de gás natural, que respondia por 30% do volume distribuído pela Companhia). Então tudo acaba pesando.

Não é a despesa da Compagas que pesa nisso. Desde que estou aqui (janeiro de 2019) promovemos três Programas de Demissão Voluntária (PDV), com uma redução de 15% no quadro de funcionários. Nossas despesas estão cada vez menores, com uma redução de 22% entre 2018 e 2020. Então, há um esforço para reduzir despesas.

O que pesa? Somos remunerados com nosso investimento na expansão da rede. Quando o contrato foi firmado, em 1994, não tinha meta de expansão, expande para onde a Compagas quiser e do jeito que quiser e, expandindo, joga isso na margem. Pelo volume que a gente distribui hoje, entre 900 mil metros e 1 milhão de metros cúbicos ao dia, não se justificaria, por exemplo, algumas expansões que foram feitas na nossa rede. A rede é pequena, mas poderia ser menor para ser otimizada.

A margem da Compagas é de R$ 0,80 (por metro cúbico), poderia ser maior, poderia ser acima de R$ 1,20 pelo atual contrato. Essa questão só vai se resolver com o novo contrato. O que apresentei na audiência pública está sendo encaminhado para o governo (poder concedente). Uma das premissas é a redução da margem de distribuição, com a reestruturação tarifária. O novo contrato só vai entrar em vigor em julho de 2024, vai ter nova estrutura de tarifa, fazendo redução ao longo da concessão na média e não linear (de acordo com o segmento e o volume de consumo) de 37% de redução para o setor industrial. Mas, até lá, nós estamos tentando uma antecipação desse benefício, já para os próximos meses, de pelo menos 30% na média. Tudo isso tem que ser aprovado pelo governo e pela Agepar, a agência reguladora.

Na audiência pública, o representante do governo afirmou que já se pode garantir um preço menor (igual à média nacional ou inferior) a partir do novo contrato. O senhor falou em possibilidade de redução de 37%. Como será definida a nova margem? Quando será anunciada e entrará em vigor? 

Estamos encaminhando a nossa proposta com toda a documentação ao governo. A gente tenta, respeitosamente, propor um aperfeiçoamento ao estudo da Fipe e no nosso entendimento pode-se chegar a até 37% de redução da margem, tentando aplicar os 30% ainda para este ano. (Com base no estudo da Fipe, o governo afirma que a nova tarifa ficará na média nacional ou até abaixo).

Existe a possibilidade de mudar o indexador da tarifa, do IGP-DI para o IPCA, que é uma das reivindicações do setor produtivo?

Nossa defesa é que continue pelo IGP-DI porque ele reflete melhor a variação do dólar e o mercado internacional. Os contratos do país inteiro são indexados pelo IGP-DI por esses fatores. 95% dos nossos equipamentos são cotados em dólar, tudo é importado. Não é ganhar mais, eu preciso defender sempre a sanidade financeira da empresa, por isso esse indexador.

A Compagas vem compensando créditos de impostos (Pis/Cofins) recolhidos indevidamente em anos anteriores sobre a tarifa do gás, num montante que a própria companhia estimou em R$ 143 milhões. Segundo a Fiep, pelo contrato de concessão vigente esse dinheiro já deveria estar sendo devolvido aos usuários. Por que isso não tem acontecido? Outra alternativa, defendida pela indústria, é abater esses créditos da base de ativos da concessionária, por ocasião do final do contrato. Como isso será resolvido?

Isso está na nossa proposta para o novo contrato de concessão. A compensação começou agora recentemente e a melhor saída que consideramos foi essa. Vamos incluir em todo cálculo. Esse valor vai ser abatido na tarifa ao longo do período. A gente já se comprometeu a incluir na proposta. O governo vai olhar e terá que validar.

Do ponto de vista da remuneração dos acionistas, essa margem deve ter gerado uma situação confortável. Mas, para o desenvolvimento do estado, isso não foi um fator limitador?

Não é correto falar que isso limitou. Foi feita uma expansão no estado, até maior do que o contrato previa. E esse modelo de contrato foi adotado em todo o país. Apenas em São Paulo não é mais assim porque a Comgas foi privatizada em 2000.

Santa Catarina, que é um estado menor, tem uma rede maior e consome quase o dobro de gás em comparação ao Paraná. Qual o motivo dessa diferença?

Santa Catarina tem foco na indústria. O Paraná tem 40% a 42% do PIB no agronegócio. Paraná deu foco à agropecuária ao longo de décadas. Fez avanço na indústria e está fazendo, mas foi mais tardio. A nossa vocação industrial se desenvolveu mais tarde e a maioria são agroindústrias, setores que não demandam tanto gás.

Além disso, a própria construção do Gasbol (gasoduto que traz gás natural da Bolívia para o Brasil) favoreceu Santa Catarina. Havia uma proposta de o duto entrar no Paraná por Londrina (no Norte do estado); já teria feito uma expansão gigantesca. Isso seria um avanço. O gasoduto entrou por Doutor Ulysses (região do Vale da Ribeira), seguindo para São José dos Pinhais e dali para Santa Catarina; e ali passou em toda área que se concentra o setor industrial do estado. Santa Catarina tem 2,2 milhões de metros cúbicos por dia e o dinheiro investido é diluído e o preço cai.

No Plano Estadual do Gás há previsão de ampliação da rede. Quanto será investido e de onde virá o recurso? Qual o cronograma desse investimento? 

A Fipe fez um estudo. O que estamos propondo depende da análise deles. Estamos apresentando uma proposta alternativa, uma contribuição. O nosso estudo, na minha visão, é mais atualizado e compreende o atingimento de mais regiões. Nossa proposta compreende dois cenários, que vão depender das condições de mercado. No cenário indicativo (mais otimista), chegaria às dez mesorregiões do estado (com gasodutos ou pequenas redes locais, com gás natural ou biometano); o investimento seria R$ 2,3 bilhões, mais a outorga (estimada em R$ 508 milhões pelo estudo da Fipe). Nesse cenário, se prevê a extensão do gasoduto para o interior, chegando a Londrina e Maringá e num segundo ciclo, até Cornélio Procópio.

No cenário de segurança, o investimento seria de R$ 1,5 bilhão, mais a outorga. Seria uma área menor de gasodutos, excluindo, por exemplo, o ramal até São Mateus do Sul. Vamos ter isso mais detalhado depois da avaliação do governo.

A ampliação da rede vai impactar na redução da margem de distribuição? 

Sim, em 37%, conforme a sugestão que estamos encaminhando. Mas todo investimento acaba carregando na tarifa. Por isso tem que ser feito com muito equilíbrio, esse é o desafio, tem que chegar de forma otimizada.

Para onde deverá ir o dinheiro da outorga?

A outorga é assunto do governo. O valor da outorga é transferido ao governo e deve ser direcionado a investimentos. Mas o investimento em gás natural não é do governo e sim do concessionário.

Há um temor por parte dos consumidores de que o desembolso da outorga seja lançado à tarifa, encarecendo ainda mais o gás. Existe esse risco? 

O valor da outorga será, sim, repassado à tarifa ao longo dos 30 anos da concessão. É natural que seja repassado, esse valor vai compor nossa margem.

O Plano Estadual do Gás prevê também incentivo ao consumo do biogás e biometano e na instalação de pequenas redes de distribuição onde os gasodutos não chegam. Como será isso?

O novo contrato que está sendo proposto prevê que a concessionária teria 24 meses para apresentar à Agepar um projeto de desenvolvimento do biometano. Quimicamente, gás natural e biometano são compatíveis e poderiam usar a mesma rede de gasoduto.

Desde o ano passado, estamos trabalhando em ações de geração de biogás e biometano, uma solução sustentável e que o Paraná tem uma mina de ouro por conta do agronegócio, que são os resíduos que podem ser transformados em biogás e purificado para biometano.

A ideia é, nas regiões que não seriam atendidas pelo gás natural, instalar redes locais para a distribuição do biometano, como no Oeste e Sudoeste, por exemplo.

Com a venda, a Compagas passará a ser uma empresa totalmente privada. O que muda para os clientes?

Vejo que vai mudar para melhor em termos de expansão, de estrutura e vai melhorar a competitividade. Não vejo nenhuma insegurança porque somos um setor regulado. Isso não deixa haver um desequilíbrio. A Agepar tem poucos anos, mas está se estruturando e terá um papel importantíssimo.

Um exemplo de que a privatização é benéfica é a Comgas, em São Paulo, que foi privatizada e, desde então, cresce uma Compagas por ano. Em 1999, a Comgas tinha 300 mil usuários, hoje tem 2,3 milhões. Lá, eles fazem entre 800 e 1 mil quilômetros de rede por ano. E, eu não tenho notícia de reclamação dos usuários. A Comgas é um exemplo vivo de eficiência.

Aqui, as nossas dificuldades de expansão são gigantes, um processo de licitação dura oito meses. Então, vejo que vai mudar para melhor. Entrando outro controlador privado, a perspectiva de investimento é espetacular.

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