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Unidade da Frísia, primeira cooperativa do Paraná.
Unidade da Frísia, primeira cooperativa do Paraná.| Foto: Divulgação/Frísia

De terras fracas, praticamente improdutivas, a uma das principais bacias leiteiras do Brasil. A transformação pela qual passou a região de Castro e Carambeí, nos Campos Gerais do Paraná, ao longo dos últimos 100 anos, está diretamente ligada à imigração holandesa e ao cooperativismo. As primeiras famílias de imigrantes se instalaram ali em 1911 após uma tentativa frustrada de se estabelecerem em Irati, no Sul do estado, onde não tiveram apoio e não prosperaram.

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Carambeí era o nome da fazenda no município de Castro que havia sido comprada pela Brazil Railway Company, companhia inglesa responsável pela construção da estrada de ferro que corta a região. A empresa iniciou um processo de colonização como forma de estimular a produção local para ter volume de carga para o transporte férreo.

O governo brasileiro também incentivava a vinda das famílias europeias. Cada família recebeu um pedaço de terra, com uma casa, uma pequena instalação para os animais, três vacas leiteiras, sementes e adubos, e tinha prazo de 10 anos para pagar por isso.

Em 1911, as famílias Verschoor e Vriesman se instalaram na região. Novos imigrantes da Holanda se juntaram a eles. Em três anos, já eram cerca de 50 holandeses no local dedicados à produção de leite.

No ano de 1925, nove colonizadores fundaram a Sociedade Cooperativa Hollandeza de Laticínios para a transformação do leite em queijo e manteiga. Nascia assim a primeira cooperativa de produção do Paraná, que mais tarde viria a se chamar Batavo e hoje é a Frísia. Foi a primeira do Paraná e a segunda do Brasil. Na época existia apenas uma cooperativa de produção no Rio Grande do Sul.

A produção inicial da Cooperativa Hollandeza de Laticínios era de 700 litros de leite por dia. O produto era transformado em manteiga e queijo que eram comercializados em Ponta Grossa, Castro, Curitiba e, posteriormente, em São Paulo.

Em 1928, a Sociedade Cooperativa Hollandeza deu origem à marca Batavo, que, em 1954, foi incorporada à Cooperativa Central de Laticínios do Paraná Ltda. (CCLPL). Em agosto de 2015, nos seus 90 anos, a Batavo Cooperativa Agroindustrial mudou sua denominação para Frísia Cooperativa Agroindustrial, desvinculando-se do antigo nome em virtude da venda da CCLPL.

A evolução da cooperativa foi proporcionando o crescimento e desenvolvimento da região. Em 1966, a colônia de Carambeí passou a ser um distrito de Castro e em 1995 foi desmembrada, passando a ser um município.

Homenagem aos primeiros imigrantes

“Assim como o nome Batavo foi uma homenagem às primeiras famílias de imigrantes que vieram da região da Batávia, na Holanda, o nome atual homenageia outro grupo de imigrantes que chegou em 1940 trazendo novas técnicas e o gado puro de origem. Eles vinham da região da Frísia, que é também a origem da raça holandesa”, conta Renato Greidanus, diretor-presidente do Conselho de Administração da Frísia Cooperativa Agroindustrial.

O nome Frísia é uma referência à região de onde veio a raça holandesa. (Divulgação/Frísia)
O nome Frísia é uma referência à região de onde veio a raça holandesa. (Divulgação/Frísia)| EUDES RUERTO

Hoje a Frísia está entre as dez maiores cooperativas do Paraná. Em 2021, teve o maior faturamento da sua história. Foram R$ 5,2 bilhões, 40,1% maior do que os R$ 3,7 bilhões do ano ano anterior. A cooperativa é referência em produção agroindustrial com atuação nos segmentos de pecuária leiteira, suinocultura, produção agrícola e florestal.

Atualmente, a Frísia tem 971 cooperados presentes nos estados do Paraná e Tocantins. No último ano, a produção total chegou a 290,6 milhões de litros de leite, 895 mil toneladas de grãos, 89 mil toneladas de madeira e 30 mil toneladas de carne suína.

“A expansão para o Tocantins, que começou em 2015, surgiu como forma de buscar novas áreas de produção pela limitação no Paraná”, conta Greidanus. Segundo ele, a opção pelo Tocantins foi pela disponibilidade de terras a preços competitivos e pelas condições de logística. No estado do Tocantins, estão atuando tanto alguns agricultores que já eram cooperados no Paraná quanto novos, de lá mesmo, que estão aderindo. “Estamos expandindo a nossa cultura cooperativista também naquela região”, diz o presidente.

Outra estratégia da cooperativa para crescer foi adotar a intercooperação. A Frísia, juntamente com as cooperativas Castrolanda, de Castro, e Capal, de Arapoti, mantém a Unium, responsável pelas marcas de varejo Colônia Holandesa e Naturalle (leite); Alegra (carne suína e derivados) e Herança Holandesa (trigo).

"Cooperativa foi paternalista e tinha que ser"

“No começo, a cooperativa era paternalista e tinha que ser assim”, diz Franke Dijkstra, um dos mais antigos cooperados ainda em atividade, hoje com 80 anos. Ele chegou na região vindo com os pais, da Holanda, em 1947, aos cinco anos de idade.

“O paternalismo era necessário para manter o grupo unido e com força para crescer. Se a cooperativa estivesse aqui para ganhar dinheiro em cima do produtor, já tinha desaparecido há muito tempo. O crescimento do produtor que é fundamental”, pontua. Dijkstra diz que a cooperativa é fundamental especialmente por ser o braço do produtor para o mercado para que ele possa se dedicar à produção, que já exige demais.

O plantio direto e o Clube da Minhoca

O plantio direto, que começou na década de 1940, garante alta produtividade. (Divulgação/Frísia)
O plantio direto, que começou na década de 1940, garante alta produtividade. (Divulgação/Frísia) | Picasa

Uma das maiores dificuldades que os primeiros produtores enfrentaram na região de Carambeí foi a precariedade do solo. Era uma terra empobrecida que não respondia em produtividade. Na tentativa de reverter essa situação, Dijkstra e mais alguns agricultores da região começaram a estudar o assunto e descobriram que nos Estados Unidos estavam começando a usar a técnica do plantio direto. Era o plantio sobre os restos da lavoura anterior, sem revolver a terra e, especialmente, sem queimar os restos da cultura recém colhida, o que era prática comum no Brasil.

“Decidimos tentar. Nos chamavam de loucos. Até pesquisadores da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] vieram aqui nos dizer que era um risco tentar uma técnica de cultivo que ainda não tinha comprovação científica”, conta. Em pouco tempo, a produtividade das lavouras começou a disparar.

O plantio direto virou regra, todos passaram a fazer e mantêm até hoje. A região virou referência até para a Embrapa e Iapar [Instituto Agronômico do Paraná] que passaram a realizar dias de campo no local para difundir a tecnologia.

“Numa ida nossa aos Estados Unidos para aprender a técnica do plantio direto nos falaram que começaria a aparecer minhoca no solo de tão fértil que ficaria. E, de fato isso aconteceu”, conta. A experiência positiva fez nascer o “Clube da Minhoca”, um grupo que reuniu os pioneiros para discutir a técnica e trocar experiências. O Clube deu origem à Federação Brasileira de Plantio Direto. Franke Dijkstra, um dos pioneiros, já deu palestras sobre o assunto em 16 países e o tema rendeu também um livro de sua autoria: “Plantio Direto, o Caminho para o Futuro”.

O aumento da produtividade das lavouras e das forrageiras (para alimentação animal) fez disparar também a produtividade de leite. Com alimentação abundante e de qualidade para os animais, somada à genética trazida da Holanda, a produção de leite que nos primeiros anos era de 4 a 5 litros por animal ao dia, passou para 40 a 60 litros, o que se mantém até hoje, sustentando para a localidade o título de uma das mais produtivas bacias leiteiras do Brasil.

Importante na região também foi a criação da Fundação ABC, dedicada à pesquisa agropecuária. A Fundação foi iniciativa conjunta das cooperativas Capal (de Arapoti), Batavo (de Carambeí) e Castrolanda (de Castro) que sentiram a necessidade de investir em pesquisa própria para buscar o avanço tecnológico e mais produtividade. A Fundação ABC foi inaugurada em 1984 e se mantém até hoje.

As novas gerações, a sucessão e o Clube de Bezerra

A continuidade do negócio pelas novas gerações é uma preocupação da cooperativa. Por isso, em 2021 a Frísia começou a colocar em prática o programa Sucessão familiar nas propriedades. “Com a orientação de empresas especializadas, damos a oportunidade para que os cooperados unam a família e definam um planejamento de futuro da propriedade”, explica o presidente Renato Greidanus.

Hendrik Degger é um exemplo dessa sucessão. Ele é filho de Walter Degger, um dos sócios mais antigos da cooperativa, hoje com 90 anos. Hendrik nasceu em Carambeí em 1979 e, mesmo quando teve oportunidade de sair, decidiu seguir morando na região e trabalhando na atividade agropecuária. “Estou na cooperativa desde 2008, mas antes disso já acompanhava as atividades do meu pai”, diz.

Para ele, a cooperativa dá estabilidade. “Você sabe que vai entregar a sua produção. E, por pior que seja o cenário nacional, sabe que no final do dia [no caso do leite] e no final da safra [no caso da lavoura] vai ter o produto recolhido e vai receber por isso, mesmo que nem sempre sejam valores tão interessantes”, explica. “Isso é uma das coisas que me motivam a ficar. Porque não é só um momento, tem que ver o conjunto”, analisa.

Outra iniciativa para atrair os mais jovens e despertar o interesse e o gosto pela atividade agropecuária é o Clube de Bezerra. Começou há 40 anos, estimulando desde cedo o interesse pelo cuidado com os animais. O clube é aberto à participação de filhos e filhas de cooperados e colaboradores das propriedades que tenham entre 8 e 15 anos.

As crianças participantes do Clube, fazem a apresentação dos animais na pista de julgamento da ExpoFrísia, uma das principais feiras da pecuária leiteira do Brasil, que acontece anualmente em Carambeí.

Cada participante recebe uma cartilha para preencher todas as informações da bezerra. Devem ser anotados dados de desempenho, ração consumida, ganho de peso e informações sobre a saúde do animal. Na ExpoFrísia, são avaliados o desempenho da bezerra, a participação das crianças nos encontros do Clube, as anotações da cartilha e a postura das crianças na apresentação dos animais na pista de julgamento.

Bianca Caus Dekkers, de 12 anos, participa do Clube de Bezerra. (Arquivo pessoal).
Bianca Caus Dekkers, de 12 anos, participa do Clube de Bezerra. (Arquivo pessoal).

Bianca Caus Dekkers, de 12 anos, participa do Clube desde os 8. “Sempre quis participar. É muito bacana. Muitas crianças moram em propriedade, mas não têm noção porque quem cuida normalmente são os pais ou funcionários”, diz. Ela conta que, além das técnicas de entrar em pista para apresentar o animal na exposição, ela aprendeu também que a bezerra tem que ter uma rotina, com a alimentação e os demais cuidados.

A menina, que é filha de pequenos produtores associados da cooperativa, diz que permanecer no campo é um dos seus principais objetivos. “Eu me apaixonei pelas vacas”, declara. Ela diz que tem consciência de que o trabalho não é fácil, “mas quando a gente vê o resultado é muito emocionante”. Mesmo tendo planos de estudar direito, Bianca diz que não vai abandonar o campo nem os animais. “Quero conciliar as duas coisas”.

Museu a céu aberto resgata e preserva a história

Maior museu histórico a céu aberto do país, reproduz a   trajetória da imigração holandesa. (Divulgação APHC).
Maior museu histórico a céu aberto do país, reproduz a trajetória da imigração holandesa. (Divulgação APHC).

Toda a história da imigração holandesa e do cooperativismo na região está reproduzida no Parque Histórico de Carambeí, considerado o maior museu histórico a céu aberto do Brasil. Ocupa uma área de 100 mil metros quadrados.

“Há tempos tínhamos a intenção de criar uma espaço para preservar a memória da imigração holandesa”, conta Dick Carlos de Geus, presidente da Associação Parque Histórico de Carambeí (APHC). “Viabilizar recursos era o desafio, mas conseguimos com a Lei Rouanet e com apoio da cooperativa e da comunidade”, diz o presidente.

Geus conta que, além de resgatar a história, o museu tem o papel de passar para a sociedade, especialmente para os mais jovens, os valores do cooperativismo e a importância de se trabalhar em conjunto. “Temos aqui um tripé: fé, educação e cooperação. Isso foi essencial, especialmente para os primeiros que chegaram. Eram pessoas muito pobres e a região era de solos pouco férteis e poucos recursos em geral”, observa.

Em 2001, foi inaugurada a primeira ala do museu, a Casa da Memória, uma reprodução de um antigo estábulo de 1946. Dez anos mais tarde, em 2011, ano da comemoração do centenário da imigração holandesa nos Campos Gerais, foi inaugurada a Vila Histórica. Mais tarde, foi instalado o Parque das Águas, inspirado no parque ambiental holandês Zaanse Schans.

Em 2021, mesmo com restrições devido à pandemia, o local recebeu 109.709 visitantes, sendo um dos mais visitados do Sul do Brasil, segundo o relatório anual de visitação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), órgão do Ministério do Turismo.

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