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Contrabando de alimentos cresce na região de fronteira com a Argentina.
No fim do mês passado, operação das forças de segurança fechou depósito com 28 toneladas de alimentos ilegais, na região de fronteira.| Foto: Divulgação/Polícia Federal

Somente no último mês, ações integradas entre as forças de fiscalização e segurança brasileiras aprenderam mais de 30 toneladas de alimentos contrabandeados da Argentina por quadrilhas especializadas que dominam a região da fronteira com o Brasil. No topo da lista de alimentos contrabandeados estão alho, cebola, azeites, frutas secas, queijos, carnes e camarão.

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Essa modalidade de crime tem avançado de forma preocupante entre os dois países, fomentado por fatores diversos, avalia a Polícia Federal (PF). A combinação de elementos inclui a desvalorização da moeda argentina, a hiperinflação vivida no país vizinho, preços baixos dos produtos alimentícios por lá e grupos criminosos que começaram pequenos e já se profissionalizaram, com a facilidade de colocação dos produtos ilegais no mercado.

“Muitos começaram com um veículo de passeio, passando menos coisas. Conforme foram avançando, tendo mais mercado e não sendo barrados, foram ampliando. Muitos fazem a rota com caminhões carregados de mercadorias ilegais. Aos poucos, esses grupos estão sendo identificados e as quadrilhas desmanteladas”, destacou o delegado-chefe da PF em Foz do Iguaçu, Marco Smith.

Do lado de cá da fronteira, grupos criminosos têm mantido estoques abarrotados para colocação no mercado nos mais variados cantos do Brasil. No fim de setembro, por exemplo, uma ação integrada entre a PF e a Polícia Militar (PM) do Paraná chegou a um depósito ilegal que ficava bem próximo à Ponte Internacional da Amizade, em Foz do Iguaçu (PR), na fronteira com o Paraguai.

As equipes chegaram ao endereço após uma denúncia anônima. No depósito estavam 25 toneladas de alho e 3 toneladas de uvas passas, segundo a PF, tudo sem documentação fiscal ou fitossanitária. Uma pessoa foi presa em flagrante. Apreensões como esta estão cada vez mais comuns. “Os produtos alimentícios estrangeiros contrabandeados não possuem certificados fitossanitários, não tendo assim a garantia de qualidade nem a obediência às normas de higiene e saúde”, destacou a PF.

Poucos dias antes, a PF prendeu dois homens e apreendeu duas vans carregadas com 3 toneladas de cebola. Novamente, produtos in natura trazidos ilegalmente da Argentina. Essa apreensão ocorreu em fiscalização de rotina realizada na região da Ponte Internacional Tancredo Neves, que liga o Brasil à Argentina, entre as cidades de Foz do Iguaçu e Porto Iguaçu. “A norma brasileira exige que toda importação de vegetais independentemente da quantidade importada, do uso proposto, destinada ou não à comercialização e se importada por pessoa física ou jurídica deverá estar acompanhada de certificado fitossanitário emitido pelo órgão responsável do país de origem. Desse modo, a ausência de tal documento torna proibida a internalização da mercadoria”, completou a PF.

Quadrilhas que praticam contrabando de alimentos atuam com esquema e hierarquia

O avanço das quadrilhas revela um mercado extremamente lucrativo e evidencia grupos que, ao se especializarem no segmento, passaram a atuar como grande esquema criminoso. O alho argentino, por exemplo, pode custar menos da metade do preço do produto brasileiro. Os queijos podem custar um terço dos valores pagos no Brasil. A carne chega a custar menos da metade da nacional, nos chamados cortes nobres.

No caminho contrário, de entrada na Argentina por Foz do Iguaçu, há um registro da identidade de todas as pessoas, com a necessidade da apresentação de documento, informação sobre o destino e o período estimado de permanência. Na aduana brasileira não há controle rígido nem necessidade de apresentação de documentos ou identificação.

Ao identificar, no entanto, o avanço desenfreado deste tipo de crime, ações de enfrentamento se tornaram mais frequentes na região. No fim de julho, durante uma etapa da operação de repressão ao contrabando e descaminho de mercadorias estrangeiras de origem argentina, duas pessoas foram presas em flagrante com van carregada com alho, totalizando cerca de 4,2 toneladas. “A ação faz parte de um planejamento estratégico operacional de intensificar a fiscalização na aduana e reprimir a entrada de produtos estrangeiros sem a devida documentação legal que garantem a qualidade e minimizam o risco à saúde pública”, relatou a PF.

Contrabando de alimentos conta com estoques e pontos de venda em território nacional

Em julho, uma operação coordenada pela PF mirou pontos de venda desses produtos ilegais em diversos pontos da cidade de Foz do Iguaçu. Na ocasião, a PF prendeu um homem com um carregamento de azeite ilegal trazido da Argentina. Além da ilegalidade na importação, a marca do produto apreendido tem comercialização proibida no Brasil. “A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) editou resolução que proíbe a comercialização do azeite Valle Viejo em virtude de diversos laudos que atestaram que o produto não obedece às características mínimas de qualidade”, esclareceu.

Além do alho, da cebola e do azeite, as forças de fiscalização e segurança também estão de olho em produtos de origem animal. Há dois meses, a Receita Federal, também em Foz do Iguaçu, apreendeu um grande carregamento de carnes nobres e queijos. Foram pelo menos 800 quilos de queijo e uma tonelada de carnes como picanha, bife ancho e miolo de alcatra. Os produtos estavam estocados em frigoríficos locais para serem comercializados aos consumidores finais já em território brasileiro. “Somente nas últimas semanas fechamos três depósitos. Isso representa um importante enfrentamento e enfraquecimento financeiro a essas quadrilhas que são formadas por brasileiros e argentinos”, completou o delegado Marco Smith.

Também no mês passado, um grande carregamento de camarão trazido ilegalmente da Argentina foi apreendido pelo Batalhão de Polícia de Fronteira da PM do Paraná, novamente em Foz do Iguaçu. Foi a atitude suspeita do motorista do caminhão-baú que fez com que os policiais o abordassem. O motorista tentou esconder o veículo em um pátio onde estavam diversos outros caminhões. As 128 caixas de camarão somaram mais de 2,5 toneladas do produto. Na Argentina, o quilo do camarão pode custar um terço do cobrado no Brasil.

Sudoeste do Paraná convive com o contrabando de gado argentino

Também na fronteira com a Argentina, o sudoeste paranaense tem, além das preocupações com contrabando de alimentos, o alerta sanitário para o contrabando de animais vivos, como o gado. Animais vivos são trazidos ilegalmente da Argentina, sem controle sanitário, e inseridos em fazendas brasileiras ou seguem direto ao abate em pequenos frigoríficos.

No ano passado, a PF e a Agência de Defesa Agropecuária  do Paraná (Adapar) deflagraram a Operação Boi Viajante. Na ocasião ficou comprovado que cinco produtores haviam trazido cerca de 5,7 mil cabeças, somando valor comercial acima dos R$ 14 milhões.

Além dos impactos econômicos e financeiros aos que operam legalmente no segmento, o alerta é para o risco no status sanitário de área livre da aftosa sem vacinação, condição conquistada pelo Paraná há dois anos. “A Faep apoia firmemente as ações de fiscalização e controle da movimentação de animais, não somente entre países, mas também entre estados. Trabalhamos intensamente nas últimas cinco décadas para obter o reconhecimento como área livre de febre aftosa sem vacinação pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Faz parte da manutenção desse status termos operações constante em uma vigilância ativa para mostrarmos que no Paraná levamos o assunto sanidade a sério”, aponta o presidente da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), Ágide Meneguette.

Longe de ser um caso isolado, o trânsito de animais vivos entre os países segue uma prática corriqueira, principalmente no período noturno, quando a fiscalização é driblada com mais facilidade. A Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) reforçou que, no caso de animais vacinados entrarem numa área sem vacinação, como é o caso do Paraná, corre-se o risco de impactar na manutenção do status sanitário, o que refletirá na cadeia inteira de proteínas ao mercado internacional.

Para o secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Paraná, Norberto Ortigara, parte dos problemas poderia ser mais facilmente administrada caso houvessem profissionais e estrutura suficientes para os Serviços de Inspeção Federal (SIF) em regiões de fronteira. Vinculado ao Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o SIF é o setor responsável por assegurar a qualidade de produtos de origem animal comestíveis e não comestíveis destinados ao mercado interno e externo, bem como de produtos importados.

Mercado do vinho ilegal já se equipara ao contrabando de cigarros

Outro segmento crescente e preocupante na região de fronteira com a Argentina é o de contrabando de vinhos. Segundo o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), há um avanço do mercado e os principais pontos de passagem têm ocorrido principalmente pela fronteira entre as cidades de Dionísio Cerqueira (SC) e Barracão (PR), e também pelo Rio Iguaçu, na fronteira entre Foz do Iguaçu e Puerto Iguaçu (Argentina).

A unidade de Dionísio Cerqueira, por exemplo, é a que mais apreende bebidas alcóolicas ilegais no Brasil: em torno de 25% de todas as cargas retiradas de circulação. Assim como no caso do contrabando de alimentos, os vinhos representam um importante valor aduaneiro, já que são adquiridos por baixos valores na Argentina e vendidos a preços até cinco vezes maiores em território brasileiro.

Para o presidente do Idesf, Luciano Barros, o contrabando de vinhos da Argentina já pode se equipar ao de cigarros do Paraguai. “O caminho de entrada dos dois produtos para o Brasil é muito parecido e, pelas notícias recentes, já podemos ver toda a cadeia de violência gerada pela ilegalidade: quadrilhas, lavagem de dinheiro, crimes e danos ao erário”.

Segundo o Idesf, a logística do vinho ilegal ocorre por meio do transporte das garrafas em veículos pequenos, que atravessam as fronteiras secas ou em embarcações clandestinas, via fluvial, meios similares aos utilizados por cigarreiros e traficantes de drogas e armas. E os grandes carregamentos começam a chamar a atenção. No mês de junho, uma ação integrada entre as forças de segurança pública do Brasil e da Argentina aprendeu, ainda em território argentino, um carregamento de 12,5 mil garrafas de rótulos finos que entrariam ilegalmente no país.

Como se trata de um mercado extremamente lucrativo, as organizações criminosas se voltam com muita atenção sobre ele. “Tanto é que já tivemos casos de pessoas ligadas ao contrabando de vinhos assassinadas na fronteira”, alertou Barros, ao considerar que políticas conjuntas e efetivas podem travar o avanço deste mercado e das facções.

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