Após os violentos ataques que deixaram mortos e feridos em escolas de São Paulo e Santa Catarina, uma avalanche de anúncios foram feitos por governos municipais, estaduais e federal na tentativa de reduzir a angústia, as cobranças e aumentar a segurança dentro e fora das instituições de ensino. Porém, para alguns especialistas da área de Saúde Mental, o acolhimento dos estudantes tanto no ambiente escolar quanto familiar pode ter um efeito melhor na prevenção de novos ataques.
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É a análise da professora do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná́ (PUCPR) e especialista em comportamento infantil, psicologia da maternidade e comportamento parental Patrícia Guillon Ribeiro. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela sugeriu que as escolas, além de reforçar as equipes de segurança, redobrem a atenção ao acolhimento psicológico de crianças e adolescentes.
Aos pais, a psicóloga recomendou que acompanhem os filhos mais de perto e prestem atenção a sinais de mudança de comportamento nos pequenos. Além disso, a especialista orientou tanto pais e responsáveis como colegas e professores a adotarem um comportamento similar ao recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) aos voluntários que vão a zonas de guerra e tragédias humanitárias como forma de diminuir os níveis de ansiedade pós-ataques.
Jovens que não aprenderam a ouvir "não"
Para a especialista, ataques como o visto na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, onde um adolescente de 13 anos desferiu facadas contra outros estudantes, são motivados por comportamentos relacionados à falta de empatia e de respeito. “Não são nenhuma novidade, há décadas nós estamos acompanhando casos de bullying antes mesmo desse comportamento receber esse nome. Geração após geração, estamos vendo jovens que não aprenderam a ouvir ‘não’, que não aprenderam a resolver conflitos com diálogo”, comentou.
Educação dos filhos é como o comando de uma embarcação
Ribeiro comparou o cuidado dos pais com a educação dos filhos com o comando de um barco. No leme, explicou a psicóloga, deve estar aquele que tem mais experiência e conhecimento para navegar tanto em mar calmo quanto em águas revoltas. “Essa pessoa é quem deve dizer o que precisa ser feito, e como deve ser feito. Na medida que os pais educam os filhos, e isso não tem relação nenhuma com qualquer tipo de punição nem consequências, eles os educam não só para serem bons cidadãos, mas também porque precisam passar a mensagem de que sabem o que estão fazendo. ‘Quando vier a tempestade, pode deixar que eu te digo o que fazer, eu dou conta, e você não precisa responder por mim, não vai precisar tomar conta desse barco’”, disse.
A especialista segue: “só que hoje nós temos uma quantidade imensa de adolescentes e crianças tendo contato com esse mar, com esse oceano inteiro, e eles não sabem o que fazer com isso. E não tem ninguém limitando ou ajudando, porque os pais são atropelados pela rotina diária, envolvidos em ter que ganhar o sustento da família. De jeito nenhum eu estou responsabilizando pai e mãe, não acho que a culpa seja nossa. Mas acho que essa geração está vivendo um aumento de ansiedade violento. Em relação à criação dos nossos filhos, quantas vezes nós deixamos passar uma tristeza, algum comportamento mais respondão? A gente olha e diz que é coisa da adolescência, de criança, vai passar. Olha, não dá para passar a mão na cabeça para tudo e dizer que isso faz parte da infância”, ponderou.
Primeiros socorros psicológicos
Segundo Ribeiro, há um protocolo da OMS utilizado no atendimento aos primeiros socorros psicológicos em cenários de guerras e desastres naturais que pode ser adaptado de forma a ajudar os pais a se reconectarem com seus filhos. Esse acolhimento, reforçou a especialista, pode ser crucial no trabalho de ajudar os mais jovens a lidarem com a ansiedade provocada pelos recentes casos de violência nas escolas.
“Esse protocolo se chama look/listen/link. São três atitudes. A primeira é olhar, prestar atenção ao que está acontecendo. A segunda é escutar, se apropriar do que está acontecendo e escutar o que está sendo dito pelo outro, o que ele está precisando. A terceira é se conectar, mas não no sentido de redes e internet, mas se conectar no sentido de estar junto com esse outro. Se ele não está bem, eu não tenho que estar lá para acusá-lo ou apontar o dedo para ele, mas sim para caminhar ao lado dele. Esse conectar é entender que fazemos parte de um mesmo grupo, uma mesma cultura, é resgatar esse senso de pertencimento. Eu pertenço a uma escola, à minha família, eu estou junto a eles”, disse.
Focar somente no aumento da segurança é como "dar remédio para a febre"
Estender esse acolhimento para as escolas, avaliou a especialista, pode ser tão ou mais vantajoso do que aumentar a presença de policiais dentro das instituições de ensino. Para ela, a presença de psicólogos nas escolas pode ajudar para que casos pontuais de agressividade e ansiedade não evoluam para situações de ataques. Aumentar apenas o efetivo de segurança, disse Ribeiro, causa um efeito mais paliativo do que de solução para o problema.
“Isso é como dar uma medicação para a febre sem tratar a infecção, por exemplo. Você pode continuar dando esse remédio para o seu filho e a febre dele vai baixar, mas a infecção vai continuar lá dentro, crescendo, aumentando. É necessário que a gente trate sim a febre, mas é preciso que sejam pessoas qualificadas e responsáveis nessa gestão de segurança. De que adianta colocar um policial dentro da sala de aula se no primeiro momento de ameaça ele vai tirar a arma e atirar no suspeito? Isso é o que estamos vendo acontecer. Não adianta colocar a polícia de forma a aumentar essa ameaça. As pessoas precisam se sentir mais seguras, e não se armar cada vez mais. Isso é algo paliativo, porque a doença vai continuar”, comentou.
Gentileza e menos agressividade fortalecem rede de acolhimento
Por fim, a especialista disse que com o fortalecimento desta rede de acolhimento, a sensação de ansiedade entre estudantes, professores e familiares tende a diminuir naturalmente. Mudanças de comportamento, com menos tons agressivos nas conversas presenciais e pela internet e posturas mais gentis em atitudes simples do dia a dia, explicou, podem colaborar para que pais e filhos não precisem “navegar em águas turbulentas”.
“Quando somos gentis com o outro, quando damos bom dia, quando temos atitudes cordiais como dar passagem no trânsito, por exemplo, estamos evitando uma resposta agressiva do outro lado. E eu aqui não quero dizer que só o fato de eu não segurar a porta do elevador para que o outro entre vá despertar nele uma conduta agressiva, mas isso pode ser a gota d’água que transborda o copo. Mas o nosso copo já está muito cheio, e qualquer coisa pode fazê-lo transbordar”, sugeriu.
Para a psicóloga, o principal alvo dessa postura positiva e propositiva por parte dos pais precisa ser a escola. “Antes de eu entrar em pânico e brigar com a escola e partir para cima da coordenação e da direção sobre tudo o que a escola não tem, eu preciso verificar qual é o movimento que a escola está fazendo para proteger os nossos filhos. Eu preciso reconhecer quando há um movimento sendo feito nesse sentido. Se eu identifiquei uma fragilidade, em vez de acusar a instituição, eu preciso discutir essa fragilidade. O que pode ser feito para melhorar esse cenário? Será que a gente consegue modificar algumas coisas para que isso seja corrigido? Só que como estão todos muito ansiosos, o primeiro movimento acaba sendo o de acusação. E isso precisa mudar”, concluiu.
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