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Fachada de unidade da rede Mais1.Café
É para levar? Redes se espalham Brasil afora e popularizam consumo do café especial.| Foto: Divulgação/Mais1.Café

Uma portinha na calçada, com uma logomarca que indica que ali tem café para pegar e levar. Lá dentro, um barista. E, para pedir, um tablet na bancada. Parece familiar? Se você anda pelas grandes cidades brasileiras – e até pelas pequenas – provavelmente já esbarrou numa dessas e deve vê-las se proliferando. São as redes de cafeterias "to go", que vendem café em copos descartáveis e estão ajudando a popularizar o mercado de cafés especiais brasileiro. Hoje, elas constituem uma das principais frentes responsáveis pelo aumento do consumo desse tipo de bebida no país.

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Existem três grandes players nacionais crescendo e alcançando públicos que, até então, nem sabiam o que era um café especial. Em bairros periféricos ou regiões como o Norte e Nordeste, onde este mercado não é ainda exponencial como no Sul e Sudeste, eles avançam rápido. Claro que o caminho é longo, mas tem um potencial imenso para explorar. Estas principais redes de cafés especiais "to go", The Coffee, Go Coffee e Mais1.Café, nasceram em Curitiba, capital do Paraná. Mas estão ganhando o Brasil, quiçá o mundo. E impactando diretamente na outra ponta da cadeia: o produtor.

O Brasil é ainda um grande exportador de café, seja o tradicional ou o especial. Parênteses aqui para explicar a diferença: resumidamente, enquanto o café especial é um grão livre de defeitos, com alta pontuação na avaliação sensorial - que analisa atributos como aroma, acidez, complexidade e corpo - e tem rastreabilidade e critérios de sustentabilidade, o café tradicional, aquele que a gente compra no mercado, envolve grãos de diferentes graus de maturação, torra bem escura, moagem fina. Nele, não existe um tratamento específico que leve em conta a “personalidade” de cada grão, conforme seus atributos. É padrão e ponto.

Seja de um ou de outro, a verdade é que o Brasil manda muito mais café para fora do que o brasileiro consome aqui. Cerca de 80% do café brasileiro é exportado, e quando são cafés especiais, esse índice chega a 85%. O especial é produzido em lotes menores, por pequenos produtores, em sua maioria – até porque a dedicação ao produto é mais intensa. Inverter essas porcentagens não é algo factível, afinal, o Brasil é responsável por suprir o mundo com 40% do total do café consumido. Mas, que a distância entre elas deve diminuir, isso deve. Principalmente no que tange aos cafés especiais.

“É um mercado que, antes da pandemia, crescia entre 10 a 15% ao ano, enquanto a projeção da Organização Internacional do Café é de um aumento de 3% no consumo de café no geral. Ou seja, crescemos bem acima da média”, compara Vinícius Estrela, diretor-executivo da Brazilian Specialty Coffee Association (BSCA, a Associação Brasileira de Cafés Especiais), braço brasileiro da associação internacional que representa esse mercado.

Vinícius Estrela (BSCA)
Vinícius Estrela, da BSCA: movimento "to go" aproxima consumidor brasileiro de mercado em expansão. | Foto: Divulgação/BSCA| Divulgação

Popularização da terceira onda e as redes "to go"

Das 56 milhões de sacas colhidas todos os anos no país, 8 milhões são de cafés especiais. Mas só 1,5 milhão ficam em território nacional. E é aí que entra a popularização da chamada terceira onda do café, movimento em voga que leva em conta a degustação, os atributos dos diferentes tipos de café, a apreciação. Ou seja, não é mais café por café. É café por prazer, café de origem, café com nuances de sabores e aromas diferenciados.

O aumento do consumo desse tipo de bebida estaria pautado, então, em três fenômenos, na visão de Vinicius Estrela: o crescimento das cafeterias dedicadas ao café especial, que buscam direto do produtor, evidenciando suas origens e características; a promoção de concursos de qualidade de café, que aproxima cafeterias, redes de varejo e outras torrefações do produtor e garante acessibilidade ao produto; e, por último, justamente o “efeito to go”, ou seja, o crescimento das redes de franquia dedicadas ao café especial.

“É um movimento importante, porque aproxima o consumidor brasileiro e já se vê até mesmo um processo de internacionalização das franquias”, lembra o diretor da BSCA. “E é aí que entra o nosso trabalho: fomentar que mais produtores entrem no mercado do café especial, trabalhando a qualificação dessa oferta, e facilitar que essas redes acessem o produtor da melhor maneira possível, seja de forma direta, via cooperativas ou compras consolidadas. É um casamento de ganha-ganha: as redes to go precisam de café e a cadeia de suprimentos precisa garantir sua expansão, apresentando novidades, com novos perfis sensoriais e cafés com características diferentes, para manter a proposta viva”, analisa.

Unidade da cafeteria The Coffee em São Paulo
Unidade da The Coffee: com foco em público exigente e formadores de opinião, rede se internacionaliza. | Foto: Divulgação/The Coffee| Divulgação/The Coffee

De que impacto estamos falando?

A produção brasileira de café especial consumida no mercado interno é de cerca de 90 mil toneladas/ano. E as três principais redes "to go" compradoras deste café, somadas, vão responder em 2023 pelo consumo de 316 toneladas de grãos, 0,35% da produção.

Parece pouco? Em números, pode até ser. Mas há que se levar em conta que este nicho de franquias focadas no café especial prático e mais acessível praticamente não existia até seis anos atrás - e que, de lá para cá, cresceu em progressão geométrica. E vai crescer muito mais.

“A expectativa é que a gente termine este ano com 300 lojas abertas e 500 vendidas”, antecipa André Henning, sócio da rede de cafés especiais "to go" Go Coffee. A marca, que começou com lojas próprias, mas hoje cresce em forma de franquias, está presente em 80 cidades, em todas as regiões brasileiras. Eles escolhem os grãos que consomem direto dos produtores, especialmente os do sul de Minas e norte do Paraná, e fazem a própria torra conforme as características da safra.

“No começo comprávamos grãos de terceiros e hoje a gente chega a comprar sacas de toda uma fazenda com nosso perfil de torra”, diz Henning. Para ele, foi a demanda que definiu esse modelo. “Temos uma fábrica, fazemos todos os nossos insumos. Então temos exclusividade de sabor e de origem”.

A The Coffee, que atua no esquema lojas próprias e franquias, com insumos e materiais padronizados, também aposta na personalização do produto e vê ainda muito potencial de crescimento no Brasil. “O café especial ainda representa 5% do consumo de café do brasileiro, mas, à medida que as pessoas conhecem o café especial, elas migram. Isso leva tempo, claro, mas é exatamente este potencial que a gente enxerga”, avalia o CEO e cofundador da The Coffee, Carlos Fertonani.

Ao passo em que essa educação do paladar brasileiro acontece, as redes apostam não apenas na expansão de lojas, franqueadas ou próprias, mas também na entrada no varejo, vendendo seus blends de café. Dotadas de coffee hunters e coffee roasters (pessoas responsáveis por buscar grãos com as características desejadas e promover a torra mais adequada), elas se tornaram marcas de produtos originais. “Para construção de marca é muito bom ter loja, mas no futuro a gente se vê entrando em outros mercados, de consumo em casa, colocando nosso produto no varejo, em restaurantes, dentro de escritórios e hotéis”, antecipa Fertonani.

Do mesmo modo, a rede Mais1.Café está de olho nessa estratégia. Em Curitiba, a franquia já atua com algumas lojas anexas a supermercados. “A nossa operação hoje não é só to go, temos uma linha que está ficando muito forte, a home care, em que as pessoas compram (o café em grão ou moído) e levam para a casa”, conta o sócio-fundador e diretor de projetos, Hilston Guerim. O próximo passo, é, portanto, sair da venda do produto ainda restrita às lojas da rede e alcançar as gôndolas. “Estamos desenhando isso tanto para o varejo como para (vendas) online”, projeta.

Plantação de café da Fazenda Venturim
Brasil consome 90 mil toneladas de grãos de cafés especiais por ano; produtores começam a vislumbrar maior mercado interno. | Foto: Divulgação/BSCA| Divulgação/BSCA

A chave do sucesso das redes de cafés especiais "to go"

Um dos segredos dessa contribuição que o modelo "café to go" tem dado ao crescimento do consumo interno de cafés especiais é a diminuição do custo de operação, que reflete no preço do copo de café.

Cada uma das redes tem um modelo de negócios: enquanto a Go Coffee foca em lojas próprias e franquias, mas não cobra royalties dos franqueados para atraí-los para a rede, a The Coffee mistura as duas frentes, mas já tem uma marca mais alinhada ao mercado internacional – tanto que tem lojas em países como Espanha, Portugal, França, Colômbia e Peru. Já a Mais1.Café nasceu com o propósito de ser apenas franchising e foca em uma expansão que consegue promover preços ainda mais populares e alcançar, além das regiões centrais, bairros periféricos e cidades menores.

A Go Coffee espera faturar R$ 100 milhões em 2023 e uma das apostas é a diversidade do público. “Vendemos para crianças, idosos, para quem está com pressa e para as amigas que tomam café no sábado. E como a gente permeia num preço médio legal, nem o mais barato, nem o mais caro, vendemos muito um plano de consumo de hábito dos públicos de A a C”, conta André Henning. As lojas hoje não são tão somente pequenas portas voltadas para a rua, mas também cafeterias que comportam até 40 pessoas. “Mas todas com o mesmo conceito: se você sentar para tomar seu café e comer algo, mas precisar fechar o notebook e ir embora, dá pra levar tudo na mão”.

Unidade Go Coffee
Loja da rede Go Coffee: sem cobrança de royalties para atrair franqueados. | Foto: Divulgação/Go Coffee| Divulgação/Go Coffee

A The Coffee não revela o faturamento anual, mas tem 198 lojas, sendo 13 no exterior, e deve fechar 2023 com mais 100 unidades. Investe em tecnologia e design, apostando em uma marca urbana, voltada aos grandes centros, inicialmente. “Somos uma marca hi-end [termo do marketing usado para designar produtos de alta qualidade, para públicos exigentes] e, para entrar no mercado, focamos em nosso posicionamento junto a formadores de opinião”, explica Carlos Fertonani. “Trabalhamos com executivos e, ao mesmo, um público hypster, que gosta de tendências. E tem o fato de ser uma marca descolada, alinhada com tendências, focada em cafés mais puristas”.

A Mais1.Café tem uma característica diferente, que é espalhar franquias nos mais diferentes lugares e dar acesso aos mais diferentes públicos, ajudando também a formar este empresário que nasce para o mundo do café. O prédio onde é o centro administrativo da rede concentra desde o desenvolvimento dos produtos até o de softwares usados pelos franqueados, mas, principalmente, um centro educacional preparado para capacitar o barista que se lança neste mercado.

“A gente educa o empresário, para formá-lo um entendedor de café. E criamos uma estrutura pequena e enxuta, que permite investir mais na qualidade do produto e praticar valores que podem ser até 50% menores que o de mercado para produtos semelhantes, numa cafeteria tradicional”, explica Hilston Guerim.

Com isso, a rede amplia o alcance. “Como investimos em tornar o preço mais acessível, chegamos a bairros de público C e D, acessando o público D com abundância. E indo para o interior, para cidades pequenas, com até 30 mil habitantes.”

O faturamento da rede em 2022 foi de R$ 95 milhões, mas o objetivo é chegar a ousados R$ 150 milhões em 2023, com expectativa de alcançar 900 franquias até dezembro.

Espresso da Mais1.Café
Na Mais1.Café, expansão focada em modelo de franchising abraçando os públicos C e D. | Foto: Divulgação/Mais1.Café| Divulgação

Na outra ponta, a produção

O produtor de café especial brasileiro é predominantemente de pequenas propriedades (73%), abaixo de 20 hectares. São cerca de 270 mil deles, e todos têm potencial de produzir café especial, embora nem todos o façam. Mas isso começa a mudar ao passo que percebem que o nicho cresce.

“O que a gente faz é ir atrás do produtor que sabe produzir café bom. E muitos deles estão começando a destinar a maior parte da safra para cafés de qualidade”, lembra o CEO da The Coffee, que, mesmo tendo parceria com vários produtores, está constantemente atrás de novidades.

Para Hilston, da Mais1.Café, o impacto das redes "to go" na outra ponta da cadeia nem é tanto pelo volume de grãos comprados, mas pela mudança de estratégia. “Estamos vendo produtores que começam a reservar fazendas para produzir café especial porque estão percebendo que podem rentabilizar no mercado interno”, diz. “Inclusive percebemos que grandes traders, que pegam do produtor para abastecer o mercado externo, estão tendendo a se fortalecer para o mercado nacional”.

“Imagine, então, se pensarmos em outros players”, lembra André Henning, da Go Coffee. Porque, afinal de contas, o mercado de cafés "to go" não é feito só de grandes franquias. “Em São Paulo, onde estamos crescendo muito, percebemos muitas marcas isoladas se proliferando”, conta.

Tem espaço para todos os empresários de cafés especiais "to go" crescerem e demanda para cada vez mais produtores destinarem seus grãos, portanto. E tomar um café especial, numa grande ou pequena cidade brasileira, ou ainda numa loja de marca brasileira fora do país, também tende a se tornar rotina para todos os apreciadores de um bom café.

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