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Obras da Linha Verde começaram em 2007 e seguem até hoje. | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Obras da Linha Verde começaram em 2007 e seguem até hoje.| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

O projeto causou alvoroço no mercado e deu ares de “terra prometida” à mais nova via urbana de Curitiba, no início dos anos 2000. Parecia o lugar certo para construir, trabalhar ou viver. Ou os três. E, de quebra, resolvia o incômodo de ter uma BR passando no meio da capital, que cresceu para o lado de lá e de cá. Quase duas décadas após a elaboração de seu projeto, no entanto, a Linha Verde, uma estrutural que aproveita um antigo trecho da Regis Bittencourt para ligar o Pinheirinho, na região sul, ao Atuba, na região norte, amarga o status de ser uma obra atrasada, mais cara do que o previsto, cheia de gargalos e longe da reurbanização que prometia. Fruto de um conjunto de “azares” e da morosidade do sistema de financiamento de infraestrutura no Brasil.

Orçada inicialmente em R$ 213 milhões, a Linha Verde pode ter seu custo mais do que duplicado quando concluída – a previsão anterior de entrega era para 2018, recentemente ampliada para 2020. Isso porque só em novembro a prefeitura deu início às obras do último trecho viário. O chamado lote 4.1 (a divisão foi feita deste modo “picotado” por fins de logística) terá 2,8 km, ligando a estação Solar, na altura do Bacacheri, ao Atuba. Deverá custar R$ 69,4 milhões. Com isso, ressalta Luiz Fernando Jamur, que acumula os cargos de presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) e secretário de Governo do município, o valor total da obra chegará aos R$ 477 milhões.

O trecho sul, concluído em 2009, já havia dado os sinais de como a morosidade aliada a disputas políticas e burocracia atrasam as grandes obras de infraestrutura no Brasil. Com orçamento inicial de R$ 121 milhões, a construção entre o Pinheirinho e o Capão da Imbuia custou R$ 175 milhões.

Processo longo

Pensada ainda nos anos 1990, como uma forma de ligar o extremo sul da cidade ao extremo norte e inserir na malha urbana um antigo trecho de rodovia federal, a BR-116, a Linha Verde é a maior alteração no desenho urbano de Curitiba desde o plano diretor, de 1965. São 22 quilômetros de extensão e 22 bairros cortados pela via, que tem canaleta exclusiva de ônibus e seis faixas de rolamento para veículos, além de marginais em boa parte dela. A obra, assim, serviria também para desafogar o único eixo que faz essa ligação direta norte-sul: o conjunto de ruas por onde passa o biarticulado Santa Cândida-Pinheirinho. E de uma forma mais rápida, aliás, já que desvia do centro da cidade.

O plano foi para o papel, no entanto, somente em 2001, na gestão de Cassio Taniguchi (DEM) à frente do Palácio 29 de Março. A partir daí, o município começou seu processo de municipalização da faixa urbana da BR-116, que foi concedida por prazo determinado a cidade em 2004 – ou seja, passou para a gestão da prefeitura curitibana, em um passo fundamental para realizar as obras. Foi também no ano de elaboração do projeto que a capital conseguiu empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para tocá-lo. “Só que esse investimento dependia de aprovação da secretaria do Tesouro Nacional e do Senado. Isso se arrastou por anos por conta de brigas políticas no Paraná”, justifica Jamur.

E foi aí que os problemas começaram. Como o BID até então só emprestava em moeda estrangeira – neste caso específico, dólar – a prefeitura viu o poder de investimento derreter com a crise cambial de 2002. O valor levantado na concessão do investimento havia se tornado insuficiente para completar o projeto. A obra, que inicialmente contaria apenas com os recursos do BID, precisou de outras formas de financiamento e diferentes trâmites e burocracias para seguir adiante. Entraram no jogo recursos injetados pelo próprio município, pela Agência Francesa de Investimentos e pelo governo federal, via Ministério das Cidades. Em 2007, os tratores finalmente invadiram a ex-BR.

“Só que cada órgão tem seu tempo [para liberar o dinheiro de investimento]. É muito complexo do ponto de vista burocrático”, sustenta Jamur, que aponta que enquanto havia verba para um trecho, tinha que esperar a liberação para outro, atrasando o cronograma. Virou uma bola de neve.

Especialistas ouvidos pela reportagem indicam que tais atrasos foram jogando os valores no alto, já que agora entravam na conta reajustes inflacionários, dinheiro gasto em novos acordos coletivos de trabalhadores envolvidos na obra e toda sorte (ou azar, neste caso) de eventualidades. Nada ilegal, do ponto de vista jurídico, mas pesado para o bolso dos curitibanos.

Tapa aqui, descobre ali

Para se ter ideia da demora, de seu projeto até aqui, a Linha Verde passou pela gestão de cinco prefeitos: o próprio Taniguchi, Beto Richa (PSDB), Luciano Ducci (PSB), Gustavo Fruet (PDT) e agora Rafael Greca (PMN), que disse em novembro querer ser “o prefeito que vai terminar a Linha Verde.

A morosidade levou a um problema estrutural. Antes mesmo de ser finalizada, a Linha Verde carece de remendos. No trecho sul, inaugurado em 2009, os motoristas precisam de boa dose de paciência nos horários de pico. Cruzamentos com a Avenida Anne Frank, que do Boqueirão desemboca na rodovia urbana, e Marechal Floriano, que corta a via alguns metros adiante, podem custar algumas dezenas de minutos. Os semáforos e o excesso de veículos travam a fluidez do trânsito entre 7 e 9 horas e 16 e 20 horas. Nestes momentos, a falta de vias em desnível (as trincheiras) é a reclamação mais recorrente.

“Esse projeto foi criado em um momento em que a frota de veículos era uma e executado em um momento em que a realidade era outra. O que o planejamento não contava é que a cidade e o número de carros fossem crescer tão rapidamente”, conta Carlos Hardt, urbanista, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. O momento econômico favorável levou a um crescimento da cidade e da frota de veículos, que saiu de menos de 1 milhão de carros, em dezembro de 2007, para 1,4 milhão, em dezembro de 2017. Ao mesmo tempo, o número de usuários no transporte coletivo vem despencando nos últimos anos, a uma ordem de quase 10%. Tudo isso gera vias mais entupidas pela cidade, incluindo a Linha Verde, como destaca o docente.

“Há também um certo conflito de interesses na Linha Verde, pois, por um lado, a prefeitura não quis transformá-la em um eixo de fluxo contínuo e velocidade. De certa forma, isso seria apenas replicar a rodovia que existia. Hoje ela é uma avenida com entradas para os serviços, mas sem fluidez necessária”, diz Hardt. A posição do Ippuc é que o tráfego de veículos nunca foi uma prioridade no eixo. “A cidade tem um tecido urbano definido. Ela não comporta todos os carros do mundo. A pessoa terá que optar. Se ela quiser andar de carro, é uma definição dela. Mas nós trabalhamos para o transporte coletivo. Que o transporte coletivo seja sempre mais rápido do que o carro”, ressalta o presidente do instituto.

Ainda assim, o trecho norte da via traz no projeto – e já no canteiro de obras – trincheiras para desafogar o tráfego e garantir fluidez no eixo principal e em suas conectoras. “Como o projeto executivo desta porção foi executado a posteriori, ele já veio com os desníveis”, explica Jamur.

O presidente do Ippuc destaca, porém, que há plano para corrigir esse gargalo na região sul: já estão em fase de projeto executivo três desníveis [trincheiras] em pontos críticos, como o cruzamento da Vila São Pedro e a entrada da Wenceslau Braz. “Conforme vai adensando a região, vão mudando as condições. Hoje é um pouco diferente a realidade. Não voltaremos a ter aquele crescimento [da década anterior], ainda que a economia volte a ficar pujante. Tivemos algo em torno de 1% de crescimento da cidade ao ano naquela época e isso vai cair a 0,5%”, destaca o presidente.

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