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Levantamento do Ministério da Fazenda aponta que 70,8% das operações de crédito do BNDES de 2007 a 2017 foram destinadas a empresas de grande porte, como a JBS. | Evaristo Sa /AFP
Levantamento do Ministério da Fazenda aponta que 70,8% das operações de crédito do BNDES de 2007 a 2017 foram destinadas a empresas de grande porte, como a JBS.| Foto: Evaristo Sa /AFP

Abrir a caixa preta do BNDES será fundamental para entender a extensão do uso político que o banco teve na última década, que pode ter servido para irrigar campanhas políticas com dinheiro do Tesouro Nacional. No Congresso Nacional está em curso uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os empréstimos do banco, mas dificilmente os parlamentares – que são financiados por grandes grupos empresariais – conseguirão demonstrar quem recebeu, o que fez e qual foi a efetividade do uso dos mais de R$ 400 bilhões injetados no BNDES na última década, aumentando a dívida pública para serem emprestados a taxas abaixo das de mercado. 

Levantamento do Ministério da Fazenda aponta que 70,8% das operações de crédito do BNDES de 2007 a 2017 foram destinadas a empresas de grande porte, evidenciando o descumprimento da missão do BNDES, de fomentar o desenvolvimento de empresas com maior dificuldade de obtenção de crédito no setor privado. As micro, pequenas e médias empresas tomam crédito majoritariamente na rede privada, a custo de mercado, sem subsídios. Elas representam quase 60% dos desembolsos dos bancos privados, contra apenas 29% do BNDES, aponta o estudo. 

Na publicação preliminar do “Livro Verde – nossa história tal como ela é”, do BNDES (publicada em julho deste ano, mas ainda em versão preliminar), são listados os principais grupos que se beneficiaram de operações de crédito com o banco. Aparecem com destaque as grandes empresas e o grupo JBS está na 19ª posição entre os maiores beneficiados do setor de alimentos e bebidas. “No caso da J&F, há também apoio relevante à implantação da unidade de produção de celulose, a Eldorado”, afirma o relatório.

O uso político desses recursos – para beneficiar grandes empresas e posteriormente políticos – já foi apontado pelos órgãos de controle e em operações da Polícia Federal. O ex-diretor de relações institucionais da JBS Ricardo Saud afirmou em depoimento prestado à Procuradoria-Geral da República (PGR) que 1.829 candidatos, de 28 partidos das mais variadas colorações, receberam dinheiro do grupo controlado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista. O frigorífico e as empresas do grupo eram um dos maiores financiados pelo BNDES.

De acordo com dados do próprio banco, de 2005 a 2016, o banco desembolsou R$ 31,2 bilhões para frigoríficos, dos quais R$ 18,8 bilhões em financiamentos e R$ 12,4 bilhões em operações de mercado de capitais. O BNDES destaca que concedeu recursos que permitiram a internacionalização do grupo JBS, que ajudou a empresa a saltar de uma receita de R$ 4 bilhões em 2005 (início do processo de internacionalização) a um faturamento de R$ 170 bilhões em 2016. 

“O apoio da BNDESPAR via mercado de capitais à empresa (JBS) e à Bertin, posteriormente associada à JBS, somou R$ 8,1 bilhões, dando acesso aos recursos necessários para a estratégia de aquisições da companhia”, afirma o banco em documento. 

O BNDES é sócio da JBS nessas operações, que geram dividendos e comissões ao banco. Nas contas do banco, os efeitos conjuntos com a valorização das ações da JBS até 2016, resultaram em resultado líquido das operações do BNDES com a JBS de R$ 3,56 bilhões. 

MP 777 muda taxa do BNDES e é combatida por beneficiados

O governo federal está alocando grandes esforços para aprovar a criação da nova taxa de juros que vai reger os empréstimos do BNDES, que terão de competir com as linhas oferecidas pelos outros bancos, ao equiparar a taxa de captação de recursos do BNDES ao mercado.

As críticas sobre a mudança, que reduzirá o subsídio nesses empréstimos, demonstram que a mudança mexe em interesses de alguns grupos beneficiados pela injeção de recursos mais baratos via BNDES em suas empresas – e em suas campanhas políticas. 

Isso pode ajudar a explicar em parte a grande contrariedade de segmentos de servidores de dentro do próprio BNDES sobre a mudança na taxa de juros, que está em tramitação no Congresso na medida provisória (MP) 777. Na quinta-feira (24), a Câmara aprovou o projeto, que segue agora para o Senado.

Os funcionários do BNDES recebem participação nos lucros, o que já foi questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Isso porque o banco capta seus recursos com o Tesouro, com taxas menores do que as do mercado financeiro. No ano passado, o TCU decidiu investigar o pagamento de participação nos lucros no banco, que somaram R$ 978 milhões entre 2011 e 2015. 

Os ataques à mudança são fortes e vêm de dentro do BNDES.  “Só os absolutamente desavisados deveriam ignorar que o que está em marcha é um projeto de gradual desmonte do BNDES. Como cansamos de alertar aos funcionários, o projeto ora em marcha foi desenhado há mais de dez anos. Não há inovações significativas, seja de argumentos, seja de propostas na atual MP em relação ao que propôs Persio Arida em junho de 2004”, afirmou o vice-presidente da Associação de Funcionários do BNDES, Arthur Koblitz, em artigo crítico à MP 777, que muda a taxa de juros do banco de fomento. 

CPI do BNDES pode mostrar dados, mas terá de desafiar interesses

O plano de trabalho da CPI do BNDES, aprovado em 16 de agosto, cita como exemplo do uso político dos recursos do BNDES os financiamentos ao grupo dos Batista.

A dificuldade em obter alguma efetividade com as atividades da comissão está nos próprios políticos. O presidente da CPI, Davi Alcolumbre (DEM-AP), aparece na lista de doações da JBS, de acordo com a delação de Ricardo Saud. Ele teria recebido R$ 138 mil. 

Serão três fases na CPI: audiências públicas com especialistas indicados pelo relator senador Roberto Rocha (PSB-MA); oitivas apresentadas pelos integrantes da CPI, do dia 1º a 30 de setembro; e elaboração e votação do relatório. 

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