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| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Foi bastante simbólica a escolha do presidente Michel Temer de almoçar com a bancada ruralista um dia antes da votação na Câmara da denúncia que poderia custar seu mandato. Temer tinha o que mostrar: uma medida provisória que atendia um pleito que vinha sendo negociado há quatro meses com os ruralistas e que vai custar R$ 5 bilhões aos cofres públicos em três anos.

Na crise política na qual o Brasil se enfiou, ficou claro o poder dos ruralistas. Perto do que eles levaram, a liberação de emendas (obrigatórias, aliás) parece jogo da amarelinha. A jogatina pesada estava em um pacote que incluiu a renegociação de R$ 10 bilhões em dívidas do Funrural e a redução da alíquota que o setor agrícola recolhe para a seguridade social. Temer também decidiu apoiar a construção de uma estrada no Mato Grosso que ainda não tem licença ambiental.

Em tempos de ajuste fiscal e propaganda do governo para reformar a Previdência, é um acinte. E também uma demonstração de poder do grupo mais organizado da Câmara. Os ruralistas formam a maior bancada temática, com cerca de 230 nomes – é metade dos votos à disposição do balcão de negócios em Brasília, embora nem todos sejam ruralistas atuantes. Dois terços da bancada votou pela permanência de Temer no governo.

A capacidade de organização dos ruralistas é forte a ponto de dar um olé em Gisele Bündchen, a top model que tentou influenciar na decisão sobre a redução da proteção da Floresta Nacional de Jamanxim. Temer vetou um projeto aprovado em junho, para logo em seguida mandar um novo texto ao Congresso fazendo exatamente a mesma coisa: a redução da área da floresta em 25% para acomodar o interesse de quem a ocupou ilegalmente. Sem entrar no mérito da medida, a pressão conseguiu colocar o presidente em contradição em menos de 30 dias.

Temer também encarou a crítica de ambientalistas em outra medida, a que dita as regras para a regularização fundiária. A ideia original era permitir que só fossem concedidos títulos de posse a lotes de até 1,5 mil hectares ocupados até 2004. A lei que ele sancionou tinha áreas maiores, de 2,5 mil hectares, ocupadas até 2011 e que custarão apenas 50% da tabela do Incra. Pode ser uma medida positiva para populações agrícolas carentes, mas também um belo estímulo à grilagem. O Brasil tem desses contrastes.

É bom deixar claro que o poder dos ruralista não é sobre o governo Temer, mas sobre qualquer governo. Não é por acaso que o setor agrícola é o menos tributado no país. A tributação sobre a receita da agropecuária é de 3,4%, segundo estudo do pesquisador do Ibre/FGV José Roberto Afonso, usando dados de 2013. A média nacional é de 14,8%, enquanto o setor mais tributado é o de serviços de utilidades públicas, como energia, com carga de 27,2% sobre a receita.

A agropecuária também é beneficiada por subsídios. O Plano Agrícola deste ano tinha R$ 150 bilhões em crédito, sendo R$ 116 bilhões em taxas fixadas pelo governo, variando de 6,5% ao ano a 8,5% ao ano, dependendo da linha de crédito. Crédito tão farto e barato só é comparável ao tempo memorável do BNDES na mão do então ministro da Fazenda Guido Mantega – e que não era para todos, claro. É fato que o subsídio é menor do que em países desenvolvidos. Segundo a OMC, o total repassado ao setor agrícola foi de 0,35% do PIB por ano entre 2012 e 2015, contra 0,7% do PIB na média da OCDE. Mas ele existe.

O discurso de que a eficiência “da porteira para dentro” é minada pela ineficiência do Estado, portanto, tem uma falha lógica. Ele não mostra quanto há da mão do Estado no sucesso do agronegócio. Para dar um exemplo claro dessa falha: os R$ 5 bilhões perdidos com a MP assinada por Temer serviriam para construir milhares de quilômetros de estradas. As mesmas que agricultores gostariam de ver na porta da fazenda.

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