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 | Marcelo Camargo    /    Agência Brasil
| Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Dar maior sustentabilidade ao setor energético, com diálogo aberto, para benefício primeiramente do consumidor e da sociedade. É assim que Mauricio Tolmasquim, o formulador da proposta para a energia da candidatura presidencial de Fernando Haddad (PT), apresentou sua visão sobre esse segmento da Economia em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo. 

Sobre a sistemática que deve ser implantada para a variação do preço dos combustíveis, o especialista trouxe uma visão diferente daquela liberal defendida pelos técnicos da energia de Jair Bolsonaro (PSL) ou Geraldo Alckmin (PSDB), também ouvidos pela Gazeta do Povo. Para o representante do PT, parte da volatilidade dos preços é causada por especulação no mercado internacional do petróleo e não deve ir para a bomba. Portanto, correções trimestrais ou bimestrais no preço seriam suficientes. Mas ele afasta o uso de subsídios ou a imposição de prejuízos à Petrobras nesse processo. 

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“A gente vê que é normal os preços do petróleo e derivados no mercado nacional flutuarem às vezes em função até de uma notícia, por exemplo “A OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo ) vai se reunir” ou “Dizem que a OPEP vai deliberar tal coisa”. Tudo isso são movimentos especulativos e não tem sentido passar esses movimentos especulativos para o consumidor. O que você tem que passar são os movimentos estruturais”, afirmou.

A Petrobras e a Eletrobras não devem ser privatizadas, na visão do técnico. Tolmasquim diz que deve ser perseguida a melhoria de gestão nessas empresas, mas que antes de se falar em vendê-las, é preciso ver de fato qual será o benefício para a sociedade e não apenas o dinheiro que irá para o Tesouro com o movimento. “As coisas têm de ser vistas não pelo lado ideológico, a gente tem de olhar os fatos. O que é que isso melhora para o setor ou não, é crucial para o setor ou não? Quando você passa uma usina que está pronta da mão do Estado para a mão do setor privado, o que você fez foi arrecadar mais e isso vai para o Orçamento do Tesouro”, disse. 

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Para baixar o custo da eletricidade, o especialista aponta como um caminho a revisão dos subsídios (custos embutidos na conta de luz nos quais um consumidor paga pelo desconto ou benefício concedido a outro consumidor ou gerador de energia) e também a redução dos impostos, notadamente os estaduais. 

Erros do passado 

Na conversa, o engenheiro - que teve papel de destaque nas gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff - falou ainda sobre o que poderia ter sido feito de diferente pelos presidentes do PT e citou a falta de diálogo como uma das falhas. Sobre a famosa medida provisória (MP) 579, editada por Dilma para reduzir a conta de luz em 2012, Tolmasquim defendeu a proposta, mas admitiu que houve erros apesar de o objetivo inicial ter sido meritório, ao tentar reduzir o preço da eletricidade para a população. 

“A ideia foi essa. Agora, tiveram uma série de erros, sem dúvida”, disse. “Realmente, no final não teve o resultado esperado, mas a intenção era justamente tentar passar para o consumidor o benefício de ter a uma usina já paga, e o fato é que sempre houve e ainda tem hoje uma reclamação muito alta com o preço da energia muito cara no país. Eu acho, de qualquer maneira, que poderiam ter sido feitas coisas melhores. A intenção ser boa não é o suficiente”, admite. 

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O professor, um dos maiores conhecedores do processo de planejamento energético no país, também fez críticas a seus antecessores no governo federal, da gestão do PSDB. Para explicar as motivações que levaram o governo Lula a criar um novo modelo para o setor em 2004, com a realização de leilões, Tolmasquim cita o período pós-Apagão de 2001, na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Segundo o especialista, a crise teria ocorrido “porque as estatais estavam proibidas de investir pois elas estavam sendo preparadas para a privatização”. 

Tolmasquim foi um dos principais idealizadores no novo modelo do setor elétrico. O engenheiro ocupou cargos de relevo no governo federal, como a secretaria-executiva do Ministério de Minas e Energia e depois presidiu a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal de planejamento criada por Dilma. Após o impeachment, o especialista passou uma temporada como professor convidado em Harvard e na Universidade da Califórnia. Atualmente, é professor no doutorado e mestrado da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para a área de energia. 

Leia a entrevista completa: 

Como deve ser o preço da gasolina e do gás de botijão? O senhor é a favor da livre flutuação dos preços seguindo a cotação internacional ou deve haver alguma política de maior previsibilidade? 

Tolmasquim: Ficou claro pela greve dos caminhoneiros que a política de flutuação do preço diária não deu certo porque ela traz para o consumidor em geral, mas também os caminhoneiros e no caso deles a questão do diesel, uma volatilidade. A gente vê que é normal os preços do petróleo e derivados no mercado nacional flutuarem às vezes em função até de uma notícia, por exemplo “A OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo ) vai se reunir” ou “Dizem que a OPEP vai deliberar tal coisa”. Tudo isso são movimentos especulativos e não tem sentido passar esses movimentos especulativos para o consumidor. O que você tem que passar são os movimentos estruturais. É claro, se o petróleo atinge um novo patamar, o ideal é que ele seja seguido também pelos combustíveis aqui internamente, evitando uma defasagem. Aí tem de se achar qual é a forma de se manter uma ligação dos derivados com o preço do petróleo internacional, mas evitando as volatilidades diárias, que era o que ocorria no caso da política recente da Petrobras. 

Seria ideal manter o formato que foi adotado durante o governo Dilma de uma correção dos preços em um período mais longo, que fosse um ano ou menos? 

Tolmasquim: O período de um ano talvez seja demais. Então tem de se pensar. Tem várias possibilidades, tem possibilidades de tentar criar um buffer (um colchão) no preço, fazer uma média móvel num período de tempo não tão grande, talvez dois meses ou três meses, não sei, ou outra alternativa. Existem soluções que permitem que você concilie os interesses dos consumidores de gasolina e diesel com os interesses da Petrobras. Ou seja, que a Petrobras não tenha prejuízo com essas medidas. O que deve se evitar é qualquer tipo de subsídio por parte do governo. Precisa ser tomada uma medida que não envolva subsídios. 

O preço da eletricidade está pesando no bolso do consumidor. Em julho, a conta de luz aumentou 5,33%, após alta de 7,93% em junho. O impacto desse item foi de 0,20 ponto percentual no IPCA de julho, que subiu 0,33%. O que pode ser feito para o preço da eletricidade? O que acha da política de bandeiras tarifárias? 

Tolmasquim: Os preços estão hoje muito impactados com a questão do despacho de térmica (uso das usinas térmicas para suprir a necessidade de energia, geralmente mais caras do que as outras fontes). Não só hoje, mas nos últimos anos, temos passado por uma seca muito grande e isso faz com que tenhamos de pagar o custo do despacho das térmicas, mas tem outros impactos que vão além disso, pois o preço no mercado spot (mercado de curto prazo) fica alto e eventualmente os custos advindos da eventual exposição ao mercado também podem chegar ao consumidor. Isso são efeitos conjunturais, que quando passar a seca tende a melhorar. Agora, tem outros fatores que são estruturais. Por exemplo, a melhor forma de arrecadação dos estados é cobrar imposto sobre telecomunicações, derivados de petróleo e energia elétrica. Na realidade, o consumidor de energia elétrica tem uma grande parte da conta para pagar impostos. Mas isso é uma questão complexa que envolve arrecadação dos estados. Mas é uma coisa que tem que ser enfrentado caso se queira reduzir o preço da eletricidade. Outros elementos são os encargos. Você tem uma série de políticas que são socialmente até justas, mas eventualmente tem de se pensar se o melhor é que sejam pagas pelo consumidor de energia ou pelo Orçamento da União. É claro que nesse momento a gente está com problema de déficit fiscal, mas ao longo do tempo isso deve ser pensado, dado que a energia é um insumo importante da economia. 

A gestão atual falou muito em revisar subsídios. O senhor acha que caberia uma análise sobre o que está dentro da conta de subsídios?  

Tolmasquim: Alguns subsídios eu acho que podem ser revisado sim. Principalmente alguns que talvez já tenham perdido a sua função. É claro que tem de ser analisado caso a caso, porque às vezes você coloca um subsídio para fomentar uma fonte ou para alguma política que é meritória naquele momento, mas a questão é saber se ela ainda é necessária. É claro que isso tem de ser discutido. Eu acho que tem vários subsídios que poderiam ser discutidos, mas eu acho que isso tem de ser discutido com os afetados também. Melhor do que nomear, não dá. Tem que pegar e pensar em cada um. É melhor ter uma discussão geral de princípios. Mas claro que há espaço para sentar e discutir. E cada discussão tem que passar pelos setores beneficiados, mas também sentar com representantes dos consumidores e de outras áreas para ver justamente como é esse diálogo, de todas as partes serem escutadas, quem se beneficia e quem paga. 

A tarifa social atende hoje 8,7 milhões de consumidores. O senhor considera esta uma política adequada? Mudaria algo? 

Tolmasquim: A política social é necessária. Num país com baixa renda, como a gente tem no Brasil, você tem de ter algum tipo de política social. Mesmo a gente tendo, a gente vê o nível enorme de perdas comerciais, os chamados gatos, imagina se não tivesse qual seria o nível de perdas comerciais, seria maior ainda. É necessário ter. A questão da abrangência a da metodologia isso claro que a gente pode discutir, pode aperfeiçoar, ver se realmente quem está sendo beneficiado é aquele que necessita, se não tem algum tipo de critério que esteja beneficiando pessoas que poderiam pagar e vice-versa, pessoas que não podem pagar e que não estariam abarcados pelo critério. Mas que é necessário ter uma política de tarifa social, isso é, em um país como o Brasil que tem uma camada de pessoas de baixa renda muito grande. 

Qual deve ser a solução para a usina nuclear Angra III, que já custou R$ 12 bilhões e ainda pode custar mais R$ 15 bilhões, parada pela Lava Jato? Uma das opções para Angra III envolve aumento do preço da energia contratado para a usina e posterior sociedade com um sócio estrangeiro, notadamente uma empresa russa ou chinesa. Essa seria uma possibilidade? 

Tolmasquim: Tem de ser feita uma análise custo/benefício do ponto de vista da sociedade. Qual é o custo de parar um projeto que já se investiu tanto, versus o custo de ter de se pagar ainda, mais aumentar a tarifa para poder viabilizar o projeto. Você tem aí uma questão que tem que botar no papel, fazer uma conta e ver qual é a melhor solução. Por um lado você pode argumentar que o custo que já foi feito é um custo afundado, ele não vai voltar. Se parar o projeto você já teve aquele custo sem o benefício. Então, você deveria eventualmente manter. Por outro lado, pode-se arguir se realmente o a mais que vai ser colocado você poderia botar alguma outra fonte, de forma mais barata ou quais os benefícios que se teria com esse oportunidade de investimento. Essa é uma análise de custo/benefício que tem de ser feita olhando a questão da Eletrobras, que foi quem fez grande parte desse investimento, mas tem também a questão do consumidor e ainda do país, questão estratégica, do desenvolvimento da tecnologia. Todas essas questões têm de ser ponderadas. 

E a participação de estrangeiros no setor energético, o que os senhores pensam? 

Tolmasquim: Nuclear é muito específico e tem uma questão constitucional, do controle nacional. No geral, nos últimos 14 ou 15 anos que teve Lula e Dilma no governo teve investimentos de empresas estrangeiras, nunca houve discriminação de nenhum tipo de investimento. Tivemos plantas que foram construídas por empresas nacionais, empresas estrangeiras, privadas, estatais, consórcios, e isso em todas as fontes. Isso tem sido a regra ou justamente uma das virtudes que teve o novo modelo regulatório implantado em 2004 foi criar um modelo competitivo de leilões onde todos os investidores podem participar e se encontrar e o vencedor dos leilões que aquele que oferece a menor tarifa para o consumidor. A gente teve uma entrada grande de capital privado nacional e não nacional. Nas fontes solar e eólica teve uma participação de empresas estrangeiras bastante importante. Não temos preconceito para a energia em geral. No caso da nuclear tem a questão constitucional e é um outro debate. Mas no geral, não há nenhum preconceito. 

O programa de governo do PT fala que “A Eletrobras retomará seu papel estratégico no sistema energético brasileiro, como líder na geração e transmissão de energia no país”. O governo deve ser o principal investidor do setor energético?

Tolmasquim: O modelo prevê investimentos privados e estatais. A Eletrobras e as empresas estatais não têm condições de atender o crescimento da demanda para expandir a oferta e atender o crescimento da demanda como é necessário. A participação de capital privado é indispensável para a segurança do abastecimento. Agora, a Eletrobras ter seu papel também nas expansão da transmissão e da geração é também importante. Ela é um ator importante e tem também o seu papel nessa expansão. O investimento por um agente não é em detrimento do investimento pelo outro. Felizmente no Brasil o que se tem é uma necessidade de todos os investidores que queiram investir. Há espaço para todos. 

No passado tivemos problemas com investidores que participaram de leilões de transmissão e não conseguiram cumprir o prometido, como no caso da empresa espanhola Abengoa. Também no caso de linhas de transmissão, temos as linhas licitadas pela Eletrosul, da Eletrobras, que agora estão com problemas de realizar o projeto. Houve algum erro nesse concepção dos leilões? Críticos da gestão PT costumavam dizer que o governo daquela época permitiu leilões com “taxas de retorno patrióticas”. Houve erro? 

Tolmasquim: A Abengoa não é estatal, é privada. É bom dar o exemplo, porque mostra que tivemos problemas em todos os lados, não foi só Abengoa. Teve problema de empresa chinesa, teve problema da Bertin. Tanto empresas privadas como empresas estatais tiveram problemas e isso faz parte, porque nesse período foram contratados através dos leilões mais de mil empreendimentos, totalizando quase 90 mil megawatts. Para quem não é do setor ter uma ideia são quase nove usinas do porte de Belo Monte de capacidade, e na linha de transmissão também houve um investimento muito grande. Se você pegar o período do governo Lula e Dilma foram construídos 79% de tudo que havia sido feito no Brasil até 2002. É uma quantidade muito grande, foram 57 mil km de linhas novas. É claro que quando você tem um número enorme de obras você vai ter um ao outro caso de problema. Então o que é importante é você tentar criar mecanismos de reduzir as chances de que esses problemas ocorram. Como se faz isso? Apertando a habilitação dos empreendimentos que vão participar do leilão, tornando maior o risco, apertando a regulamentação das empresas, mas tudo isso tem um trade-off, uma escolha. Se você aperta demais, você tira muito investidor e você concentra muito o mercado, você tem menos competição e o preço sobe. Se você aperta pouco e deixa qualquer um a entrar, o risco de entrar um aventureiro de botar preços irrealistas e depois não cumprir existe, então tem de se achar esse ponto ideal, que você não cria uma barreira à entrada de agentes e possibilite a competição e ao mesmo tempo garanta que se evite ao máximo comportamentos aventureiros ou que não concluam aquilo que se comprometeram a concluir. 

Petrobras, Eletrobras e suas subsidiárias devem ser privatizadas? 

Tolmasquim: Não. A Petrobras e o setor de petróleo tem um papel estratégico para o país, e a Eletrobras também teve papéis importantes em programas como Luz para Todos, tem um papel importante em investimentos de áreas remotas, tem papel importante na questão de Itaipu e da energia nuclear, também tem papel importante na questão da pesquisa com a questão do Cepel, e é uma empresa que tem um corpo técnico competente. É claro que melhorias na performance sempre podem haver e devem ter, de buscar uma empresa que seja eficiente. A gente tem exemplos aí no mundo todo, na Noruega, Canadá, Estados Unidos. Não é um objetivo impossível, a gente deve ter critérios de performance para essas empresas. As coisas têm de ser vistas não pelo lado ideológico, a gente tem de olhar os fatos. O que é que isso melhora para o setor ou não, é crucial para o setor ou não? Quando você passa uma usina que está pronta da mão do Estado para a mão do setor privado, o que você fez foi arrecadar mais e isso vai para o Orçamento do Tesouro. Tudo bem, é uma maneira de se arrecadar. Mas do ponto de vista do setor energético, você não acrescentou um megawatt a mais no sistema, você não mudou nada. Então não sei se é essa é a prioridade. 

Mas então o governo errou ao vender as usinas hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira (da CESP), em 2015, ainda no governo Dilma, para obter bônus de R$ 17 bilhões para o Tesouro? 

Tolmasquim: Mas ali o período da concessão tinha terminado. A concessão terminou e quando a concessão termina as usinas voltam para a União e a União é obrigada a licitar. Isso é diferente de algo que ainda tem a concessão vigente você vender o ativo. Ali estava certo, você tinha de fazer isso mesmo. 

Ou poderia ter colocado em cotas… (energia das usinas hidrelétricas antigas, vendida mais barata após a MP 579)

Tolmasquim: Não. Só poderia ir para cota se a CESP tivesse aderido à proposta que foi. A cota não foi compulsória, era voluntária. A Copel e a CESP não aderiram, então elas venderam durante um período aquela energia, quando acabou a concessão, voltou para União aquele ativo. Então não poderia colocar como cota, pois não houve adesão das empresas. 

O candidato Fernando Haddad anunciou que pretende fazer um programa para expandir a geração solar. Ele disse: “Nós vamos usar uma parte das reservas cambiais para deflagrar um processo de substituição da nossa matriz por energia solar e energia eólica, que é muito importante”. Questiono: o uso das reservas cambiais para esse fim é correto e como ocorreria? Além disso, quanto da matriz hidrotérmica deve ser substituída por solar e eólica? Isso não traria riscos pela maior interruptibilidade das fontes? E isso não traria distorções, por gerar subsídios? 

 Tolmasquim: Hoje a eólica já é competitiva. Ela vem crescendo e justamente ainda tem algum subsídio na tarifa de transmissão, mas isso é uma coisa que tem de ser discutida. A própria associação do setor eólico já abriu a possibilidade de discutir isso. A gente pode ter uma expansão da eólica da solar, da bioeletricidade, sem passar custos para o consumidor. De qualquer maneira, essas são fontes intermitentes. Quando não tem vento, não tem energia eólica. Para energia solar você depende do sol e para biomassa você depende da safra da cana. Então você precisa de outras fontes que complementem elas. A gente precisa de uma matriz diversificada em que vai ter, sem dúvida, uma participação maior do que a gente tem hoje essas fontes, mas que vai exigir crescimento bastante importante também de outras fontes. O sistema elétrico não tem como funcionar apenas com fontes intermitentes, você precisa de outros tipos de fontes, mas temos no Brasil uma série de vantagens. Como a fonte hídrica e eólica e hídrica e biomassa são complementares, uma pode complementar a outra. Quando você tem vento ou bioeletricidade e sol em excesso você pode armazenar água no reservatório e priorizar a geração por essas fontes intermitentes. Na hora que não tem o vento ou não tenha sol, você usa água dos reservatórios para gerar energia elétrica. O Brasil tem uma vantagem enorme em relação aos países termoelétricos, pois nos demais países, quando não tem o vento, você tem que ligar uma termelétrica. 

E a proposta de usar as reservas cambiais para fomentar energia solar? É correto fazer  isso para esse fim?

Tolmasquim: eu não conheço essa proposta específica, então não me sinto a vontade de comentar. 

A gestão do PT foi duramente criticada pela edição da MP 579. Houve erro na formulação dessa política? Aprendemos algo com aquele momento? 

Tolmasquim: O que foi a MP 579: o Brasil tem uma quantidade de hidrelétricas muito grande que já são muito antigas. Essas hidrelétricas, apesar de antiga, funcionam perfeitamente, uma usina pode ter centenas de anos. Várias dessas hidrelétricas já estavam amortizadas, ou seja, o investimento já tinha sido pago. Como estava vencendo o período de concessão, pela lei essas concessões voltariam para União para serem leiloadas. O que se buscou foi dar a opção para que as empresas que assim quisessem prorrogassem a concessão por mais 30 anos, em troca de vender as energia por um valor do custo de operação e manutenção mais uma taxa. Qual era o benefício? Que o consumidor, ao invés de ter de pagar duas vezes por aquela planta, ele pudesse ter se beneficiado por ter uma planta que já estava pronta e paga. Você tinha três soluções possíveis: uma era deixar essa planta vender energia no mercado, pelo preço de mercado, e a diferença entre o preço de mercado e o custo muito baixo é uma renda, que ou iria para o Tesouro, ou ficaria para Eletrobras e para as outras empresas que tinham as usinas, ou iria para o consumidor. A ideia foi essa. Agora, tiveram uma série de erros, sem dúvida. O principal problema começa quando algumas empresas - a Copel a Cemig e a Cesp, não aderem ao modelo. Por acaso - e eu não estou fazendo nenhuma insinuação, mas é uma coincidência - essas empresas eram dos três estados que eram comandados pelo PSDB na época, mas eu acredito que não tenha sido essa razão (da não renovação do contrato antecipadamente). Mas na hora que elas fizeram, isso as distribuidoras ficaram descontratadas. Isso não teria sido um problema se ao mesmo tempo a gente não tivesse entrado numa seca grande e o preço da energia no mercado spot não tivesse subido. Quando o preço subiu, essas distribuidoras que tinham ficado descontratadas por causa da não-adesão dessas três empresas estaduais, essas distribuidoras tiveram de contratar energia no mercado spot a um preço muito alto e isso teve um impacto. Então teve essa situação. Realmente, no final não teve o resultado esperado, mas a intenção era justamente tentar passar para o consumidor o benefício de ter a uma usina já paga, e o fato é que sempre houve e ainda tem hoje uma reclamação muito alta com o preço da energia muito cara no país. Eu acho, de qualquer maneira, que poderiam ter sido feitas coisas melhores. A intenção ser boa não é o suficiente. Eu acho que faltou bastante um diálogo maior no final do período com os agentes do setor. Eu acho que esse diálogo é fundamental e eu não tenho dúvida nenhuma que caso seja essa candidatura que vença, que vai ter de ser resgatado, pois no início quando se chegou ao governo, se construiu o novo marco regulatório com a participação de todos os agentes, e esse diálogo foi se deteriorando. Isso tem de ser recuperado, não dá para se fazer nenhuma medida que não seja com a participação de todos os agentes, com os consumidores, escutando a todos. 

A Eletrobras foi obrigada a aceitar a MP 579? 

 Tolmasquim: Claro que não. Não teria como obrigar, é uma empresa que tem conselho, ela analisou e tomou a decisão. A Chesf, por exemplo desapareceria (se não aceitasse), pois praticamente todas as usinas delas estavam vencendo. E era uma questão pior até do que a privatização, pois quando você privatiza, você vende a empresa e vai tudo, os funcionários e tudo. No caso dessa concessão, vai só a usina. Então, ficaria a empresa com milhares de funcionários e sua administração e sem a usina. A gestão das empresas, do ponto de vista estratégico, consideraram que vale a pena manter por mais 30 anos essas usinas, foi uma decisão. 

Especialistas criticam que um dos erros da gestão Dilma Rousseff no setor foi não ter realizado leilão de curto prazo, um A-1, em 2012, o que deixou as distribuidoras descontratadas na sequência e expostas ao preço de curto prazo, o que resultou na necessidade de empréstimos bilionários. Aquilo foi um erro? 

Tolmasquim: Primeiro que não se sabia que teríamos um problema hídrico. Segundo, que não se sabia ainda que as distribuidoras iam estar subcontratadas, e as distribuidoras não tinham como prever. Como elas iam fazer a previsão de demanda sem saber se ia ter adesão ou não (das usinas à MP 579, liberando energia para o regime de cotas, mais baratas)? Então, não dava para obrigar as distribuidoras a participar de um leilão sem elas saberem se teriam ou não aquelas cotas. Foi aí que realmente aconteceu esse problema. Depois disso se fez leilões, mas mesmo assim, como a seca estava muito grande, o preço no mercado spot disparou, e várias das geradoras não quiseram participar de leilão, mesmos com preços estando bastante alto pois preferiram ficar no mercado spot. Realmente a questão da seca teve um impacto muito ruim. Inclusive, se as distribuidoras tivessem ficado descontratadas e tivesse um período úmido normal, com despacho bom, elas poderiam até ganhar. O problema não foi esse, foi que conjugou duas situações inesperadas. 

O governo estuda fazer um leilão de usinas térmicas no Nordeste, o que é criticado por deslocar outras fontes e ainda gerar custo nesse deslocamento. O que o senhor pensa sobre esse leilão regionalizado? A política de leilões atual é correta? 

Tolmasquim: Os leilões têm se mostrado um sucesso. A grande virtude do novo modelo (de 2004) é que quando esta equipe (do PT) chegou ao governo, estava todo mundo traumatizado pelo grande racionamento que tinha acontecido no país em 2001. Então a prioridade máxima que se tinha naquele momento era como garantir que houvesse a expansão do sistema. Na época do racionamento, teve o relatório do Jerson Kelman (técnico do setor elétrico e diretor da agência do setor na gestão do PSDB) e que ele aponta muito corretamente que a principal razão de ter tido racionamento foi a falta de expansão de capacidade. E por que que não houve a expansão da capacidade no ritmo da demanda? Porque as estatais estavam proibidas de investir porque elas estavam sendo preparadas para a privatização e se acreditava que o capital privado ia investir. Mais o capital privado achou muito arriscado, porque imagina que você é um investidor de uma termelétrica, constrói a planta, faz uma projeção de mercado e aí quando a planta fica pronta o mercado caiu e você não consegue assinar um contrato. Ou se vem um período de 4 a 5 anos de boa hidrologia e o preço no mercado spot despenca. Se eu sou um investidor privado eu vou à falência porque eu não tenho como pagar o meu financiamento. A gente conversou muito com os investidores sobre o que era necessário para eles virem para o setor, e o principal era a questão dos contratos de longo prazo, que garante um fluxo de caixa para investidor, e além disso esse fluxo de caixa, esses contratos, são aceitos pelo órgão financiador como parte da garantia, diminuindo a necessidade de garantias corporativas. Por isso nós estivermos mais de mil plantas contratadas no leilão, a maior parte absoluta investidores privados. Então, teve o seu papel, mas como você aloca os contratos para esses investidores? Tinha de achar uma maneira transparente e a melhor forma foi através de leilões públicos. Também aí tínhamos um problema antes, pois antes as distribuidoras podiam contratar energia de quem elas quisessem, mas elas optavam por contratar energia que uma planta que pertencia ao mesmo grupo econômico e às vezes essa planta vendia energia por um preço mais alto do que elas poderiam encontrar de outra planta geradora disposta a vender, ou seja, eu contratava de mim mesmo. Os leilões deram transparência a esse processo, ganha o leilão quem aceita construir e operar a usina pelo menor preço, em troca ele ganha um contrato de longo prazo. Essa é uma política que deu certo e que a gente deve continua-la. É claro que se pode discutir outras questões, para ter uma maior participação no mercado livre, etc. Pode haver aprimoramentos, mas de qualquer maneira é uma política de leilões que tem sido um sucesso e permite inclusive a diversificação da matriz. 

Mas e o leilão de térmicas no Nordeste? Poderia, por exemplo, ter mais transmissão ao invés desse leilão. É ruim fazer um leilão muito específico, para uma região? 

 Tolmasquim: Para fazer um leilão regional tem de ter uma justificativa muito forte. Um leilão regional diminui a competição. Se você faz um leilão nacional, pode ganhar uma usina em qualquer lugar e trazer maior número de participantes no processo, e o preço pode ser melhor. Tem de haver uma justificativa elétrica ou energética muito grande para você optar por uma solução que cerceia a competição. Eu não conheço nenhuma justificativa nesse caso, pode ser que tenha, mas eu não conheço. 

 E leilões de reserva? 

Tolmasquim: Leilão de reserva deve acontecer se tiver necessidade. A gente não deve contratar sem necessidade para isso. Havia um cálculo que era feito pela EPE que mostrava se tinha necessidade ou não. A partir do momento que não haja necessidade necessidade não se pode fazer leilão por fazer, ou você acaba tendo uma oneração para o consumidor. Tem de ser analisada a situação e ver se é necessário ou não. Me parece que não é, mas eu também não estudei, teria de fazer os estudos necessários mas me parece que nesse momento não seria necessário. Mas esses leilões estão previstos na lei, em decreto. Se acharmos que tem necessidade, se fará. 

O programa fala em voltar a dar à Petrobras a operação única do pre-sal. Devemos ter regras diferentes de licitação entre pré-sal e pós-sal? E a cessão onerosa e seu excedente? Como deve ser resolvido esse impasse? O leilão da cessão onerosa deve ser feito ano que vem? 

Tolmasquim: O modelo de partilha é usado no mundo todo e foi usado aqui no Brasil e tem sido um sucesso. O último leilão resultou em ágios bastante importantes. Então isso mostra que todo aquele medo que se tinha, de que o regime de partilha ia afugentar os investidores, não é verdade. Inclusive os investidores estão super ansiosos para participar do próximo. A primeira coisa é isso, quando se discutiu essa mudança, se levantou uma série de medos, de que ninguém ia querer investir no Brasil ou ninguém a querer investir no petróleo e não foi nada disso. Mas por que se mudou o regime? Na questão do petróleo existe o risco-recompensa. Quanto maior o risco, maior a recompensa. Qual é a diferença do pré-sal para o pós-sal? É que o risco é menor (no pré-sal), pois é muito maior a certeza de haver petróleo e em volumes grandes. Então teve de se mudar, mas se mudou de tal maneira que ainda continuou muito interessante para os investidores, tanto é que tem atraído essa quantidade enorme de interesse. Temos no Brasil um sistema misto, na área do pré-sal a gente tem a Partilha e um sistema de concessão no pós-sal, justamente pois o risco é maior no pós-sal, de obter grandes volumes. Avalio que está adequado, e isso tá sendo comprovado pelo sucesso dos leilões. Sobre Petrobras voltar a ser operadora única, eu não vi isso no programa de governo (Tolmasquim questionou qual versão do programa de governo a repórter havia consultado, e disse que havia um programa diferente quando a candidatura de Haddad foi proposta). Mas isso é uma questão que eu não posso falar, não sou responsável pela área de petróleo então não tenho aqui a posição nesse tópico específico. 

A reforma do setor elétrico, na consulta pública 33, trata entre vários temas da descotização das usinas hidrelétricas, algo feito pela MP 579. O senhor é favorável à descotização (vender a energia de usinas antigas a preço de mercado)?

Tolmasquim: Depende da maneira que for feita a descotização. Se for para alimentar o Orçamento da União, eu sou contra. Uma descotização que levasse você a utilizar o recurso para baixar a CDE ou seja, a tarifa do consumidor, poderia ser algo a ser pensado. A questão é o que você vai fazer com este recurso. Eu acho que passar apenas 30% para o consumidor é muito pouco. A questão é quem ganha e quem perde. No fundo, eu acho que o recurso tem de ficar no setor, não deve sair do setor elétrico e preferencialmente com o consumidor e eventualmente pode ir uma parte para a Eletrobras para melhorar a capacidade dela. Essas seriam as prioridades. 

O contrato de Itaipu será revisado em 2023. O senhor pensa em fazer alguma mudança nesse contrato para liberar mais energia para o mercado livre? A descotização da energia de Itaipu é vista com bons olhos pelo senhor? 

Tolmasquim: A questão de Itaipu é premente para ser tratada, pois ela realmente já está ocorrendo. Mas é uma questão que envolve um outro país, uma questão binacional, e ela tem de ser tratada no diálogo com o Paraguai. É claro que tem que ser olhado rapidamente porque a gente tem que garantir que essa energia continue a vir para o Brasil, pois se ela não continuar a vir para o Brasil teremos de ter soluções de substituição dessa energia. E isso não se faz do dia para a noite. Agora, qual é a solução, isso vai ter de ser construído junto com o Paraguai, não é uma coisa que possa ser feito unilateralmente. 

O senhor indicaria ao candidato Fernando Haddad, caso eleito, alguma mudança nas estruturas e instituições do setor energético? Há mudanças a fazer? As agências devem ser mantidas? 

Tolmasquim: Sobre agências reguladoras eu acho que existe um consenso de que elas devem ser fortes, que são fundamentais quando você tem um sistema de competição como o nosso, com agente privado e agente estatais. Elas têm um papel central. A agência deve ser autônoma para evitar pressões políticas. Claro que isso não quer dizer que ela possa fazer política, pois também estaria errado. Quem é eleito, é eleito governo, então é natural que a definição de política seja do governo. Mas uma vez definida a política, a agência tem de ser autônoma para implementar aquilo que foi definido, e por isso é importante você também ter um quadro de direção que seja autônomo, que seja guiado por critérios apenas técnicos. Às vezes a gente sabe que pode um outro caso não estar ocorrendo, o que é uma pena. Mas por outro lado, não se deve por conta disso desprezar o papel das agências. Por que todas elas têm um quadro técnico muito capacitado, um pessoal jovem que participou de concursos e o tipo de governança que se tem limita muito também o grau de arbitrariedade dos dirigentes. Então tem um certo limite. O ideal é claro é botar, claro, pessoas técnicas comprometidas com o interesse público e isso é indubitável. Mas tem que se saber que as agências têm procedimentos e quadros técnicos e que elas zelam pelo interesse público. Não se deve descartar a agência eventualmente por questões de ter um ou outro dirigente que não seja o mais adequado. 

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