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| Foto: Rodrigo Clemente/EM

A greve dos caminhoneiros escancarou a dependência que o Brasil tem do transporte rodoviário. Também deixou uma bomba-relógio que, se não for desarmada pelo próximo presidente, vai estourar no colo do novo governo e da população: uma nova greve, com risco de uma crise de desabastecimento.

Parte das soluções adotadas para pôr fim aos 11 dias de paralisação vence em dezembro. E, apesar de a categoria não falar (por enquanto) em uma nova greve, a sombra do que aconteceu em maio deve pairar sobre o novo governo, que precisará de um plano de curto prazo se quiser evitar que a ameaça se concretize.

No médio e longo prazo, a solução para evitar novas paralisações passa necessariamente por melhorar as condições das atuais rodovias e aumentar e renovar a malha ferroviária, o que demanda tempo e um sólido projeto de infraestrutura que resista às futuras trocas no Planalto.

O que propõem os presidenciáveis para o curto prazo

Os candidatos à Presidência, em geral, criticaram o fato de o governo Temer não ter conseguido se antecipar à crise dos combustíveis. Eles também desaprovaram as soluções adotadas pelo governo acabar com a greve dos caminhoneiros e afirmaram que faltou diálogo para impedir que o movimento se estendesse, o que levou a uma negociação sobre pressão.

Para tentar inibir novas tentativas de greve no curto prazo, o plano de alguns presidenciáveis inclui diálogo com os caminhoneiros e uma política de reajuste de preço dos combustíveis mais previsível e espaçada (a Petrobras adotava reajustes diários antes da greve).

É o que defendem Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede), por exemplo. Marina fala ainda na adoção de um teto para aumento do ICMS, um dos impostos estaduais que incide sobre o preço final do diesel; e no incentivo ao biocombustível como alternativa sustentável ao combustível fóssil.

Ciro Gomes (PDT) e os candidatos mais à esquerda, como Guilherme Boulos (PSol), defendem uma intervenção ainda mais forte na Petrobras. Eles querem que a estatal garanta combustível barato à população. Para isso, falam em mexer na política de remuneração dos acionistas e em desatrelar o preço interno das cotações internacionais do petróleo.

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O ex-presidente Lula (PT), preso em Curitiba, não se pronunciou oficialmente sobre a greve dos caminhoneiros. Uma comitiva de deputados que o visitou na cadeia durante a paralisação, contudo, relatou que Lula disse ter ficado perplexo com a crise de desabastecimento, além de criticar a política dos preços de combustíveis da Petrobras.

O PT também vem usando, em seus materiais de divulgação, que a gasolina e o gás nos governos petistas era mais baixo – o que sugere que o partido, caso volte à Presidência, irá controlar de alguma forma os preços dos combustíveis. Isso, aliás, foi feito durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff para controlar a inflação. Fernando Haddad (PT), possível substituto de Lula caso a candidatura dele seja barrada pela Justiça, não se pronunciou sobre a greve dos caminhoneiros.

Alvaro Dias (Podemos), durante a greve, apoiou os caminhoneiros. “Que se coloquem na cadeia aqueles que assaltaram a Petrobras, e não cobrem essa conta do povo brasileiro. (...) Não foram os caminhoneiros nem o povo brasileiro que roubaram a Petrobras”, disse. O candidato do Podemos atribui o aumento do preço dos combustíveis a uma tentativa de cobrir o rombo provocado pela corrupção na estatal. As declarações de Alvaro Dias sugerem que ele buscará algum controle dos preços. Ele também afirmou à época que um dos problemas que levaram à greve foi a falta de diálogo do governo Temer com os caminhoneiros, o que leva à conclusão de que pretende negociar com a categoria.

Henrique Meirelles (MDB) é o único que não mencionou interferir na política de preços das Petrobras. O ex-ministro da Fazenda de Temer diz que não existe “mágica” para a crise dos combustíveis. Ele afirma que a principal saída é fazer as reformas previdenciária e tributária, o que garantiria uma melhora da economia.

Candidatos silenciam sobre o tabelamento do preço do frete rodoviário

Os candidatos, porém, pouco falaram até agora sobre a tabela do frete, que estabeleceu preços mínimos para o transporte de cargas no país. Ela é alvo de questionamentos na Justiça, não tem sido adotada em massa pelos produtores e o caso está parado para discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, impede a livre concorrência no mercado e pressiona os preços para o alto.

Para Adriano Pires, sócio fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a guerra do frete foi o principal motivo para a greve de maio. “Lá atrás, o governo PT estimulou a venda de caminhão, mas a economia não cresceu. Então você passou a ter uma carga maior de caminhões do que a demanda, e começou a guerra de frete. Concomitantemente, o preço do diesel subiu e o governo dobrou o PIS/Cofins do diesel, mas a principal causa da greve foi frete.”

Ele diz que uma nova greve dos caminhoneiros será evitada no curto prazo se a economia voltar a crescer, pois isso significaria maior produção e mais frete para os caminhoneiros. Outro caminho seria acabar com o monopólio do refino da Petrobras, o que aumentaria a competitividade do setor e poderia resultar em preço mais baixo. A estatal chegou a colocar à venda 60% das suas refinarias no Sul e Nordeste, mas o processo está suspenso por causa de uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que proibiu a venda de estatais e subsidiárias sem o aval do Congresso.

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O sócio da área de infraestrutura da L.O. Baptista Advogados, Fernando Marcondes, afirma que, no curtíssimo prazo, o novo governo vai ter que lançar mão de muita negociação política para evitar novas greves. Isso seria ideal que acontecesse já a partir de novembro, quando o Brasil já terá um presidente eleito. Na avaliação do especialista, os dois últimos meses do ano tendem a ser conturbados, com muitos setores “chiando” por benefícios até que o eleito realmente mostre a que veio.

País precisa investir em ferrovias para desafogar as estradas

Ivonaldo Alexandre/Arquivo Gazeta do Povo/Arquivo

Se no curto prazo o plano para evitar uma nova greve podem ser diferentes, no médio e longo prazos a solução é unânime entre os especialistas: investir em infraestrutura, principalmente em ferrovias, para desafogar as estradas e diminuir a dependência dos caminhões.

Atualmente, 64% de toda carga transportada no país depende das rodovias. O que muda de candidato para candidato é quem deve financiar esse investimento: se o setor público, por meio de subsídios, ou a iniciativa privada, atraída pelas possibilidades de ganho no longo prazo.

Mas o que vem acontecendo é justamente o oposto: o Brasil investe pouco em infraestrutura, tanto em ferrovia quanto em rodovia – modal que foi priorizado historicamente pelo país. Desde o início das atuais concessões, feitas na década de 1990, foram investidos R$ 93,662 bilhões em ferrovias (pela União e pela iniciativa privada) e R$ 97,43 bilhões em rodovias (só iniciativa privada).

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Os valores, apesar de parecem elevados, foram insuficientes para a adequada expansão e manutenção da malha de transporte. Estudo realizado pela Inter.B Consultoria para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que há a necessidade de investir 4,15% do Produto Interno Bruto (PIB) por aproximadamente duas décadas para modernizar toda a infraestrutura do país – o que inclui transportes, eletricidade, telecomunicações e água e saneamento. Mas o país vem investindo menos de 3% do PIB em infraestrutura desde o início dos anos 2000, considerando aportes públicos e privados. Exclusivamente no setor transportes, o investimento somou apenas 0,59% do PIB em 2017. E, para este ano, deve chegar a apenas 0,61%.

Estado das ferrovias e rodovias é ruim

Uma prova de que os investimentos estão insuficientes é o estado das rodovias. Pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) feita no ano passado mostra que 65,4 mil quilômetros estão em estado de conservação regular, ruim ou péssimo. O número representa 61,8% do total analisado. Apenas 38,2% das rodovias foram consideradas em bom ou ótimo estado.

E os números são igualmente ruins quando se trata de ferrovias. Levantamento da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) mostra que 8,6 mil quilômetros da malha ferroviária estão inutilizados – ou seja, 30,6% do total. É malha suficiente para ligar com sobras, em linha reta, São Paulo a Nova York, cuja distância é de 7,7 mil quilômetros. A pesquisa também mostra que 6,5 mil quilômetros de trilhos (23,1% do total) são trechos sem condições operacionais e que precisam passar por reformas para voltar a funcionar.

O cenário só mudará com investimento, principalmente privado, concessionando os trechos (como já acontece) para a iniciativa privada. Afinal, a União está “quebrada” e aportes em infraestrutura consomem muito capital e o retorno demora.

Segundo a CNT, são necessários investimentos de R$ 293,8 bilhões para o país ter uma infraestrutura rodoviária adequada à demanda. Desses, R$ 51,5 bilhões seriam precisos apenas para manutenção, restauração e reconstrução dos trechos desgastados ou com problemas, como buracos.

Já a Fundação Dom Cabral calcula ser necessário investir R$ 600 bilhões nos próximos 15 anos para aumentar a participação de hidrovias e ferrovias na matriz de transporte do país.

Obstáculos ao investimento em infraestrutura e como superar esse gargalo

A expansão do investimento em infraestrutura de transporte, contudo, encontra obstáculos. Falta um plano de infraestrutura bem desenhado, que dê segurança jurídica tanto ao investidor privado quanto ao poder público e que contemple todos os modais, como ferrovias e hidrovias. Há ainda a crise econômica, que prejudica a vida financeira das empresas do setor para poderem investir. E o governo também não encontrou solução para as atuais concessões, que precisam ser renovadas ou relicitadas (no caso das que estão vencendo ou das que serão devolvidas à União).

No caso da criação de plano para investimento multimodal, contemplando principalmente investimentos em ferrovias, Fernando Marcondes, da L.O. Baptista Advogados, diz que o país desperdiçou todas as possibilidades que teve para fazer isso até agora.

“Não há dúvida que o modal ferroviário é muito mais barato, seguro e ecologicamente correto. Já deveríamos ter um sistema multimodal. Tivemos todas as possibilidades e não fizemos”, diz Marcondes. “Tenho para mim que é por questões políticas. As ferrovias estão praticamente dentro de um oligopólio. Está nas mãos delas [das empresas que dominam as concessões de ferrovias] quem pode trafegar [direito de passagem] e a que preço. O Estado interfere muito pouco nisso. E isso só vai mudar com um governo muito forte.”

Atualmente, são seis concessionárias de ferrovias no Brasil, sendo que duas (Vale e Rumo) dominam os trechos que desembocam em portos.

Claudio Frischtak, especialista em infraestrutura e presidente da Inter.B Consultoria, explica que as rodovias são vantajosas paras distâncias de até 500 quilômetros. A partir disso, o transporte sobre trilhos passa a ser mais viável economicamente, além de ser mais seguro. Um comboio de 20 vagões é capaz de substituir 40 caminhões. Para distâncias ainda mais longas, como de uma costa a outra do país, o ideal é a cabotagem, ou seja, o transporte de cargas por navegação.

Ele também diz que o país precisa construir linhas ferroviárias de curta distância. Hoje, a malha ferroviária do Brasil é de 28 mil quilômetros. Grande parte é de média e longa distância, como a Centro-Atlântica, que tem 7,2 mil quilômetros de extensão e passa por sete estados brasileiros.

DESEJOS PARA O BRASIL: Mais espaço para a iniciativa privada

O que fazer então para melhorar o setor de transportes do país?

Uma solução apontada pelo setor para aumentar os investimentos em ferrovias, e que pode acabar sendo feita ainda neste governo ou já no início do próximo, é a renovação antecipada dos contratos concedidos em 1996 e 1997 – processo que se arrasta há mais de um ano sem uma definição. As empresas afirmam que, caso a renovação saia, elas vão investir pelo menos R$ 25 bilhões ao longo dos próximos 30 anos.

A CNI alerta, porém, que as renovações antecipadas devem sair, mas com uma condição: a garantia do compartilhamento da malha concedida com outras concessionárias e operadores ferroviários independentes, ou seja, o direito de passagem. “Caso contrário, a prorrogação dos contratos irá perenizar, por mais 40 anos, as deficiências e erros do modelo vigente”, diz a confederação.

Outra medida que o novo presidente poderia adotar já no início do mandato, segundo Frischtak, é reduzir a carga regulatória que existe sobre os investimentos em infraestrutura de transporte. “Você não deve tabelar o frete de um lado e subsidiar o diesel do outro. Isso penaliza o produtor e desestimula o uso de transporte alternativos, como por exemplo a cabotagem, que não é subsidiada e é mais efetiva que o transporte rodoviário em longas distâncias por causa da nossa costa enorme.”

Frischtak também diz que os novos planos de infraestrutura de transporte devem melhorar a qualidade da regulação, dando mais segurança jurídica aos investidores e mais poder às agências reguladoras. Ele defende, ainda, a adoção de modelos mais modernos de contratos.

DESEJOS PARA O BRASIL: Uma economia rica e competitiva

“Você não precisa impor um regime de concessões quando não é situação de monopólio natural. Você pode ter um regime de autorização, com regras mais modernas. Concessão é coisa complexa, difícil de ser monitorada, fiscalizada. Ela exige recursos regulatórios escassos no país e impõe uma carga regulatória pesada sobre investimentos em infraestrutura”, diz Frischtak. O regime de autorização já existe no setor de telefonia, por exemplo, e há um projeto de lei em tramitação para mudar o marco regulatório do setor de transportes, permitindo que as atuais concessionárias possam se transformar em “autorizadas”.

Apesar dos inúmeros desafios, o presidente da Inter.B Consultoria acredita que uma solução para vencer o gargalo da infraestrutura no Brasil pode sair no próximo governo. “Boa parte [das atuais concessionárias têm interesse] na modernização [da malha] e há muita demanda reprimida”.

A esperar os passos do próximo presidente – e o interesse do mercado.

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