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| Foto: Daniel Caron/Gazeta do Povo

O ex-presidente Lula tem aproveitado entrevistas e suas andanças pelo país para falar sobre a economia. Sua ideia mais nova é fazer um plebiscito para derrubar as medidas de ajuste aprovadas durante o governo Michel Temer. Em especial, fala mal da emenda constitucional que instituiu um teto para os gastos públicos.

Na ânsia de mostrar que tem um plataforma econômica alternativa, Lula fez duras críticas ao governo de Dilma Rousseff. Ela teria errado ao insistir no ajuste fiscal, traindo os eleitores que votaram por mais gastos públicos. É uma forma de ver os votos, embora seja difícil dizer que alguém votou pela volta da inflação estimulada pelo descontrole fiscal dos anos Dilma.

Essas declarações de Lula servem como um refresco para nossa memória, que às vezes fica contaminada pelo sucesso do primeiro governo lulista, que elevou superávits primários, segurou a inflação e abriu espaço para o crescimento econômico que marcou seu governo.

No fundo, nem Lula nem o PT gostam dessa abordagem descrita como “ortodoxa” demais para um partido que tem compromissos sociais. Na visão deles, o mais importante é gastar, independentemente de a situação fiscal do país ter desandado. Gastar seria remédio para tudo, inclusive para o déficit público.

A grande contradição do discurso de Lula é que ele admite que a desoneração da folha de pagamento foi um erro. Segundo ele, a medida custou bilhões em impostos não recolhidos. Mas do ponto de vista fiscal, essas desonerações podem também ser vistas como um gasto – que, em vez de ser feito pelo governo com o imposto arrecadado, foi feito pelas empresas com o que deixou de ser pago. Se as desonerações são ruins, o ajuste fiscal deveria ser bom. É a lógica das contas públicas.

Essa contradição parece ser proposital, já que é difícil hoje justificar a política que ficou conhecida como “bolsa-empresário”. Lula poderia ir mais longe no reconhecimento dos erros e colocar na conta os aportes bilionários ao BNDES, os projetos mirabolantes (e cheios de corrupção) de Petrobras e Eletrobras, os tantos subsídios que cresceram em seu governo. Para uma análise fiscal, é tudo a mesma coisa.

Essa não é a primeira vez que Lula critica o ajuste fiscal de Dilma. Em 2015, quando o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fazia o possível para passar no Congresso medidas de austeridade, Lula estava do outro lado no espectro econômico. Pedia mais gastos. E fez pouco para evitar que o próprio PT desmantelasse o ajuste. Em entrevistas, o ex-presidente culpa Eduardo Cunha pelo fracasso do governo Dilma, mas não lembra do papel do partido na derrocada dilmista.

Dilma assumiu seu segundo mandato com uma situação fiscal delicada. O governo reduziu a meta de superávit primário, que era cumprida apenas com maquiagem fiscal. Havia controle de preços nos setores de energia e combustíveis. A equipe econômica tomou posse com um orçamento fora da realidade, que só seria cumprido com um esforço muito grande, incluindo a aprovação de medidas duras, como regras mais rígidas para benefícios assistenciais e previdenciários. No Congresso, as medidas não andaram e isso corroeu a confiança na economia. Ou seja, o ajuste fiscal não veio antes da recessão. Não foi sua causa.

A trajetória fiscal do Brasil continua crítica. O país tinha uma dívida de pouco mais de 50% do PIB em 2014. Em dezembro daquele ano, já passava de 55% do PIB. Hoje está em pouco mais de 70% do PIB, e subindo. Deve bater em um intervalo de 90% a 100% do PIB em 2024. Um programa de governo pautado no gasto público não está olhando para a realidade.

Para completar, o teto de gastos que Lula quer derrubar é uma regra que coloca um limite ao crescimento das despesas. A lei diz que os gastos devem ser corrigidos pela inflação, apenas, por um período longo o suficiente para o Brasil recuperar a capacidade de fazer superávits primários. A regra tem um grande mérito: cria a necessidade de Brasília criar soluções de longo prazo. Sem isso, a Constituição será desrespeitada em 2019 ou 2020. O teto tem um problema também: se respeitado, é tão poderoso que o país fará superávits desnecessariamente altos dentro de uma década. Poderia ser abandonado por seus próprios méritos.

Simplesmente derrubar o teto em um plebiscito não trará uma solução para o nó fiscal brasileiro. O Congresso teria de oferecer coisa melhor em seu lugar e dificilmente o remédio escaparia de uma contenção no crescimento do gasto e reformas estruturais, como a da Previdência.

Lula foi o presidente que colheu alguns louros da estabilidade. Um dos mais comemorados foi a recuperação do grau de investimento concedido pelas agências de risco. O governo Dilma perdeu esse selo de bom pagador. E Lula não oferece em seu discurso o caminho para que seja recuperado.

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