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O economista Marcio Pochmann é um dos coordenadores do programa de governo do PT para as eleições de 2018 | Karina Zambrana/Ascom/ MS
O economista Marcio Pochmann é um dos coordenadores do programa de governo do PT para as eleições de 2018| Foto: Karina Zambrana/Ascom/ MS

Um dos coordenadores do plano de governo do Partido dos Trabalhadores (PT) à Presidência da República, o economista Marcio Pochmann afirma que a prioridade do partido, caso saia vencedor das eleições, será fazer um programa emergencial para tirar o país da situação deixada pelo governo Temer. Esse programa teria como ações principais a retomada das obras públicas que estão paralisadas, com uso de parte das reservas internacionais para financiar os investimentos, e a revogação de medidas adotadas pelo atual governo – como o teto dos gastos públicos e a reforma trabalhista. Ele, porém, demonstra preocupação quanto à governabilidade de um possível novo presidente petista, algo que seria fundamental para emplacar parte da agenda política e econômica do partido.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Pochmann diz que existem várias experiências dos governos Lula e Dilma que precisam ser recuperadas. Entre elas estão a retomada dos investimentos públicos e privados, o incentivo ao crescimento econômico através do aquecimento do mercado interno, o combate à desigualdade, a geração de emprego e o fortalecimento das estatais como empresas que funcionam sob a lógica da função pública, de servir a sociedade, principalmente em setores estratégicos, como petróleo e energia.

Ele discorda da visão de muitos economistas, inclusive de coordenadores de campanhas de outros pré-candidatos, de que são necessárias ações profundas para combater a crise fiscal. Pochmann também é contra uma reforma profunda na Previdência e questiona se há de fato um déficit na Previdência ou se há um uso inadequado do dinheiro que deveria ser aplicado na Seguridade Social.

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O economista, que tem uma visão desenvolvimentista, está trabalhando ao lado do ex-prefeito de Fernando Haddad e do sindicalista Renato Simões na formulação do plano de governo do PT. A construção do programa começou na virada do ano de 2016, quando foi feita uma avaliação da experiência dos governos Lula e Dilma.

A segunda fase foi um processo de ouvir representantes da sociedade brasileira para colher quais são os principais anseios da população. Essa fase contou com uma plataforma aberta na internet para envio de sugestões. As ideias foram avaliadas por um conjunto de cerca de 300 professores e pesquisadores, que construíram um documento chamado “O Brasil que o povo quer”. O documento, conta Pochmann, pensa a sociedade na forma de uma estrutura matricial e não mais setorizada, como em planos anteriores.

Agora, os três coordenadores estão trabalhando na etapa final, que consiste em sistematizar e validar ações que atendam aos anseios previstos no “O Brasil que o povo quer”, um documento de cerca de 300 páginas.

Por enquanto, o PT afirma que o seu candidato à Presidência é o ex-presidente Lula. Mas, como a candidatura de Lula deve ser barrada em agosto pelo Superior Tribunal Eleitoral (TSE), já que o ex-presidente foi condenado em segunda instância pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, os nomes de Fernando Haddad e Jaques Wagner passam a ser cogitados como substitutos.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista de Marcio Pochmann, concedida por telefone:

Gazeta do Povo - Quais devem ser as prioridades econômicas de um eventual novo governo PT?

Marcio Pochmann* - Nós não temos ainda o programa pronto. Ele está em elaboração. Devemos entregar para uma discussão dentro da direção do PT agora no mês de julho. Na primeira semana de agosto vai haver um encontro nacional, uma convenção, que vai validar o programa e a própria candidatura do presidente Lula.

Agora, há várias preocupações. Do ponto de vista emergencial, o problema se coloca em relação à situação econômica e seus impactos sociais. Falta trabalho para 27 milhões de pessoas, segundo o IBGE. E economia brasileira está sem capacidade de ter uma aceleração, uma situação praticamente de estagnação da renda per capita. Por isso a preocupação neste primeiro momento é viabilizar um programa emergencial que possa tirar o país da situação em que ele se encontra.

E há outra questão que é a transição do que foi feito no atual governo ao que gostaríamos de reformular, como a emenda 95, que estabeleceu o teto de gastos, e a própria reforma trabalhista. É uma transição do governo atual para o próximo.

O senhor já tinha mencionando anteriormente que pretende fazer um “referendo revogatório” de medidas adotadas pelo governo de Michel Temer (MDB). Essas medidas então seriam o teto de gastos e a reforma trabalhista? Haveria mais alguma?

Faz parte do um programa de transição. Essa transição vai ser estabelecida justamente no momento eleitoral. Mas vale destacar que é uma reformulação que depende do Legislativo também. O resultado das eleições é que vai validar a capacidade de reformular radicalmente ou parcialmente várias das medidas que foram tomadas pelo atual governo. A revogação é um ato do Legislativo. O Executivo não tem essa possibilidade. A ideia do PT não é tirar uma coisa sem colocar outra no lugar. O tema trabalhista está entre esses que devem ser reformulados, em maior ou menor medida, dependendo do resultado eleitoral. A própria emenda do teto, entre outras... Mas essas seriam as principais.

O senhor comentou que o PT vai fazer um programa emergencial que possa tirar o país da situação em que se encontra. Quais devem ser as principais ações desse programa?

A definição ainda depende de uma avaliação política da direção [do PT] e do próprio candidato. Mas nós temos algumas possibilidades que seriam aquelas medidas que independem do Congresso, como a retomada de obras públicas que estão paralisadas. Obras que são importantes do ponto de vista estratégico do país e, principalmente, pelo impacto no emprego e na renda. Há um número grande de obras paradas, e nós estamos trabalhando sobre aquelas que poderiam ser viabilizadas de maneira imediata, assim como um conjunto de obras menores nas cidades, pensando do ponto de vista dos municípios brasileiros.

O senhor está falando de obras de infraestrutura?

Em geral são programas de construção civil, voltados para obras públicas, mas que são conduzidas pelo setor privado. O poder público não constrói. Ele viabiliza através de processo licitatório e financiamento. Essas obras já foram licitadas, então não tem entrave burocrático. Apenas uma escassez de recursos que acabou levando a uma paralisação atual.

Mas de onde viria o dinheiro para financiar essas obras?

Nós estamos trabalhando com várias possibilidades, como a reconexão dos fundos do federalismo brasileiro, que envolvem União, estados e municípios. Mas isso envolve uma base legal que leva mais tempo. De imediato, o que nós temos como possibilidade é o uso de uma parte ínfima das reservas internacionais, que iria compor um fundo cujo objetivo é alavancar o investimento público e, sobretudo, privado no país.

O dinheiro então viria das reservas internacionais?

Seria uma parte muito pequena [das reservas internacionais]. Porque há estudos que mostram que nós temos uma reserva excedente às necessidades.

A crise fiscal é apontada por alguns economistas como o principal problema a ser combatido pelo novo governo. Vocês concordam com essa visão? E, se sim, como vocês pretendem resolver a crise fiscal?

Não achamos que a crise fiscal seja a mais importante. Ela é uma das crises que o Brasil vive. A crise de soberania nacional e popular é tão importante quanto o problema fiscal – que nem era tão grave. O atual governo está levando a um desmoronamento das finanças públicas. Nós entendemos que o enfrentamento do problema fiscal deve ser feito através da recuperação da economia. Sem crescimento econômico, torna-se mais difícil enfrentar o problema fiscal. É o que nós estamos vendo nesse governo. Quanto o presidente Lula assumiu em 2003, a dívida líquida do setor público equivalia a 60% do PIB. Quando a presidenta Dilma deixou o governo, a dívida líquida do setor público equivalia a 39,6% do PIB. Hoje, o governo Temer, que assumiu dizendo que o principal problema era o endividamento, tem uma dívida líquida do setor público que equivale a 54% do PIB. Houve um aumento significativo [da dívida pública] justamente entre aqueles que diziam que o problema central do Brasil era a crise fiscal. Também nos anos 1990 nós tivemos o problema fiscal sendo apresentado como o problema mais sério do Brasil. O presidente Fernando Henrique, quando assumiu, a dívida líquida do setor público era 30% do PIB. Ele deixou com 60%.

A nossa experiência de governo é tratar a questão fiscal de forma gradual, como tratamos, não perdendo de vista o compromisso com o crescimento econômico, com a inclusão social, com a busca do pleno emprego e a sustentabilidade ambiental. Não acredito que só com o crescimento econômico você resolva o problema fiscal. Mas sem crescimento econômico fica muito mais difícil enfrentar o problema fiscal.

Como podemos estimular a economia, além do investimento público que o senhor citou?

Não é a retomada do investimento público somente. Nós estamos fazendo um mix de investimento público e privado. O investimento público é uma parte menor do investimento total. Havendo expansão do investimento público, ele torna mais atrativa a retomada do investimento privado. Obviamente, nós estamos falando de um programa emergencial, que parte da necessidade de retomar as obras, como um primeiro passo da recuperação de forma sustentável do Brasil.

Então, como voltar a crescer de forma sustentada? É olhar, basicamente, para ao mercado interno brasileiro. Poucos países têm um potencial de mercado interno como o Brasil tem. E, para isso, evidentemente, há a questão fundamental de enfrentamento da desigualdade, que faz com que nós tenhamos uma parte da sociedade fora do mercado de consumo, inclusive segmentos que foram incluídos, mas que hoje foram expulsos pela ausência de empregos, pela própria redução salarial e até pela reforma trabalhista. Essa estratégia que foi desenhada no Brasil atual enfraquece muito o mercado interno e praticamente impossibilita que o país volte a crescer de forma sustentada.

Como podemos enfrentar a desigualdade?

Nós somos um dos poucos governos recentes que conseguiu reduzir a desigualdade no Brasil. Foi uma redução basicamente sem modificar questões importantes como o tema da tributação, que nos parece um elemento adicional a ser considerado. Obviamente, uma reforma trabalhista que desonere a população mais pobre, que reordene a tributação para os segmentos privilegiados da sociedade, isso requer a participação do parlamento. Há uma base parlamentar que torna mais difícil fazer reformas profundas que o Brasil precisa, especialmente essas que tratam da questão da desigualdade brasileira.

Vocês pretendem fazer uma reforma da Previdência?

Nós estamos olhando o tema da Previdência, entre outros, não como um problema fiscal. No nosso ponto de vista, tem que ser considerado dentro da perspectiva de enfrentamento da desigualdade e dos privilégios que se praticam pelo Estado brasileiro. Até porque as propostas de reforma da Previdência que estão aí não têm impacto imediato no tema fiscal. Não podemos iludir a população querendo dizer que tem que fazer uma mudança brusca na Previdência quando seus impactos fiscais no curto prazo são reduzidos.

Agora há, sem dúvida, a necessidade de reformular [a Previdência] para melhorar o funcionamento. A própria experiência do Partido dos Trabalhadores foi de ter realizado duas reformas no sistema previdenciário. O presidente Lula e a presidenta Dilma fizeram mudanças pontuais, graduais, que ajudam o funcionamento da Previdência. Então, nos afastamos dessas proposições de mudanças profundas, que praticamente desconstituem o sistema previdenciário.

Mas e o déficit da Previdência?

Nós questionamos, na verdade, se há déficit. Hoje, certamente, em função da recessão e da própria reforma trabalhista que foi feita, um desvio de recursos que anteriormente iam para a Previdência através do emprego assalariado. Agora, a gente tem que considerar que não temos um sistema de Previdência e sim um sistema de Seguridade Social. E há recursos que poderiam financiar a Seguridade. Por exemplo, a solução que o governo Temer encontrou para resolver a greve dos caminhoneiros foi reduzir a Cofins. A Cofins é uma contribuição que financia a Seguridade Social, a Previdência. O governo diz que está preocupado em resolver o chamado déficit da Previdência, mas ele não deixou, por exemplo, de fazer os Refis e uma série de contribuições que poderiam ajudar o caixa da Previdência.

O senhor criticou várias vezes a reforma trabalhista feita no governo Temer. O que seria uma reforma trabalhista ideal na visão de um novo governo PT?

Nós não temos isso definido ainda. Partimos do pressuposto que é necessário, na questão do trabalho, garantir condições em busca do trabalho decente, em busca do pleno emprego e, fundamentalmente, com capacidade de haver instituições que representem os anseios tanto dos trabalhadores quanto dos patrões. E que deem conta das novas demandas de trabalho.

Vocês defendem uma reforma tributária?

Princípios orientadores de uma reforma tributária estão relacionados à sua simplificação e a uma tributação progressiva que incorpore as rendas dos segmentos mais privilegiados do país, uma vez que temos um sistema regressivo em que os que menos ganham são o que mais pagam impostos. E há também outro principio da modernização tributária, além de atividades econômicas que estão fora da tributação e a questão da tributação verde.

Por que vocês querem mexer na regra de ouro?

Essa proposta que foi feita é inviável, compromete o funcionamento do Estado e destrói políticas públicas que estão voltadas para garantir o bem-estar da sociedade. Mas é preciso colocar algo no lugar, e esse algo é o que estamos estudando dentro da proposta de governo.

Qual seria o papel das estatais em um eventual novo governo PT?

Hoje, nós temos empresas estatais que estão funcionando cada vez mais com a lógica privada. A natureza da empresa estatal, da empresa pública, é funcionar diferentemente de uma empresa privada. Não há razão de existir uma empresa pública se ela for funcionar como empresa privada. O exemplo concreto é que as empresas públicas devem estar comprometidas com aquilo que justifica a sua própria existência. Por exemplo, nos dias de hoje a Caixa teve um lucro extraordinário. Se a gente for analisar as razões desse lucro extraordinário, ele veio justamente pelo descomprometimento com o financiamento da habitação popular e com o processo de “desbancarização” daqueles pobres que tinham acesso a esse tipo de banco. Então é óbvio que as empresas estatais deverão ter um compromisso com a função pública e não com a lógica privada, principalmente nos segmentos estratégicos, como petróleo e gás e energia.

No caso da Petrobras, vocês defendem uma intervenção na política de preços? São a favor de o governo subsidiar combustível mais barato à população?

O governo Temer interveio na Petrobras colocando alguém vinculado ao mercado financeiro que tem descontruído a empresa em nome de uma grande subordinação aos chamados acionistas. Nos governos Lula e Dilma, o preço do combustível no Brasil sofreu 18 vezes majoração. No governo Temer, mais de 230 vezes de alteração de preço em dois anos. Você está trabalhando com um produto de uso universal, que compromete a formação dos preços. A natureza da Petrobras não é de uma empresa privada. Se for para ela operar como está operando, começa a se questionar qual a razão de ela existir.

O que o novo plano do PT vai tirar de aprendizado dos governos Lula e Dilma?

Existem várias experiências fundamentais a serem recuperadas. Nossa experiência de 13 anos é de compromisso com a democracia, com o crescimento econômico que permita o pleno emprego, a inclusão social e a sustentabilidade ambiental. Essa é a estratégia de um possível governo petista.

O PT será acusado de corrupção e de ser responsável pela crise econômica. Como vocês pretendem responder a essas críticas?

Os sinais de corrupção são evidência de um sistema político contaminado pelo poder econômico. Entre 1994 e 2014, nós tivemos um financiamento empresarial das campanhas eleitorais. Hoje, nós temos uma avaliação crítica. Tanto que o PT defendeu o financiamento público de campanha. O que o PT fez no passado foi o mesmo que os demais partidos fizeram: utilizar os recursos empresariais para a campanha.

E as acusações que as políticas do PT deflagraram grande parte da crise econômica?

Nós governamos o país por 13 anos. Esses 13 anos demonstram a capacidade que o PT teve de enfrentar a crise deixada pelo Fernando Henrique, de forte endividamento e inflação fora de controle; de ser um partido que teve condições de enfrentar a maior crise global do capitalismo, em 2008. Mas um partido que certamente teve dificuldades de fazer mudanças necessárias, principalmente a partir das eleições de 2014, quando uma parte da oposição, que não mais aceitou o resultado eleitoral, passou a defender a saída da presidenta Dilma. [Essa parte da oposição], ao invés de contribuir para os enfrentamentos do país, foi justamente caudatária de medidas chamadas “pauta bomba”, de aumento dos gastos e assim por diante. O problema da situação econômica resultou de um problema de natureza política, já que alguns partidos que haviam sido derrotados sequencialmente em quatro eleições não aceitaram o resultado eleitoral.

O programa vai valer tanto para Lula quanto para outro candidato, caso o ex-presidente não possa se candidatar?

A direção nacional nos solicitou que realizássemos um programa para candidatura do PT. O que temos agora é que vamos lançar a candidatura do presidente Lula.

*Márcio Pochmann é economista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele tem doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente, é professor livre-docente do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp e presidente da Fundação Perdeu Abramo. Pochmann já foi presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e consultor no Sebrae, na Fiesp e no Dieese. No período de 2001 a 2004, em São Paulo, dirigiu a Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade durante o governo da prefeita Marta Suplicy. Nos anos de 2012 e 2016 foi candidato a prefeito de Campinas (SP) pelo PT. Tem mais de 50 livros publicados.

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