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| Foto: Ana Volpe /    SRP

Técnicos no governo federal estão preocupados se o congelamento de gastos públicos federais, imposto pela lei chamada de teto de gastos, será mantido no ano que vem. O risco de estourar o limite de gastos já em 2019 é “enorme”, segundo um desses técnicos. O próximo presidente terá papel fundamental para definir se irá usar sua legitimidade obtida nas urnas para conter o gasto público. Ou a conta pode cair no colo dos brasileiros, resultando em aumento de impostos ou mesmo em mais inflação.

“Estamos fazendo uns cambalachos orçamentários pra fugir dos limites que nós mesmos impusemos”, define um técnico do Poder Executivo. A Emenda Constitucional 95 foi a principal reforma realizada pelo governo de Michel Temer, sob a condução do então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Ela é bastante amarga, com limitação de gastos para todas as áreas, e há dúvida se o próximo presidente vai querer seguir com esse rigor fiscal. 

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Dentro dos ministérios, há pressões para criações de fundos ou projetos que façam os recursos financeiros ficarem fora do orçamento, permitindo furar o teto. No Congresso, há projetos que alteram as regras ou colocam fim a essa política. Até mesmo no Tribunal de Contas da União (TCU), que deveria ser um guardião da boa gestão de recursos públicos, decisões afrouxam a política. 

Entre os cinco candidatos à Presidência da República mais bem colocados nas pesquisas, todos defendem alteração no teto ou revogação. Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT) são os mais contundentes sobre o tema, defendendo inclusive em seus planos de governo a revogação completa do teto. Marina Silva (Rede) critica a proposta e diz ser contra, porém manteria algum corte de gastos. Geraldo Alckmin (PSDB) diz que faria ajustes nas regras. Jair Bolsonaro (PSL) votou a favor da PEC do Teto na Câmara e assessores de sua campanha já afirmaram que a regra seria até aprofundada. 

Flexibilização do teto resultaria em aumento de impostos

A restrição dos gastos é uma medida dura e cujo relaxamento agrada à parte do eleitorado, principalmente porque o debate sobre o tema costumar enveredar por um caminho populista. Mas sem o controle dos gastos, há repercussões negativas para a economia. 

A Instituição Fiscal do Independente (IFI), ligada ao Senado, aponta em estudo sobre o tema que todas as possibilidades de relaxamento ou flexibilização da regra levariam a uma necessidade de aumento de impostos. Um aumento da inflação também seria uma possível consequência. 

“Abandonar o teto de gastos eleva a probabilidade de um quadro de instabilidade e crescimento expressivo do déficit e da dívida pública. Nesse contexto de reduzida confiança em torno do reequilíbrio fiscal, seria muito mais difícil recuperar o crescimento e evitar um quadro de pressões inflacionárias”, afirmou a entidade, em estudo. “...[as alternativas de flexibilização] guardam uma relação direta com a provável necessidade de aumentar a carga tributária, dado que o esforço não observado do lado das despesas precisará ser gerado por elevação de receitas”, continuam.  

E a reforma da Previdência?

A manutenção do Teto de Gastos dependerá do esforço do próximo presidente sobre outro tema polêmico: a aprovação da reforma da Previdência. “Vai depender de quem for eleito e do Congresso. O teto está muito vinculado à reforma da Previdência, que é o que mais coloca pressão nos gastos, tomando 53% do Orçamento no ano que vem, junto com os gastos com o funcionalismo. Vai ser muito importante ver o que acontece com a reforma da Previdência para saber se precisamos manter o teto ou não”, afirmou Juliano Griebeler, diretor de Relações Governamentais da Barral M Jorge Consultoria. 

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Marília Fontes, analista da Nord Research, também vê com otimismo a possibilidade de que a regra do teto não seja abandonada no ano que vem. “Imagino que eles vão manter o teto de gastos, até para dar uma sinalização para o mercado. Eu prefiro acreditar que o pessoal do Congresso, mesmo tento uma retórica populista, tem consciência do grande problema que isso iria criar”, afirmou. 

Mas haverá formas de contornar o limite, caso o futuro presidente não consiga ou não queira enfrentar o desgaste político para realizar a reforma da Previdência. A revisão da Regra de Ouro (lei que impede que o governo federal contrate dívidas e operações de crédito para financiar despesas que não sejam investimentos) seria uma opção. 

Para Grieleber, a chance de que alguma mudança na Previdência seja feita é maior do que a de não acontecer. “Entre os candidatos a presidente, há variações sobre como fariam a reforma, mas a maioria diz que fará algo. Mas vai depender muito da governabilidade no novo presidente. E no primeiro ano de governo é o melhor momento de fazer, para conseguir convencer o Congresso, que teme perder votos ao fazer isso perto de eleição. Alguns candidatos têm dito que primeiro fariam a reforma política. Mas o principal para mostrar compromisso seria a reforma da Previdência e seria uma forma de mostrar a governabilidade”, disse o analista. 

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Marília Fontes explica que a manutenção do teto de gastos ajuda na redução da dívida bruta brasileira, que está em 75% do PIB. Sem corte de gastos, a União deixa de pagar com os juros da dívida pública, gerando déficits primários, o que aumenta mais a dívida bruta. 

“Se não tivermos um controle muito grande dos gastos públicos, a gente vai continuar crescendo a nossa divida. Isso faz com que cada vez a gente gaste mais com os juros da dívida, e não consiga gastar com saúde, educação e segurança. E além disso, a gente pode chegar a aumentar tanto nossa dívida que os investidores deixarão de querer comprar e financiar a nossa dívida”, afirmou a economista. 

Iniciativas de burlar a regra no Congresso e Executivo

Flexibilizar o congelamento de gastos é um discurso que agrada a diversos segmentos, permitindo expansão de despesas com o funcionalismo, aumentos de salários e realização de concursos. No Congresso, diversos projetos e propostas tentam alterar a regra. 

Entre eles, está o projeto de Emenda Constitucional (PEC) apresentado neste mês pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), com apoio de diversos senadores da oposição ao governo de Michel Temer.  O projeto define que ficam de fora do teto de gastos as áreas de saúde, educação, segurança pública, saneamento, ciência e tecnologia, assistência social e gestão ambiental. 

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Outras iniciativas de tentar burlar o teto estão sendo estudadas dentro dos ministérios e também no Congresso. Entre elas, a criação de fundos e agências ligadas ao governo porém que detém autonomia na gestão de seus recursos. 

As associações de classe que representam juízes articulam no Congresso para conseguir separar do orçamento federal a arrecadação com multas e indenizações, criando o Fundo de Modernização do Poder Judiciário da União. Outra tentativa é articulada pelo Poder Executivo, na Medida Provisória (MP) 845, que cria o Fundo de Desenvolvimento Ferroviário Nacional (FNDF), com valores que virão do pagamento de outorga de concessão de ferrovias. 

Até mesmo o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, em um acórdão, uma medida que enfraquece a rigidez do teto. Em decisão de sessão do dia 18 de julho, os ministros decidiram que despesas de órgãos públicos para a realização de concursos podem ficar fora do teto de gastos, contanto que sejam financiadas integralmente pela taxa de inscrição. Assim, apenas o que exceder as receitas das inscrições estaria submetido ao teto. Com isso, os ministros afrouxam o teto e colocam em risco a sinalização do teto.

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