A melhora da economia do Brasil neste ano é notável – a ponto de o viés nas projeções de crescimento para este ano e 2018 ser de alta. O desemprego começou a ceder, com a criação de vagas formais ganhando fôlego em sete meses seguidos de saldo positivo na conta do Caged (no acumulado de janeiro a outubro, foram 300 mil empregos formais criados no país). A inflação está sob controle e a taxa de juros caminha para fechar o ano em seu menor patamar da história, 7%.
O cenário é tão bom que as projeções de longo prazo da equipe do banco Itaú parecem inacreditáveis. Os economistas do banco estimam que a inflação vai ficar abaixo de 4% até 2022, acompanhada de uma taxa de juros média de no máximo 7%, dólar estável em R$ 3,30 e crescimento médio do PIB acima de 2%.
O problema desse tipo de estimativa de longo prazo é que ela parte de premissas que envolvem riscos – o Itaú, por exemplo, parte do princípio de que as reformas vão passar e a dívida pública praticamente vai parar de subir em 2022. E o mercado hoje ainda não acredita que esse cenário é de fato possível. Há vários sinais de que a desconfiança no mercado é de que o Brasil tem grandes chances de quebrar de novo “na esquina” da maior recessão de sua história.
Se as premissas usadas pelo Itaú fossem consenso, a curva do mercado futuro de juros não seria tão acentuada. O mercado está cobrando uma taxa de quase 10% ao ano em títulos do governo que vencem em 2023. E embute-se uma taxa real de juros de 5,3% e títulos que pagam juros mais inflação com vencimento a partir de 2035. A diferença do potencial de ter juros de 7% ao ano e o pagamento de 10% ao ano é o risco de as coisas darem errado.
A curva de juros se acentuou no último mês. O movimento foi acompanhado por uma alta no risco-país, uma medida do prêmio cobrado por investidores estrangeiros para investir no Brasil. O risco-país brasileiro caiu a 233 pontos em 23 de outubro e vem subindo desde então, chegando a 259 pontos na última semana – um crescimento de 10%.
A melhora na economia real também não foi acompanhada de revisões da agências de risco. O Brasil continua longe de recuperar o grau de investimento – o selo de bom pagador. A última agência a se manifestar foi a Fitch e ela manteve a perspectiva negativa para a nota de crédito do país, em grande medida por causa da situação delicada das contas públicas. “A perspectiva negativa reflete as incertezas a respeito da força e sustentabilidade da recuperação econômica do Brasil, as perspectivas de estabilização da dívida no médio prazo devido aos grandes déficits fiscais e o progresso da agenda legislativa, especialmente a reforma da Previdência”, diz o relatório.
O desafio das contas públicas vai continuar a ser um problema pelos próximos anos. A Fitch calcula que a dívida brasileira chegará a 76% do PIB neste ano e 80% do PIB no ano que vem. Somente o andamento das reformas, em especial a da Previdência, mudaria esse ritmo de crescimento.
A equipe econômica do Bradesco fez uma comparação entre o Brasil e outros países em diferentes níveis de risco apontados pelas agências de crédito. A dívida bruta brasileira, de 77% do PIB na conta feita pelo banco, é maior do que a média dos países que têm rating especulativo (60%) e está bem acima dos países que estão nos primeiros estágios do investment grade (51%). O gasto com juros também é mais elevado no Brasil: 18% da receita pública, contra 12% em outros países em grau especulativo e 7% nos primeiros com grau de investimento.
O esforço que o país terá de fazer para voltar a ter a confiança do mercado está em um nível muito mais elevado do que parece ser sua capacidade política para lidar com o problema. O governo Michel Temer já anunciou que vai apresentar uma reforma da Previdência menos profunda do que pensado originalmente. Fala-se em uma economia de R$ 400 bilhões em dez anos, contra R$ 800 bilhões no projeto original. A desidratação do texto, considerado o mais importante para o controle do gasto no médio prazo, pode continuar no Congresso – isso em um cenário em que ele for aprovado.
Para a equipe do Bradesco, sem a reforma, os gastos com a Previdência vão crescer em uma proporção tal que vão exigir o corte de outras despesas em um ritmo de 30% ao ano a partir de 2025 para o cumprimento do teto de gastos. Esse seria o principal motivador para que o Congresso aprovasse esta reforma e avançasse em outras propostas, como o projeto que torna mais rigorosa a aplicação do teto de salários para o funcionalismo e as MPs que mexem no bolso dos servidores.
O cenário mais benigno para o país hoje é que, com um ajuste no gasto, haverá espaço para o crescimento ficar na faixa dos 2% a 3% ao ano, com juros controlados em 7%. Nas contas do Bradesco, essa composição levaria a uma queda na dívida bruta a partir de 2024, após atingir um pico de 90% do PIB.
Muita coisa tem de dar certo, portanto, para que a dívida pública brasileira não passe de 90% do PIB. Os bancos provavelmente vão refazer as contas quando sair a nova proposta para a Previdência. Uma economia de R$ 40 bilhões ao ano para um país com déficit primário (antes do pagamento de juros) de R$ 159 bilhões não chega a ser uma solução ideal. O governo atual e o que for eleito em 2018 terão de fazer mais ajustes, inclusive para aumentar a receita (com privatizações, fim de desonerações e o fechamento das torneiras que salvaram Temer do processo no STF).
Ao precificar juros altos, o mercado também transmite ceticismo em relação à capacidade do governo de manter o teto de gastos funcionando. A lei estipula que os gastos só podem repor a inflação pelo menos até 2027 e permite que os superávits primários sejam recuperados rapidamente quando a economia voltar a crescer – entre 2020 e 2021. Só que tudo pode dar erra do por causa do crescimento dos gastos obrigatórios. Uma projeção da Instituição Fiscal Independente do Senado mostra que o teto estouraria já em 2022, sem a reforma da Previdência, e em 2025, com a reforma. Na prática, o próximo governo provavelmente terá de rediscutir o teto e a estrutura de gastos obrigatórios, que inclui Previdência, funcionalismo, saúde e educação.
A situação fiscal do Brasil, portanto, é complexa e vai exigir mais do que uma reforma meia boca da Previdência para ser vencida no longo prazo. Enquanto isso, o país vai continuar pagando caro, fora do clube dos melhores destinos para investidores.
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