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| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Um ano e meio após a sanção da Lei das Estatais – criada para dar um caráter mais técnico às administrações de empresas públicas –, mais da metade ainda não cumpre a legislação. Mesmo bancos federais têm em suas diretorias e vice-presidências executivos indicados por deputados e senadores de partidos da atual base aliada do governo Michel Temer, entre eles, MDB, PSDB, PP, PSD e Solidariedade.

O prazo para que elas ajustem seus estatutos às novas regras termina no dia 30 de julho. Das 147 estatais da União, 84 não aprovaram as mudanças que tentam barrar ingerência política. O levantamento, obtido pelo Estadão/Broadcast, foi feito pelo Ministério do Planejamento.

Sancionada pelo presidente Michel Temer em junho de 2016, a nova legislação exige, entre outros critérios, dez anos de atuação em cargos de empresas do setor ou quatro anos em companhias similares como experiência profissional. As regras, no entanto, não impediram que as indicações políticas continuassem sendo uma prática comum em bancos oficiais.

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Na maioria dos casos, os executivos são funcionários de carreira, mas só chegaram a cargos de chefia na instituição após serem apadrinhados por algum parlamentar. O atual presidente da Caixa, Gilberto Occhi, por exemplo, cumpre as exigências de experiência, mas só chegou ao comando do banco estatal com as bênçãos do PP – o que ele não nega.

Os apadrinhamentos em bancos públicos chamam atenção no momento em que a Caixa se viu obrigada a antecipar a adoção de regras mais rígidas na escolha de seus executivos, em meio ao afastamento de quatro vice-presidentes por suspeitas de corrupção e irregularidades – um deles foi restituído ao cargo nesta semana.

Estatais estão acima dos interesses de um governo

“As estatais não podem ficar à mercê de um governo e de seus interesses”, diz o economista Sérgio Lazzarini, professor do Insper. “Ações populistas podem afetar a sustentabilidade financeira dessas empresas.” Ele afirma que o novo estatuto da Caixa vai na direção correta, mas não acaba com o risco de ingerência política. “É positivo criar dificuldades para essa mão política, como a maior exigência de critérios técnicos para um determinado cargo, mas isso não impede que exista uma pessoa com o perfil exigido pela lei e que seja indicada politicamente”, diz.

Para o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, coordenador da força-tarefa da operação Greenfield, responsável pelo pedido de afastamento dos vices da Caixa, as indicações políticas podem ter desequilibrado o mercado financeiro, já que o banco público emprestava com juros menores a quem não deveria.

“A pergunta que deve existir é: qual é o interesse de indicar pessoas com comprometimento político para a direção das estatais?”, disse em entrevista publicada esta semana no jornal O Estado de S. Paulo. “É justamente gerar um relacionamento espúrio entre quem está ali alocado e com os patrocinadores políticos e as empresas que acabam tendo acesso diferenciado a essa estatal, por conta da vinculação política.”

Os partidos, no entanto, afirmam que não pode haver “demonização” nas indicações. O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, afirmou que é possível que os bancos se enquadrem nas novas regras e ainda assim mantenham as indicações políticas. “Dissociar completamente a atuação do banco público da atuação do governo é uma coisa hipócrita e contraproducente”, afirmou.

Coordenador da bancada do Nordeste na Câmara, o deputado Julio César (PP-PI) disse não ver problema, desde que os diretores ou vice-presidentes tenham perfil adequado e os bancos tragam resultados. “Não questiono indicações, questiono resultados, e o Banco do Nordeste tem dado grandes resultados na aplicação do FNE [Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste].”

Procurados, o BB informou que todas as indicações seguem regras de governança do banco que são baseadas nas “melhores práticas do mercado”. O Banco do Nordeste afirmou que todos os executivos cumprem as exigências da Lei das Estatais. Caixa e Banco da Amazônia não se manifestaram.

Mais da metade das empresas federais não cumpre lei

Das 147 empresas estatais do governo federal, 63 já fizeram as mudanças necessárias, entre elas BNDES, Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil e, mais recentemente, Caixa. O banco estatal se adequou à Lei das Estatais dias depois de ter afastado quatro vice-presidentes por suspeitas de irregularidades (um acabou sendo reconduzido). Dos 12 vices da Caixa, apenas um não era indicado de partidos políticos.

A Lei das Estatais foi uma das primeiras sancionadas pelo presidente Michel Temer, que defendeu a necessidade de “sanear” empresas públicas após uma série de escândalos sobre desvios de recursos e ingerência política, embora diversas legendas aliadas do governo, incluindo o próprio partido do presidente (PMDB), façam indicações políticas para cargos de alto escalão.

A lei proíbe, por exemplo, indicação de dirigentes políticos e de parlamentares (mesmo licenciados) a cargos de presidente, diretor e membro de conselho de administração de estatais. Também estabelece regras para o funcionamento de comitês e conselhos, com o objetivo de melhorar as práticas dentro das companhias.

Apesar das exigências técnicas, não existe uma regra específica para barrar a indicação de pessoas ligadas a políticos, mas que não sejam parentes ou não tenham relação formal com partidos. “A lei estabelece claramente os critérios positivos e negativos. Se a pessoa entra naqueles critérios, ela é apta a exercer o cargo, independentemente da indicação política”, diz o secretário de Empresas Estatais do Ministério do Planejamento, Fernando Soares.

Segundo ele, a determinação no governo é buscar pessoas qualificadas, mas não se pode correr o risco de “demonizar” a política. O secretário lembrou ainda que o governo é “dono” da estatal e pode fazer indicações, assim como um controlador de uma empresa privada.

Os gestores indicados antes da vigência da lei não precisam ser destituídos. Mas o secretário garante que os critérios técnicos serão cobrados na renovação dos mandatos, impedindo reconduções de quem não tem as competências exigidas. “Isso [manutenção do cargo] não é um problema. Pode falar que é um problema político e técnico, mas não é jurídico. Não é nenhuma ilegalidade. Ele tem direito a cumprir aquele mandato. Vai renovar? Não”, diz.

Entre as 84 que faltam, estão os Correios. Em grave dificuldade financeira e com um histórico de interferência política, a empresa já aprovou internamente o novo estatuto e deve apreciá-lo em assembleia-geral no dia 30 deste mês. A estatal informou que adotou medidas de forma antecipada, entre elas a inclusão dos requisitos e vedações para administradores e conselheiros.

Quem não cumprir o calendário estará sujeito à fiscalização dos órgãos controladores a partir de 1.º de julho.

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