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Ex-ministro José Dirceu deicou o cárcere com uma tornozeleira eletrônica. | Rodrigo Félix Leal/Estadão Conteúdo
Ex-ministro José Dirceu deicou o cárcere com uma tornozeleira eletrônica.| Foto: Rodrigo Félix Leal/Estadão Conteúdo

A soltura do ex-ministro José Dirceu, determinada na terça-feira (2) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi uma vitória jurídica para os acusados pela Lava Jato ao reconhecer o direito de um condenado em primeira instância não permanecer preso. Mas, ao mesmo tempo, a decisão do Supremo enfraquece o discurso político de que há perseguição contra os acusados e de que o Judiciário criou um Estado de exceção no país. Afinal, o devido processo legal foi seguido. E, goste-se ou não da libertação de Dirceu, a decisão mostra que as instituições de controle estão funcionando.

O cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), afirma que há uma forte razão para que o discurso de que a Lava Jato é política encontre tanto respaldo entre os acusados. No caso do PT, trata-se de uma estratégia de redução de danos. Até de salvação da sigla. Segundo Fleischer, a operação foi um duro golpe no partido: influenciou decisivamente no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e também no mau resultado da legenda nas eleições do ano passado.

Carta

Pouco antes da decisão do STF, Dirceu escreveu uma carta em que afirmou: “Juízes e promotores têm lado, ideologia, são aliados de forças políticas e econômicas que deram o golpe [contra Dilma]”. É uma declaração cujo conteúdo vem sendo repetido à exaustão desde que a Lava Jato chegou à cúpula do PT – embora a investigação atualmente já tenha atingido vários partidos que faziam oposição aos petistas.

“De certa maneira, a decisão [de soltar José Dirceu] enfraquece o discurso de perseguição política. Mas uma condenação em segunda instância pode reacender esse argumento”, diz Fleischer.

Dirceu tem duas condenações na Lava Jato em primeira instância. Ainda aguarda julgamento do juízo de segundo grau – no caso, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4). Decisão recente do Supremo estabeleceu que uma pessoa só pode ser presa após condenação em segunda instância. Aliás, esse foi o principal argumento do STF para conceder o habeas corpus a Dirceu. O ex-ministro estava preso provisoriamente desde agosto de 2015.

Fleischer lembra ainda que as prisões indefinidas acabavam por incentivar as delações premiadas – apesar de os integrantes da Lava Jato negarem que esse seja o objetivo das detenções prolongadas.

Devido processo legal

O cientista político Pedro Fassoni, professor da PUC-SP, também acredita que a soltura de condenados em primeira instância tende a enfraquecer o discurso beligerante dos réus e dos partidos contra a atuação da Justiça. Fassoni lembra que a Lava Jato vem recebendo acusações de ser parcial e partidária e de ter cometido exageros – críticas que ele endossa. Para Fassoni, a decisão do Supremo restabelece o devido processo legal.

O advogado criminalista Cezar Bitencourt, também crítico da Lava Jato, afirma que o Supremo demorou para conter o que considera ser um abuso da operação: as prisões provisórias com prazo indefinido. “Não é uma questão de ser contra a Lava Jato e o combate à corrupção, mas de defender que o processo legal siga sua ordem natural”, diz.

Bitencourt acredita que os habeas corpus de prisões muito prolongadas serão uma tendência daqui para frente. Além de Dirceu, na semana passada o STF havia determinado a soltura do ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu e do pecuarista José Carlos Bumlai, ambos acusados pela Lava Jato.

Para o criminalista, a decisão do Supremo de soltá-los também tende a acelerar, na segunda instância, o julgamento dos condenados por Moro – quando ele então podem eventualmente passar a cumprir a pena de forma definitiva. Na sessão de terça (2), o ministro do STF Ricardo Lewandowski inclusive cobrou do TRF4 o julgamento de José Dirceu.

OS ARGUMENTOS CONTRA E A FAVOR DE DIRCEU

Do ponto de vista jurídico, a sessão de terça-feira (2) da Segunda Turma do STF, que determinou a soltura de José Dirceu, teve uma guerra de argumentos tanto a favor como contrários ao ex-ministro.

O relator da Lava Jato no Supremo, Luiz Edson Fachin, afirmou que a manutenção da prisão provisória de Dirceu era necessária por ele ser reincidente no crime: participou do esquema investigado pela Lava Jato mesmo depois de ter sido condenado no mensalão. Fachin foi acompanhado no voto pelo ministro Celso de Mello, que viu risco de Dirceu continuar a cometer crimes se fosse solto e de vir a atrapalhar as investigações em andamento.

Esses argumentos foram derrotados pela tese central da defesa de Dirceu: de que, segundo entendimento do próprio STF, um condenado em primeira instância não pode cumprir pena de prisão; apenas se tiver essa sentença confirmada pelo juízo de segundo grau.

“A prisão preventiva não pode ser utilizada como um instrumento antecipado de punição”, afirmou o ministro Dias Toffoli. Ele também reconheceu a possibilidade de Dirceu voltar a cometer crime se for colocado em liberdade. Mas afirmou que há outras formas, que não a prisão, para coibir isso – a tornozeleira eletrônica é uma delas.

Ricardo Lewandowski disse considerar que a possibilidade de Dirceu voltar a cometer crimes é “remotíssima, senão impossível”. O entendimento é de que, como o PT perdeu o poder, o ex-ministro não tem mais possibilidade de influenciar nas investigações.

Tom político

Gilmar Mendes foi quem deu o tom mais político e menos técnico ao decidir a favor de Dirceu. Em seu voto, criticou o Ministério Público Federal (MPF). Pouco antes do julgamento, o MPF havia apresentado uma nova denúncia contra Dirceu – o que Mendes considerou ser uma tentativa infantil de pressionar o Supremo.

Já o procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol, em sua página no Facebook, publicou um texto em que classificou a decisão do STF de ser incoerente. Ele citou três casos para embasar seu argumento.

Um deles é o do ex-prefeito Delano Parente, do município de Redenção do Gurgueia (Piauí), com apenas 8.618 habitantes. Em fevereiro, o STF entendeu que ele deveria ser mantido preso, mesmo não sendo mais prefeito, sob a acusação de ter desviado R$ 17 milhões. Dallagnol lembrou que Dirceu é acusado pelos mesmos crimes e por desvios maiores, de R$ 19 milhões.

Outro caso é o de Thiago Maurício Sá, conhecido como Thiago Poeta, preso há mais de dois anos (mais tempo que Dirceu). Segundo Dallagnol, Thiago Poeta foi detido com 162 gramas de cocaína e 10 gramas de maconha e é acusado de tráfico de drogas. Já Alef Gustavo Silva Saraiva, réu primário, foi preso com menos de 150 gramas de cocaína e maconha. E, após quase um ano preso, seu habeas corpus foi negado pelo Supremo.

“Diz-se que o tráfico de drogas gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também. A grande corrupção e o tráfico matam igualmente. Enquanto o tráfico se associa à violência barulhenta, a corrupção mata pela falta de remédios, por buracos em estradas e pela pobreza. (...) A mudança do cenário, dos morros para gabinetes requintados, não muda a realidade sangrenta da corrupção. Gostaria de poder entender o tratamento diferenciado que recebeu José Dirceu, quando comparado aos casos acima”, escreveu Dallagnol.

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