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 | Alexandra MartinsCâmara dos Deputados
| Foto: Alexandra MartinsCâmara dos Deputados

No final de outubro de 2010, Lula ainda era presidente, mas não tinha conquistado o hexa (as incríveis seis denúncias por suposto envolvimento em diferentes escândalos de corrupção). Havia acabado de eleger um poste para sucedê-lo, o PIB fecharia o ano com um crescimento de 7,5%, a aprovação popular estava nas alturas. Numa entrevista quebra-queixo na entrada do Palácio do Planalto, foi perguntado sobre o fato de Tiririca (PR-SP) ter sido o deputado federal mais votado naquele ano.

Começou a olhar para todos os repórteres e respondeu que não tinha muito o que achar, afinal, o Congresso tinha o mesmo rosto de quem estava ali e, por consequência, do restante do Brasil. “O Tiririca é a cara da sociedade.” Lula, como se sabe, fala muita bobagem. Mas essa não é uma delas.

Quando uma sociedade se dá ao luxo de brincar com a escolha de quem vai cuidar das suas leis, não pode reclamar da piada de mau gosto que se transformou o sistema político brasileiro. Há duas décadas, perdemos tempo e saúde mental com uma polarização “ideológica” entre PT e PSDB na disputa presidencial e negligenciamos a desgraça que elegemos para o Congresso.

Nunca antes na história do país a conta disso ficou tão alta. Caíram os petistas, os tucanos vão pela mesma draga e, na hipótese iminente de Michel Temer ser apeado do Planalto, estaremos nas mãos de deputados e senadores pulverizados em quase 30 partidos. Não se engane: esse imenso balaio de gatos é capaz de qualquer coisa, até eleger o Tiririca.

É só puxar o histórico recente de escolha das excelências. Em 2003, elegeram como seu presidente João Paulo Cunha (PT-SP), posteriormente condenado no julgamento do mensalão. Em 2005, foi a vez de Severino Cavalcanti (PP-PE), aquele que cobrava mensalinho pela operação do restaurante da Câmara e que acabou cassado. Em 2013, Andre Vargas (ex-PT-PR) foi escolhido vice-presidente da Casa – hoje ele está preso em Pinhais, condenado a 18 anos e 10 meses de prisão pelo juiz Sergio Moro na Lava Jato.

Se você achou esse retrospecto ruim, terá frio na espinha se pensar no comportamento dos parlamentares da atual legislatura (2015-2019). Entre 2015 e 2017, os senadores foram comandados por Renan Calheiros (PMDB-AL), que, bem, é Renan Calheiros. Enquanto isso, os deputados se vangloriavam de um líder como Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também preso condenado por Moro.

Para encerrar, a Câmara é atualmente dirigida pelo “Botafogo” e o Senado pelo “Índio”, codinomes de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (PMDB-CE) nas delações da Odebrecht. Com tanta escolha de primeira, Tiririca até começa a parecer um mal menor – pelo menos não é acusado de corrupção.

Nada disso, contudo, invalida a obrigação do país de seguir as regras vigentes. A Constituição manda eleição indireta e mudar as regras com o jogo em andamento é certeza de lambança. Mas, e se a eleição fosse direta? Pesquisas indicam uma mais do que temerosa polarização entre Lula e Jair Bolsonaro.

O que prova que não somos muito melhores que os congressistas que elegemos. Eles são a cara da sociedade. E ela não é bonita.

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