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Rogério Greco, secretário de segurança de Minas Gerais
Secretário de Segurança de Romeu Zema, Rogério Greco, diz que ações de segurança da União são de “faz-de-conta”.| Foto: Tiago Ciccarini /Ascom Governo de Minas Gerais

Ao fim da última segunda-feira (23), marcada por dois eventos de violência que abalaram o país – o ataque solitário a uma escola pública paulistana e os atos de vandalismo cometidos por facção criminosa no Rio numa escala inédita –, o secretário de Segurança de Minas Gerais, Rogério Greco, atribuiu boa parte do aumento da sensação de insegurança no Brasil a entendimentos equivocados do Supremo Tribunal Federal (STF), à atuação insuficiente do governo federal e ao histórico de corrupção generalizada, sobretudo na política do Rio de Janeiro.

Greco integra o governo de Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais, mas é carioca e conhece os problemas de violência do Rio de Janeiro. Nesta entrevista à Gazeta do Povo, ele declara que as ações anunciadas para a segurança pública ao longo de 10 meses de governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) são “faz-de-conta”. Mas avalia que o maior obstáculo ao combate à criminalidade ainda vem da decisão na pandemia, em junho de 2020, do ministro Edson Fachin, do STF, de apenas autorizar operações policiais em comunidades carentes do Rio em “hipóteses absolutamente excepcionais”, com justificativa por escrito ao Ministério Público. “Temos 60 mil traficantes armados com fuzis na cidade. Isso não é excepcional?”, provoca.

Acadêmico com formação internacional em segurança e direito penal, o secretário foi procurador do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) por três décadas e está no cargo desde fevereiro de 2021. Nele, conquistou para Minas a marca de dois anos seguidos como o estado mais seguro do Brasil, conforme o Ministério da Justiça. Greco foi um dos palestrantes mais aplaudidos da edição brasileira do CPAC 2023, maior evento conservador do mundo, realizado no fim de setembro em Belo Horizonte, quando fez duras críticas à postura de ministros do STF e à leniência com o crime.

Defensor da posse e do porte de armas de fogo para a autodefesa de cidadãos, ele rechaça as afirmações de Lula e do ministro da Justiça, Flávio Dino, que relacionam o aumento da criminalidade em geral e de episódios como o do atentado na escola em particular à política armamentista do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). “Esse discurso não faz o menor sentido”, disse. Veja os principais trechos da entrevista.

Como o senhor avalia a afirmação do presidente Lula de que a crescente sensação de insegurança no país está relacionada ao acesso facilitado de cidadãos às armas de fogo durante o governo do antecessor Bolsonaro?

Rogério Greco: Honestamente, esse discurso não faz o menor sentido, pois os episódios de violência não têm conexão direta com a posse e o porte de armas por civis. A aquisição desses bens por cidadãos honestos não serve ao crime, bastando observar que a quase totalidade das armas apreendidas pela polícia com bandidos não tem sua origem em fornecedores de armas legais. As raras exceções confirmam a regra. Assim, a responsabilidade dada a CACs (colecionadores, atiradores esportivos e caçadores) é falaciosa. O discurso que atribui à compra de armas por cidadãos honestos à violência atual morre ao se checar qual a procedência dos armamentos apreendidos com bandidos. Não tenho conhecimento que facções criminosas estejam sendo armadas por este canal de armas legais. Além disso, não é qualquer pessoa que pode ser CAC. Creio que o foco dessa afirmação é acabar com os clubes de tiro e com toda a posse particular.

Qual é a visão do senhor sobre o caos na segurança pública no país, com destaque para estados como Rio de Janeiro e Bahia? Ele tem relação com a mudança de governo federal, comemorada nos presídios?

Rogério Greco: Esse quadro tem seu principal fator em decisões equivocadas do Supremo Tribunal Federal (STF), sobretudo a tomada pelo ministro Edson Fachin, durante a pandemia, de autorizar operações policiais em comunidades carentes do Rio apenas em situações “absolutamente excepcionais” e bem fundamentadas perante o Ministério Público. Ora, a presença de 60 mil traficantes armados com fuzis na cidade não é algo excepcional? A violência só vai ceder quando a polícia puder voltar a ser capaz de cumprir seu papel. Uma prova disso e que ainda serve de exemplo foi o sucesso das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) implantadas no Rio no começo dos anos 2000. As UPPs mudaram a lógica, com pacificação e reocupação dos espaços pelo Estado. Infelizmente, a corrupção na política fluminense acabou com tudo. Hoje basta entrar numa comunidade para se deparar com domínio absoluto da ilegalidade, com emaranhado de fiações clandestinas por cima das cabeças das pessoas. O caso da Bahia, por sua vez, é emblemático. Se fosse um estado governado por partido de oposição, já estaria sob intervenção federal. Com o registro de dezenas de mortes violentas este ano, não é possível ignorar o descontrole da situação local.

Como limitações impostas pelo STF minaram o enfrentamento do tráfico de drogas e do controle da criminalidade nas comunidades carentes?

Rogério Greco: Veja só o caso do impedimento do uso de aeronaves em operações nessas áreas. Enxergam de forma equivocada essa situação como algo semelhante às cenas da Guerra do Vietnã, alegando ser um equívoco. Mas a experiência internacional mostra e a nossa própria que a abordagem é eficaz e não tem o caráter opressivo sobre a população, criando condições para a incursões por terra. Enfatizo a importância de combater o crime organizado com o reforço da presença do Estado nas áreas dominadas pelo tráfico, para garantir a segurança da população. É imperativo estar presente em todo território, assegurando garantias mínimas de sobrevivência para a população, com especial atenção à segurança pública. Isso ficou explícito nesta segunda-feira (23) com o terrorismo deflagrado após a morte de um miliciano. A razão de tudo é que a polícia não consegue entrar nas comunidades tomadas pelo tráfico. Facções criminosas são territoriais e até mesmo as ruas do seu entorno estão sob seu domínio. Não raro, as pessoas são mortas por inadvertidamente cruzarem “fronteiras”.

O governo do Rio de Janeiro conseguirá sair dessa crise de segurança sozinho? A União está ajudando de alguma forma?

Rogério Greco: O reforço da Força Nacional de Segurança Pública com apenas 150 homens para tentar conter a situação no Rio de Janeiro só pode ser piada. Com dezenas de milhares de traficantes armados, ocupando territórios de forma absoluta, é preciso bem mais efetivos, recursos e planejamento. Mas, de toda forma, acredito que as forças de segurança do estado já poderiam estar contendo essa criminalidade. Seus oficiais têm capacidade e conhecimento especializado para tal. A violência no Rio só vai ceder quando o STF deixar a polícia cumprir sua missão. É fundamental que toda a Justiça penal se comprometa com a pacificação pelo Estado. A soltura de criminosos notórios, como o ex-governador Sérgio Cabral, condenado a 400 anos de prisão e que agora posa de conselheiro empresarial, além de ser tema de escola de samba no próximo Carnaval, e as restrições ao trabalho policial em nada ajudam.

Então o discurso do ministro Flávio Dino, da Justiça, de que medidas estão sendo tomadas e que a União está reagindo ao crime não procede?

Rogério Greco: O ministro é um falastrão. Os anúncios de planos do governo federal são meros faz-de-conta, histórias para ocupar espaços de respostas. E não adianta falar em recriar o Ministério da Segurança Pública. A questão central não é essa. É preciso de alguém à frente da missão com capacidade para ela. Tem de ter conhecimento do tema e sendo apenas político não dá garantia de bom resultado. Precisamos virar esse jogo contra o crime, tal qual em Medelín, Colômbia, libertada do assustador domínio do traficante Pablo Escobar. O problema do Brasil é que tudo acaba hoje em meme de internet e isso só não resolve nada. Resolve quando o Congresso se debruçar sobre questões reais, como fez agora o Senado ao iniciar uma reforma do STF. O cargo de ministro da Suprema Corte é hoje o mais importante do Brasil, pois basta dar uma canetada para decidir sobre temas complexos e de amplo alcance como o aborto e o porte de arma e drogas, tudo sem se importar com a legislação nem mesmo com a Constituição. Bem que Ruy Barbosa dizia que a pior ditadura é a do Judiciário, porque contra ela ninguém tem a quem recorrer.

Estamos então diante de uma batalha perdida?

Rogério Greco: Não. É bem possível vencê-la. Só precisamos não conviver mais com Estado paralelo. O traficante é como o comerciante que luta para manter pontos de venda, só que não encontra limites para isso, impondo a morte se quiser. A recente chacina dos médicos na Barra da Tijuca mostrou uma sociedade que introjetou a violência como algo comum, constante e generalizado. Portanto, a batalha contra o crime vai além da questão restrita da segurança, pois envolve a política e a cultura. Na minha época de Colégio Pedro II, quando o professor entrava, a gente se levantava; quando o professor saía, a gente se levantava. Havia respeito, na verdade. Hoje a sociedade mudou. Hoje, o jovem na comunidade do Rio quer portar fuzil para chamar a atenção da namorada, para conquistar prestígio e para exercer poder local. Assistir às cenas de grupos armados fazendo treinos e se perfilando como exércitos assusta e ainda desafia o Estado brasileiro. Nessa guerra cultural, precisamos revalorizar profissões e posturas como referência. O crime não pode ocupar este lugar. Mas, infelizmente, até o civismo está sendo ridicularizado.

Qual o papel da segurança para a prosperidade econômica de uma sociedade?

Rogério Greco: Garantir segurança é o princípio para atrair empresas e gerar empregos. Com o passar do tempo, o cenário do crime tem se tornado mais complexo, demandando resposta eficaz por parte das autoridades. Hoje em dia, observamos criminosos estabelecendo verdadeiras estruturas paralelas de poder, assumindo o controle de comunidades, recrutando seguidores, manipulando relações e fomentando a violência. Essas são as organizações criminosas, um inimigo bem armado e organizado que o Estado deve enfrentar. A necessidade de ação imediata por parte do Estado para restabelecer a paz, bem jurídico fundamental segue inegável. Um exemplo disso ocorreu em 2007, quando o governo fluminense, apoiado pela Marinha e Polícia Federal, realizou operação no Complexo do Alemão para retomar o controle do território.

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