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Bolsonaro
Relator rejeitou pedidos iniciais da defesa de Bolsonaro para enterrar o processo e foi seguido por unanimidade no TSE| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Uma das primeiras ações apresentadas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para tornar Jair Bolsonaro inelegível começou a ganhar impulso. Apresentada pelo PDT em julho, ela acusa o presidente de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação na realização, em julho, de uma reunião com embaixadores, no Palácio da Alvorada, para questionar a integridade das urnas eletrônicas e a imparcialidade do TSE.

Hoje, dentro da Corte, trata-se de uma das 16 ações de investigação judicial eleitoral (Aije) com maior potencial de avanço, por tocar num ponto bastante incômodo para os ministros: o questionamento da lisura do pleito, que Bolsonaro fez ao longo de quase todo o mandato e se intensificou no ano anterior à eleição. Na última terça-feira (12), ao diplomar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, prometeu punição.

Disse que a Justiça Eleitoral se preparou para combater com eficácia, eficiência e celeridade os ataques antidemocráticos ao Estado de Direito”, incluindo aí aqueles desferidos contra o sistema eleitoral, a democracia, e aos próprios ministros. “Essa diplomação atesta a vitória plena e incontestável da Democracia e do Estado de Direito contra os ataques antidemocráticos, contra a desinformação e contra o discurso de ódio proferidos por diversos grupos organizados que, já identificados, garanto serão integralmente responsabilizados. Para que isso não retorne nas próximas eleições”, afirmou o ministro.

Na terça-feira (13), dia seguinte à diplomação e a uma série de atos de vandalismo, que teriam sido cometidos por apoiadores de Bolsonaro em Brasília, o TSE fez a ação do PDT avançar. Por unanimidade, os ministros referendaram uma decisão do relator Benedito Gonçalves, que rejeitou pedidos da defesa de Bolsonaro para enterrar o caso logo em seu início. No dia seguinte, o ministro admitiu a tramitação de outra ação semelhante, do PT, que busca tornar Bolsonaro e outros aliados inelegíveis, pelo mesmo motivo: questionamento das urnas eletrônicas.

“A conduta descrita na petição inicial diz respeito, em síntese, ao desenvolvimento de um projeto de poder político-eleitoral assentado na descredibilização do sistema eleitoral e, mesmo, das instituições democráticas, tendo por principal ferramenta de difusão o uso massivo das redes sociais. Narra-se que, ao menos desde o período pós-eleições em 2018, e com intensificação crescente ao longo do ano de 2022, os investigados se empenharam em difundir notícias falsas a respeito do funcionamento da urna eletrônica e ataques ao STF e ao TSE, com o objetivo de abalar a confiança do eleitorado e, como decorrência de um estado de espírito formatado por teorias conspiratórias sobre irreal perseguição ao atual Presidente da República, atrair apoiadores e mobilizá-los, levando até mesmo para a prática de atos antidemocráticos, até mesmo com emprego de violência”, registrou Benedito Gonçalves.

Assim como na ação do PDT, o PT acusa o presidente de desvio de finalidade e abuso de poder político. Até o momento, a defesa de Bolsonaro não se defendeu na ação do PT. Na do PDT, apresentada ainda em julho, tentou arquivar o caso levantando falhas processuais.

Nas chamadas questões preliminares, os advogados do presidente alegavam que a ação não deveria ter sequência basicamente por dois motivos: não caberia à Justiça Eleitoral julgar o caso e, caso ele avançasse, a União também deveria ser parte no processo, na condição de ré.

Para justificar o primeiro pedido, a defesa argumentou que a reunião com embaixadores não foi um ato de campanha, mas de governo ou mesmo de Estado. O objetivo de Bolsonaro não seria se promover eleitoralmente, nem atacar adversários na disputa, mas discutir a transparência das urnas e a condução do processo eleitoral pelo TSE. “Não se cuidou de eleições! Não se pediu votos! Não houve ataque a oponentes! E não houve a apresentação comparativa de candidaturas!”, afirmaram os advogados na contestação.

Com isso, tentaram rechaçar a acusação de que teria ocorrido desvio de finalidade no uso de bens públicos – a residência oficial, a convocação de reunião diplomática e a transmissão do evento pela TV Brasil – para favorecimento eleitoral. Em contraposição, o PDT disse que o discurso crítico ao sistema eleitoral foi uma “estratégia amoldada” à campanha de Bolsonaro.

O segundo pedido, de inclusão da TV Brasil, foi justificado pelo fato de o PDT ter pedido, e depois conseguido no próprio TSE, que o canal público removesse o vídeo da reunião da internet. A defesa de Bolsonaro alegou prejuízo ao “patrimônio jurídico” da estatal. Assim como o primeiro pedido preliminar, esse também foi rejeitado pelo TSE.

Relator da ação, Benedito Gonçalves disse na decisão ser possível que um chefe de Estado use dessa condição para se beneficiar e cometer abuso no processo eleitoral. Daí justificar-se a competência da Justiça Eleitoral para coibir esse tipo de conduta. Quanto à TV Brasil, disse que a jurisprudência do TSE não admite a inclusão de pessoa jurídica como ré em ações de cassação, e que a estatal foi usada por Bolsonaro, e não responsável por sua promoção.

“No que interessa à tutela do processo eleitoral, importa avaliar se a parcela de poder ostentada pela pessoa física, em função do cargo ocupado, foi desvirtuada e malferiu a normalidade, a isonomia e a legitimidade do pleito”, afirmou na decisão, seguida pelos demais seis ministros do TSE na sessão de terça.

O que acontece a partir de agora e como Bolsonaro se defenderá

Na decisão que rejeitou as preliminares, referendada pelo TSE, Benedito Gonçalves também delimitou a questão a ser discutida no processo. Para ele, é fato incontroverso, e que não carece mais de provas, que houve a reunião, e que seu objetivo foi questionar o processo eleitoral. A análise agora é sobre seu significado: se, como acusa o PDT, teria ocorrido benefício para Bolsonaro e desequilíbrio na disputa, com mau uso da máquina pública, e uso de “fake news”; ou se era só uma discussão salutar sobre transparência do processo eleitoral.

Nessa discussão, do mérito da ação, a defesa de Bolsonaro já antecipou alguns argumentos. Para demonstrar que era um ato de governo, não de campanha, disse que o evento constou da agenda oficial do presidente, e que houve até convite para o então presidente do TSE, Edson Fachin, para participar, “não sendo crível que [Bolsonaro] convidasse destacado membro da própria Justiça Especializada para testemunhar evento de conotação eleitoral”.

Além disso, argumenta que o público-alvo da exposição era formado por representantes de países estrangeiros, que nem sequer detinham cidadania brasileira e, portanto, capacidade de votar. Em relação ao discurso, a defesa que “uma leitura imparcial e serena” do teor revela “falas permeadas de conteúdos técnicos, que buscam debater um tema importante”, a transparência do processo eleitoral.

Acrescentou que a má-fé de parte da imprensa tratou “uma proposta de aprimoramento do processo democrático” como se fosse “ataque direto à democracia”. Os advogados dizem que a reunião foi “um convite ao diálogo público continuado para o aprimoramento permanente e progressivo do sistema eleitoral e das instituições republicanas”.

“Bem analisada a fala do presidente, que não era candidato, não tinha sido escolhido em convenção, tampouco apresentado pedido de registro, não é possível vislumbrar qualquer eiva de matéria eleitoral, em sentido técnico. Os atos questionados foram praticados, todos eles, na condição de chefe de Estado. O evento constou de agenda oficial e foi dirigido a embaixadores, portanto não eleitores. Não houve participação de líderes partidários, nem de agentes políticos no sentido eleitoral. Houve remessa de ofício para o próprio TSE, para que participasse desse evento. É crível que convidasse membro da Justiça Eleitoral tivesse ele conteúdo eleitoral? Percebe-se que essa reunião consistiu em ato praticado enquanto chefe de Estado. Compete sim ao presidente manter relação com chefes de Estado estrangeiro”, disse o advogado da chapa de Bolsonaro, Tarcísio Vieira na sessão do TSE.

Para reforçar essa visão, ele indicou como testemunhas de defesa quatro integrantes do governo: o ministro das Relações Exteriores, Carlos França; o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira; o secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência, Flávio Rocha; e o assessor-chefe do presidente, João Henrique Nascimento de Freitas. A defesa disse que, em depoimento, eles poderão confirmar a natureza do evento. Todos deverão depor em defesa de Bolsonaro até o dia 8 de fevereiro.

O que diz o PDT para reforçar a acusação contra o presidente

Contra essas alegações, o PDT insistirá na tese do desvio e abuso de poder político. Principal advogado do partido, Walber Agra disse na sessão do dia 13 que as falas de Bolsonaro na reunião representaram seu principal ataque ao sistema eleitoral na campanha e que culminaram nos atos de vandalismo ocorridos após a diplomação de Lula.

“Em nenhum outro momento da campanha pode-se dizer que se atentou de forma tão despudorada contra o Estado Democrático de Direito, onde foi questionado, para vergonha nacional, na frente dos representantes internacionais, a integridade e lisura do nosso processo eleitoral. O que é pior: questionou-se a próprias instituições da República, os ministros dessa egrégia corte, do STF e o que é mais gravoso, indesculpável, até os familiares. Houve clara e nítida interferência no resultado eleitoral, utilizando-se a TV Brasil e o sistema brasileiro de comunicação. Há efeitos muito claros no processo eleitoral. Isso foi o ovo da serpente, lançada ao longo do tempo, e culminou nos gravíssimos atentados terroristas praticados na noite de segunda-feira”, disse o advogado.

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