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Presidente Lula se encontrou com o líder da China, Xi Jinping
Presidente Lula se encontrou com o líder da China, Xi Jinping| Foto: Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encerrou nesta sexta-feira (14) sua viagem à China com ao menos 15 acordos comerciais e de parceria assinados com o líder comunista chinês, Xi Jinping. Além disso, também foram firmados outros 20 acordos comerciais entre empresas e entes públicos do Brasil e da China. O Ministério da Fazenda estima que os pactos totalizem cerca de R$ 50 bilhões de investimento no Brasil.

No ano de 2022, a o saldo obtido pelo Brasil no comércio com a China atingiu cerca de R$ 150 bilhões. Isso fez de Pequim o maior parceiro comercial de Brasília. O segundo maior volume de transações foi com a Europa, mas o saldo comercial foi dez vezes menor: R$ 15 bilhões

Na viagem à China, Lula deu todos os indícios de que continuará investindo em Pequim como seu parceiro preferencial. Mas, o presidente extrapolou o comércio e deu diversas declarações que apontam para uma parceria política com a autocracia chinesa. Membros da equipe de Lula, como o ministro da Fazenda Fernando Haddad, tentaram minimizar as falas do presidente para diminuir o desgaste diplomático com os Estados Unidos.

Ao se encontrar com Xi Jinping, Lula reforçou o entendimento que em seu governo quer ir além do comércio na relação entre os dois países. "A compreensão que o meu governo tem da China é a de que temos que trabalhar muito para que a relação Brasil-China não seja meramente de interesse comercial. Queremos que a relação transcenda a questão comercial", disse Lula.

Mais cedo, no encontro com o presidente do Congresso Nacional do Povo, Zhao Leji, Lula já havia dito querer "elevar o patamar da parceria estratégica e, junto com a China, equilibrar a geopolítica mundial". "Ninguém vai proibir que o Brasil aprimore a sua relação com a China", afirmou o presidente.

Lula volta com R$ 6,5 bilhões para financiar obras no Brasil

Lula apoiou abertamente a política chinesa de contestação da hegemonia americana. Além de criticar o fato da maioria das transações comerciais mundiais serem feitas por meio do dólar, deu declarações fortes de apoio ao princípio da China Única. Ou seja, de que Pequim tem direito à soberania sobre a democracia autônoma de Taiwan.

A China vem afirmando que vai retomar o controle da ilha até 2049, mesmo que seja necessário iniciar uma guerra para isso.

O apoio político quase incondicional ao regime autoritário rendeu muito dinheiro ao Brasil. Um dos pontos comemorados pelos governistas foi um acordo para a instalação de uma montadora de carros elétricos da BYD na Bahia.

A expectativa é de que a empresa chinesa aproveite a estrutura deixada pela Ford, montadora dos Estados Unidos que deixou as operações no Brasil ainda em 2021. Em outubro de 2022, a BYD e o governo da Bahia assinaram um memorando de entendimento para um investimento de R$ 3 bilhões.

Atualmente, a BYD produz ônibus elétricos e painéis fotovoltaicos em Campinas (SP) e tem uma fábrica de baterias para veículos elétricos em Manaus. A companhia também tem dois projetos de monotrilho no Brasil, um em Salvador e outro em São Paulo.

Além disso, foi assinado um memorando de entendimento do Ministério da Fazenda com o Ministério das Finanças da China para a promoção de cooperação e colaboração de projetos de interesse mútuo, como parcerias público-privadas (PPPs), infraestrutura e captação de recursos.

A expectativa do Planalto é atrair investimentos dos chineses para financiar as obras do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que será lançado por Lula ainda neste semestre.

O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, afirmou que o banco de desenvolvimento da China vai emprestar R$ 6,5 bilhões ao Brasil. Os recursos serão repassados em duas operações. A primeira será um empréstimo de R$ 4 bilhões no prazo de 10 anos, para financiar projetos de infraestrutura, energia limpa, digitalização de empresas e industrialização, inovação e ciência e tecnologia.

Mercadante, no entanto, não deu mais detalhes sobre as operações, como condições e taxas de juros. "Uma parceria muito importante, que melhora as nossas condições de financiamento para esses setores", afirmou o presidente do BNDES.

Acordo prevê transações comerciais entre Brasil e China sem intermédio do dólar 

Durante sua passagem pelo país asiático, Lula subiu o tom ao criticar o dólar e defender uma moeda alternativa para transações entre países dos Brics. O bloco é formado por Brasil, Rússia, Índia, África do Sul e China. "Quem decidiu que era o dólar a moeda depois que desapareceu o ouro como paridade? Por que não foi yene? Por que não foi o Real?", disse o petista.

Dois dos acordos assinados entre Lula e Xi estreitam o relacionamento monetário entre os países, com a viabilização de transações comerciais de câmbio direto entre o real brasileiro o yuan. A justificativa é de reduzir os custos ao excluir o dólar da operação, além de promover o comércio bilateral e facilitar investimentos no Brasil.

O primeiro acordo coloca o sino-brasileiro Bank of Communications BBM (Bocom BBM) no CIPS (China Interbank Payment System), a alternativa chinesa ao ocidental Swift, que conecta milhares de instituições financeiras em todo o mundo. Com isso, o Brasil será o primeiro país da América Latina a ter acesso ao sistema chinês.

O segundo, assinado via Memorando de Entendimentos (MoU), institui a sucursal brasileira do Industrial and Commercial Bank of China (ICBC) como um banco de compensação de moeda chinesa no país. Ou, nas palavras do Banco Popular da China, um “offshore clearing bank”.

De acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, as negociações com outros países sem moedas intermediárias é um tema que “está sobre a mesa” há anos e que foi restabelecido por Lula.

Mas, o debate mundial sobre o tema na verdade não ocorreu por causa de Lula. As sanções econômicas do Ocidente contra a economia russa em 2022 deflagraram a discussão sobre alternativas ao dólar, pois diversos países temem o mesmo tipo de sanções no futuro.

Acordos reforçam dependência brasileira do mercado chinês

Apensar das consequências econômicas positivas, o estreitamento das parcerias comerciais com a China acirram uma relação de dependência. As exportações para a China foram responsáveis por quase metade do superávit da balança comercial brasileira no ano passado.

O perigo ocorre porque, caso o Brasil venha a "desobedecer" no futuro as exigências chinesas, Pequim pode erguer barreiras comerciais que podem causar um grande impacto na economia brasileira.

Porém, essa dependência é relativa, do ponto de vista geopolítico. Ela é muito mais branda, por exemplo, do que a dependência que a Alemanha tinha do comércio com a Rússia antes da guerra da Ucrânia.

"A dependência da Alemanha era energética, a Alemanha importava grande parte do gás natural, que gerava eletricidade, ou seja, [era algo] que fazia as coisas funcionarem. O Brasil, na verdade, não é importador, ele é exportador. Nós vendemos mais do que compramos, é um superávit com China comercial", afirmou o analista Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, mestre pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército do Brasil e pela Escola de Estudos de Defesa do Exército da República Popular da China.

Ao ter que abandonar o comércio com a Rússia em 2022, a Alemanha teve inviabilizado parte de seu modelo de negócios, baseado produção industrial sustentada por compra de energia barata.

Segundo Paulo Filho, o Brasil vende soja, carnes e minérios para a China. Se por algum motivo as relações comerciais forem interrompidas, o país pode tentar encontrar novos compradores.

Brasil e China fecharam acordos sobre comércio, tecnologia e agronegócio 

Na esteira dos acordos assinados, alguns são relacionados ao setor do agronegócio. Os governos dos dois países terão um plano de trabalho para a cooperação na certificação eletrônica para produtos de origem animal. Haverá ainda um protocolo sobre requisitos sanitários e de quarentena para proteína processada de animais terrestres a ser exportada do Brasil para a China. O Brasil é o maior fornecedor de carne bovina ao país asiático.

Outro acordo prevê o lançamento do sétimo satélite na parceria entre Brasil e China: o CBERS-6. A expectativa é de esse satélite atue no monitoramento do desmatamento e das queimadas da Amazônia. Também foi anunciado um plano de cooperação espacial 2023-2032 entre a Administração Espacial Nacional da China e a Agência Espacial Brasileira (AEB).

Foram firmados também acordos na área de comunicação. Entre eles, um que prevê a coprodução televisiva entre os dois países e outro de cooperação entre agência de notícias estatal chinesa Xinhua e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Como a Gazeta do Povo mostrou, Pequim pode usar a parceria para influenciar o telespectador brasileiro e criar uma visão geral mais positiva do governo chinês, segundo analistas.

Lula fez críticas aos EUA durante visita ao líder do Partido Comunista da China 

Lula aproveitou um encontro com o chefe do Partido Comunista da China (PCC), Chen Jining, para criticar diretamente os Estados Unidos. Ao abrir a reunião, Lula agradeceu as boas relações entre o PT e o Partido Comunista chinês, lembrando que vários representantes do seu partido haviam estado recentemente em missão à China.

Além disso, o petista ressaltou que vê como uma das marcas de sua relação com o país asiático a necessidade de defender o papel da China na economia global. "A nossa relação com o governo chinês não é uma relação qualquer. Quando nós reconhecemos a China como economia de mercado, estávamos dizendo ao mundo que não queríamos que a China vivesse na clandestinidade no mundo do comércio", disse Lula ao líder comunista.

Ao relembrar o seu segundo mandato, o presidente brasileiro falou do momento em que se aliou à China na questão climática, quando aproveitou para criticar os EUA. "Tivemos uma relação com a China na Conferência do Clima de Copenhague de 2009, quando os países europeus e os Estados Unidos quiseram responsabilizar a China pela poluição sem assumir sua própria responsabilidade", disparou Lula.

Em resposta, o líder do Partido Comunista classificou Lula como “um velho amigo da China” e disse que “as amizades são como o vinho, ficam melhores com o tempo". A chefia do Partido Comunista de Xangai é vista como um trampolim para a ascensão política na hierarquia do poder chinês: tanto o presidente Xi Jinping como o primeiro-ministro Li Qiang exerceram o cargo antes de subir degraus rumo ao topo.

Ministro da Fazenda tenta minimizar as críticas de Lula aos EUA  

Apesar de comemorar os efeitos da viagem à China, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, atuou para tentar minimizar os efeitos das falas de Lula contra os Estado Unidos. Nessa estratégia, Lula evitou a imprensa e não participou da entrevista coletiva do governo para apresentar o balanço final da visita ao país asiático.

Haddad negou o evidente mal-estar com os EUA e defendeu "reestabelecer" investimento norte-americano no Brasil. "Não temos intenção de nos afastar de nenhum parceiro comercial, sobretudo da qualidade dos EUA. Nós estamos fazendo um esforço de aproximação, queremos investimentos do EUA no Brasil", disse Haddad.

De acordo com o ministro da Fazenda, o "Brasil é grande demais para ficar escolhendo parceiro". "O Brasil tem tamanho para fazer parceria com esses grandes blocos e outros países em acordos bilaterais. Não faz nenhum sentido fazer a opção de se aproximar de um para se afastar de outro", respondeu ele ao ser questionado se a aproximação com a China representa um afastamento dos EUA.

Questionado sobre qual será a reação de Washington diante da agora mais fortalecida relação do Brasil com a China, Haddad disse que a intenção do governo é estabelecer parcerias com os três maiores blocos do mundo “Nossa intenção é construir laços com os três grandes blocos do mundo: Estados Unidos, União Europeia e China. Não temos intenção de nos afastarmos de quem quer que seja".

O movimento de Lula, no entanto, já provoca reações por parte de integrantes do governo norte-americano. Em entrevista ao jornal O Globo, o embaixador americano Thomas Shannon, que chefiou a embaixada dos Estados Unidos em Brasília durante os anteriores governos do PT, disse que Lula está “repetindo a narrativa da China”, e isso não trará benefícios ao Brasil.

"São escolhas do Brasil, e serão problemas para o Brasil. Boa sorte com isso. Entendo que o Brasil quer ter uma relação positiva com a China. Mas, dito isto, o Brasil deve se apresentar como um país que define seus interesses, que articula esses interesses, e não parecer subserviente com ninguém. Hoje vejo o Brasil repetindo a narrativa da China, sem necessariamente obter algo importante para os interesses do Brasil", afirmou Shannon.

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