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Plenário do STF na sessão de 13 de setembro, em que começaram a ser julgados os réus do 8 de janeiro.
Plenário do STF na sessão de 13 de setembro, em que começaram a ser julgados os réus do 8 de janeiro.| Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Por dois dias, o plenário da mais alta Corte do Brasil foi o palco de duros e inéditos embates entre advogados e juízes, com trocas de acusações e uso de palavras pesadas. No início do julgamento histórico dos réus dos atos de vandalismo do 8 de janeiro no Supremo Tribunal Federal (STF) ficaram evidentes os rancores entre defensores e julgadores, descrevendo o retrato de um país conflagrado por paixões políticas e excessos e pelas omissões de autoridades dos três Poderes. O debate conceitual e técnico ficou em segundo plano, dando espaço para novas controvérsias.

Os advogados de três dos quatro primeiros réus julgados, dentre centenas que ainda aguardam julgamento, questionaram a competência e a isenção dos ministros do STF, particularmente do relator Alexandre de Moraes, que os rebateu com veemência, além de criticá-los e desqualificá-los.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) optou por ficar do lado dos juízes em postura manifestada oficialmente, despertando reações de descontentamento de advogados nas redes sociais.

“Centenas de advogados ficaram sem acesso aos autos do processo no STF, ferindo de morte a Constituição, e prejudicando o seu trabalho, no inquérito conduzido pelo ministro Moraes. Enquanto as prerrogativas dos advogados são destruídas, a OAB fez cartinha para os juízes”, protestou o advogado e professor Rodrigo Marinho nas redes sociais.

Durante a sessão do Supremo na quarta-feira (14), a OAB enviou um ofício para manifestar o seu apoio ao tribunal. No documento lido pela ministra Rosa Weber, presidente do STF, Beto Simonetti, presidente da OAB Nacional, condenou as falas dos defensores dos réus e mostrou solidariedade pelos ministros durante o julgamento, além de expressar “plena confiança” na correta atuação da Corte, “especialmente quanto a legítima função de guardiã da Constituição e protetora do Estado Democrático de Direito”.

Defensores preferiram explicitar indignação contra os ministros

Os três advogados dos réus usaram do tempo para condenar a condução do processo. Da tribuna do STF, o ex-desembargador Sebastião Coelho, advogado do primeiro condenado, Aécio Costa Pereira, acusou na terça-feira (13) o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de tentar intimidá-lo por abrir uma investigação contra ele, sob a justificativa de incitar atos de manifestantes contrários ao resultado das eleições. Disse que disponibilizaria dados financeiros, que não tinha nada a esconder e que não se intimidaria. Ele criticou o ministro Alexandre de Moraes e classificou o colegiado do tribunal de “as pessoas mais odiadas desse país”. Inicialmente, Coelho afirmou que o julgamento era “político” e que o Supremo não deveria julgar o caso.

Em resposta ao seu desafeto, Moraes disse que são os “extremistas que não gostam do Supremo Tribunal Federal”. “São a minoria da população. Assim ficou demonstrado nas urnas e nos atos. Isso foi repudiado pela população brasileira”, afirmou. O ministro e o STF condenaram Aécio Lúcio Costa Pereira a 17 anos de prisão, sendo 15 anos e meio em regime fechado, por associação criminosa armada, tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito. Moraes ainda fixou indenização coletiva por danos públicos de R$ 30 milhões, a ser paga por todos os condenados.

O advogado Hery Kattwinkel, que representa Thiago de Assis Mathar, condenado a 14 anos de prisão, disse na tribuna que a única arma do cliente era a bandeira do Brasil. Ele também criticou Moraes e usou frase atribuída ao ministro Luís Roberto Barroso (“eleição não se ganha, se toma”) para condenar posturas do STF – posteriormente rebatida pelo ministro, que disse se tratar de uma mentira, uma fala editada e fora de contexto.

Kattwinkel também afirmou que Moraes passou "de julgador a acusador" e criticou restrições à atuação da advocacia no processo. Em resposta, ouviu do ministro que sua defesa foi “triste”, “patética” e “medíocre”, sinalizando ainda que o advogado confundiu o livro "Príncipe", de Maquiavel, com a obra "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry ao fazer uma citação.

A sua postura no plenário do STF fez com que o advogado fosse expulso do Solidariedade, partido ao qual era filiado. O presidente da legenda, Paulinho da Força, ainda promete acionar o Conselho de Ética da OAB contra Kattwinkel, segundo informou ao portal g1.

O terceiro réu, Matheus Lima de Carvalho Lázaro, foi defendido pela advogada Larissa Araújo, que foi às lágrimas ao implorar aos ministros pela absolvição do cliente, sustentando a tese de que ele sofreu “lavagem cerebral”. Ela criticou o tribunal e reclamou que foi ignorada por um representante do Ministério Público Federal (MPF). Ao usar da palavra, Moraes buscou ridicularizar a atuação da advogada, sinalizando que preferiria uma sustentação oral pela Defensoria Pública no lugar dela. Lázaro foi condenado por uma pena de 17 anos de prisão.

Juristas defendem cautela para evitar mais prejuízos à defesa

A ex-deputada estadual (SP) e advogada Janaína Paschoal alertou em suas redes sociais sobre a necessidade de uma “especial cautela” dos defensores ao se manifestarem perante ministros do Supremo para não virem a ser cerceados no futuro em razão de “excessos reais ou alegados”. Para a coautora do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e professora da Universidade de São Paulo (USP), embora seja compreensível que o profissional do Direito possa ser tomado pela emoção e até se altere, “as melhores defesas são técnicas”. “Temo que se mais colegas se emocionarem na tribuna do STF, possam utilizar o fato como argumento para implementar recente proposta de Lula no sentido de restringir a publicidade dos votos e julgamentos”, disse.

Doutor e mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP, Horácio Neiva lamentou pela atuação dos advogados na tribuna do STF, mesmo reconhecendo a tensão envolvida. “A profissão exige que estejamos à altura do momento”, disse ele nas redes sociais. Neiva, que também é advogado e professor, entende que as defesas dos réus do 8 de janeiro expressaram apenas indignação política ao invés de se concentrar em aspectos técnicos, perdendo a oportunidade de reduzir a pena dos representados.

“Quanto mais politicamente sensível e polêmico um processo, maior a exigência para que o advogado mantenha a compostura profissional e técnica. Dizer simplesmente que tudo é uma farsa, jogar tudo para cima e subir na tribuna para falar coisas desconexas ou simplesmente erradas é usar os direitos do cliente como oportunidade para fazer um ponto. Não devemos jamais fazer isso”, criticou.

Por outro lado, os advogados dos réus alegaram, durante suas sustentações orais, não ter condições técnicas para confrontar o relatório de Moraes diante de convicções aparentemente intransponíveis do ministro. “Esse processo não tem critério. De nada adianta eu expor minhas argumentações, a sentença já está pronta”, disse a advogada Larissa de Araújo.

Mendonça e Moraes batem boca sobre Flávio Dino

O clima tenso da sessão de quinta-feira (14) contaminou até o debate entre os ministros. Alexandre de Moraes e André Mendonça protagonizaram tenso bate-boca após Mendonça questionar a condenação de réus pela tentativa de golpe de Estado e as "muitas perguntas sem resposta" relacionadas ao 8 de janeiro.

Mendonça disse que não conseguia entender como o Palácio do Planalto teria sido invadido com a disponibilidade da Força Nacional e da Guarda Presidencial. Moraes considerou “absurda” a fala do colega, pois insinuaria que o ministro Flávio Dino (Justiça) teria participado de conspiração, lembrando que cinco ex-comandantes da Polícia Militar do Distrito Federal estão presos, assim como o ex-secretário de segurança e ex-ministro da Justiça do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Anderson Torres. “Não coloque palavras na minha boca. Tenha dó”, replicou Mendonça.

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