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ApexBrasil Brasília
Sede da ApexBrasil em Brasília: primeiro ano da atual gestão foi marcada por controvérsias.| Foto: Divulgação/ApexBrasil

Apenas 3% do orçamento destinado pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) à sua publicidade em 2023 foi alocado para atividades no exterior. Durante o primeiro ano do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a instituição investiu um total de R$ 24.895.503,54 em iniciativas de mídia. Dessa quantia total, só R$ 746.865,10 foram direcionados para o plano internacional, com foco exclusivo no mercado europeu. Os valores são referentes ao período até 16 de novembro de 2023, último dado disponível, e suscitam contradições.

Os dados foram obtidos de maneira exclusiva pela Gazeta do Povo, que acionou o governo por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), ferramenta que visa fornecer esclarecimentos a qualquer cidadão. “Não houve investimento em mídia dirigido a países específicos em 2023. As ações internacionais focaram especificamente o mercado europeu e envolveram 3% dos valores contratados e executados em 2023”, informou a ApexBrasil. Além da sede no Brasil, o órgão tem nove escritórios em sete países.

A agência acrescentou que a prioridade é dar amplo conhecimento das soluções que mantêm para “permitir a empreendedores brasileiros acesso ao mercado internacional e a investimentos externos”. As respostas enviadas ao jornal acrescentam que não foram feitas tomadas de preço ou licitações para contratar novos serviços de propaganda e publicidade no ano passado. A impossibilidade de detalhar veículos e valores pagos foi justificada pela cláusula de confidencialidade dos contratos.

Selecionada a partir da concorrência em fevereiro de 2019, a Nova/SB Comunicação é a única licitada de serviços de propaganda da ApexBrasil. A agência explicou que os planos de mídia espelham “as necessidades de divulgação para cumprir a missão de promover exportações, internacionalização das empresas e investimentos estrangeiros diretos”. Durante os cinco anos anteriores, a ApexBrasil contou com os serviços da F/Nazca, contrato encerrado em fevereiro de 2019.

Publicidade credita recorde das exportações ao governo atual

Sônia Filgueiras Lima, coordenadora de marketing da ApexBrasil, reconheceu que a agência exerce “ações que visam promover as exportações e valorizar os produtos e serviços brasileiros no exterior, tendo como alvo mercados com potencial importador”. Mas ressaltou que essas iniciativas ocorrem sobretudo por intermédio da presença dos produtos brasileiros em feiras e eventos internacionais, que são uma “parte expressiva dos esforços da organização como um todo”.

“A ApexBrasil atua na coordenação dos atores públicos e privados nacionais no incentivo às exportações e ao investimento estrangeiro. Sendo assim, a comunicação da agência volta-se para o cumprimento da missão de atração do público interessado em expandir sua atuação nos dois segmentos, ao mesmo tempo que a divulga a sua missão à população brasileira, sobretudo aos setores com potencial exportador”, argumentou ela.

O foco da publicidade oficial, contudo, concentrou-se na exposição do maior público possível e destacou o aumento das exportações do país nos últimos trimestres, mesmo diante da desaceleração na corrente comercial global, visto como uma conquista especial do país. Em outubro, a balança comercial brasileira registrou um superávit anual de US$ 80 bilhões, apontando para um recorde histórico em 2023.

Embora esse seja o primeiro ano da gestão petista atual e os resultados positivos sejam fruto de acordos, estratégias e iniciativas de anos anteriores, a ApexBrasil fez questão de associar os números robustos dos exportadores às suas recentes ações. Além disso, em outras iniciativas, o órgão sugere que as frequentes viagens internacionais do presidente Lula contribuíram para impulsionar as vendas externas.

Algumas peças de campanha veiculadas em redes de rádio e TV apresentam uma fusão entre o tema abordado e o tom eleitoral. Nestas, destaca-se o elogio ao perfil multicultural do povo brasileiro, ressaltando a importância da preservação das vastas florestas e fazendo referência direta ao programa de transferência de renda, em clara alusão ao Bolsa Família. Os elementos explorados concentram-se na autoconfiança da população e em um otimismo em relação às perspectivas futuras, com menções breves ao setor do agronegócio exportador e aos números em ascensão na balança comercial.

Especialistas criticam foco da publicidade no mercado interno

Eduardo Galvão, professor de Relações Institucionais do Ibmec Brasília e diretor da consultoria BCW Brasil, avalia como complexa uma discussão sobre se o investimento em publicidade dentro do próprio país de uma agência de promoção de exportações possa ser visto como um contrassenso. “É fundamental para uma agência como a ApexBrasil promover marcas e produtos brasileiros no mercado internacional. Por outro lado, pode haver justificativas estratégicas para investir em publicidade doméstica, como fortalecer o reconhecimento de marcas nacionais e apoiar a economia interna, o que indiretamente pode aumentar o potencial de exportação”, argumentou.

De toda forma, Galvão considera crucial sabem em detalhes como são distribuídos os investimentos em publicidade e quais objetivos específicos eles buscam para entender a lógica por trás dessas decisões. “É até possível que a agência esteja buscando um equilíbrio entre promover a exportação e fortalecer as empresas e marcas nacionais, o que poderia justificar esses investimentos”, sugere o especialista.

Para o economista Carlo Barbieri, presidente da consultoria Oxford Group, sediada na Flórida, Estados Unidos, a ApexBrasil desempenha duas funções claras e primordiais: facilitar o processo de exportação para as empresas brasileiras e atrair investidores estrangeiros interessados em apostar no Brasil. No entanto, ele ressaltou que a preparação das empresas para a exportação e a motivação para elas seguirem nessa direção são atribuições também evidentes do Sebrae e não da agência.

Barbieri acrescentou que, embora não esteja familiarizado com o conteúdo específico da publicidade em questão, em princípio, ela não parece se alinhar aos objetivos fundamentais da ApexBrasil. "Sugiro, portanto, que a divulgação fosse direcionada aos destinos das exportações ou junto aos potenciais investidores estrangeiros, proporcionando abordagem coerente com as metas da própria agência", sublinhou.

Um ex-diretor da ApexBrasil, que optou por manter o anonimato, discorda e argumenta que a principal ênfase da agência deveria ser a promoção do país no exterior. Ele aponta como equivocada a reorientação de foco nos últimos anos, ao invés de expandir presença da agência internacionalmente. Além disso, critica parcerias estabelecidas com federações de indústrias, em vez de um investimento mais significativo no apoio às pequenas e médias empresas, ressaltando a importância de valorizar as origens do órgão no Sebrae. Para o executivo, o equívoco de direcionar a publicidade para o público doméstico, adotado na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), permanece no atual plano estratégico da agência durante o governo petista, que, apesar da nova diretoria da Apex, não indica qualquer perspectiva de mudança.

Mudança no estatuto garantiu cargos do presidente da Apex e aliados

Ao longo de 2023, particularmente no primeiro semestre, o presidente da ApexBrasil, o ex-senador Jorge Viana (PT-AC), foi alvo de várias críticas da imprensa e de parlamentares da oposição, começando pela incapacidade dele em falar inglês, conforme pedia o estatuto da agência. A seu pedido, o conselho da agência eliminou no fim de março a regra que exigia fluência na língua inglesa para o alto escalão. A situação fez a Justiça Federal no Distrito Federal anular a nomeação de Viana por meio de liminar, a partir do pedido feito pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A decisão judicial foi depois revertida e Viana voltou ao posto em definitivo.

Durante o seu primeiro ano como presidente da ApexBrasil, Jorge Viana despertou controvérsia ao criticar a alegada fragilidade ambiental do agronegócio, que representa metade das exportações brasileiras, em palestra durante um evento na China, principal importador dos produtos rurais do Brasil. Em entrevistas, ele declarou que a sua gestão tinha como foco a diversificação das origens e destinos das exportações, a atração de investimentos e na promoção da “equidade de gênero”. Para isso, mencionou projetos como o Exporta Mais Brasil, o Exporta Mais Amazônia (voltado para a sua região) e o Programa Mulheres e Negócios Internacionais, que seguirão prioritários em 2024.

A dispensa da fluência em inglês não foi a única mudança interna trazida por Viana. Outras foram tomadas para permitir que indicações políticas assumam diretorias antes destinadas apenas a funcionários de carreira, abrindo caminho para a contratação de aliados. O jornal O Estado de S. Paulo revelou que o presidente da agência empregou três pessoas do seu grupo político - todos sem experiência em comércio exterior e com salários de R$ 17.810 - para cuidar da promoção dos produtos brasileiros no exterior. O regimento da ApexBrasil exige dos assessores pós-graduação completa ou graduação com experiência de ao menos três anos nas áreas de atuação da agência.

Além de Viana, a diretoria da ApexBrasil é formada também por Floriano Pesaro, ex-deputado federal ligado ao vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), e Ana Paula Repezza, profissional do ramo de negócios internacionais. O salário de presidente é de R$ 65,5 mil e o dos diretores, R$ 56,6 mil. Benefícios para eles foram ampliados, incluindo duas passagens aéreas mensais para diretores que moram fora de Brasília e a possibilidade de aderir ao plano de previdência privada ApexPrev.

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