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Santos e Eustáquio alegam que são alvos de perseguição política por suas opiniões
Santos e Eustáquio alegam que são alvos de perseguição política por suas opiniões| Foto: Roque de Sá/Agência Senado / Arquivo/Gazeta do Povo

Fora do Brasil, os jornalistas Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio têm apelado à Interpol, por meio de advogados e apoiadores, para não serem presos por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Para isso, alegam que são alvos de perseguição política por suas opiniões, não receberam o devido processo legal no país e nem foram formalmente acusados. Uma eventual negativa do órgão à execução da prisão, avaliam, ainda poderia ser útil para convencer autoridades dos Estados Unidos e do Paraguai a não extraditá-los para o Brasil.

Allan dos Santos vive na Flórida desde 2020, para onde se exilou. Em outubro de 2021, Moraes determinou sua prisão, extradição e inserção de seu nome na difusão vermelha da Interpol. Como mostrou a Gazeta do Povo, os Estados Unidos já pediram informações adicionais, pelo menos por três vezes, ao Supremo Tribunal Federal para analisar se a extradição é admissível. Até hoje, não houve uma decisão final do Departamento de Estado em aceitar o pedido.

A defesa do jornalista alega que a ordem de prisão de Moraes é vaga e não descreve de forma precisa que atos ou condutas configurariam os crimes imputados – calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, racismo, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

A decisão do ministro cita um tuíte publicado por Allan dos Santos no dia que o ex-presidente Jair Bolsonaro participou de celebração do Dia do Exército, em Brasília, em 19 de abril de 2021, quando parte dos manifestantes pedia uma intervenção militar. “Se entendi bem, o que ele está dizendo é que não se pode proibir as pessoas de defenderem a intervenção. Se isso acontecer, aí é que precisamos mesmo de uma intervenção”, escreveu.

Outro fato apontado é uma foto que Allan dos Santos publicou em 3 de maio daquele ano, quando manifestantes protestaram contra o STF, mostrando o dedo médio para o edifício da Corte. “Acabando a manifestação, não podia deixar de dar minha opinião sobre quem rasga a Constituição”, dizia a legenda da foto publicada.

Advogados do jornalista pediram à Interpol, em junho, que o nome de Allan dos Santos não entre na difusão vermelha, uma lista pública dos procurados em todo o mundo, disponível no site da organização. A defesa ainda aguarda uma resposta do órgão.

O pedido se baseia no artigo 3º da Constituição da Interpol, que diz ser “terminantemente proibido à organização empreender qualquer intervenção ou atividade de caráter político, militar, religioso ou racial”. O artigo 2º, por sua vez, diz que uma das finalidades da Interpol é “garantir e promover a mais ampla assistência mútua entre todas as autoridades policiais criminais dentro dos limites das leis existentes nos diferentes países e no espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos”.

A defesa de Allan dos Santos sustenta que sua investigação e decreto de prisão caracterizam uma perseguição política e que violam garantias processuais, amplo direito de defesa, bem como as liberdades de expressão e de imprensa. São direitos humanos assegurados não apenas pela Constituição brasileira, mas também por tratados internacionais, como a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto de San José da Costa Rica, aplicável nas Américas.

Dentro da Interpol, há um órgão específico, chamado Comitê de Controle de Arquivos, para receber e analisar pedidos de informações acerca de quem é procurado e por quê, bem como de retificações, que dá à pessoa o direito de questionar uma ordem de prisão emitida por uma autoridade local e remetido ao órgão.

Um caso recente, envolvendo o Brasil, ocorreu em 2018, quando esse comitê decidiu retirar o advogado Rodrigo Tacla Duran da lista de procurados internacionais e suspender o alerta vermelho que existia em seu nome. Tacla Duran é cidadão brasileiro e espanhol e era acusado de lavar dinheiro para a Odebrecht no exterior. A Interpol, contudo, colocou em dúvida se foi justa atuação do ex-juiz Sergio Moro na supervisão do inquérito.

Um dos motivos foi o fato de ele ter negado que o advogado fosse arrolado como testemunha de defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ter comentado sobre o caso numa entrevista. A Interpol concluiu que as informações procediam e cancelou o alerta vermelho contra o advogado.

“A fim de respeitar o espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos e, ao mesmo tempo, respeitar o papel limitado da Comissão, a Comissão considera todas as informações relevantes para determinar se o Requerente demonstrou convincentemente a probabilidade de ter havido um flagrante cerceamento de defesa”, diz a decisão.

Apoiadores de Eustáquio pedem à Interpol para recusar pedido de Moraes

Na semana passada, apoiadores de Oswaldo Eustáquio pediram à Interpol que recusasse a inclusão do nome dele na lista vermelha, solicitada por Moraes em junho. O ministro pediu auxílio da Interpol pelo fato de o jornalista estar no Paraguai, onde busca asilo político. Na decisão, Moraes levou em consideração uma postagem de Oswaldo Eustáquio nas redes sociais pedindo doações por meio de Pix para a conta bancária de sua filha.

Para o ministro, “de maneira sorrateira”, ele estaria usando o perfil de sua filha para arrecadar dinheiro, “mediante propagação de mentiras”. Moraes considerou que as doações seriam “destinadas à manutenção do estado de ilegalidade de sua situação, evidenciando a tentativa de burlar a determinação de bloqueio de suas contas, bens e valores”. “Em último propósito, para possibilitar a continuidade da prática criminosa e permanecer foragido”, escreveu o ministro na decisão.

Moraes investiga Oswaldo Eustáquio por suposto incentivo às manifestações de revolta contra a eleição de Lula. Em dezembro, ele já havia mandado prender o jornalista, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), por causa de um vídeo em que desafiava a Polícia Federal a prendê-lo dentro de uma área militar.

“Se a Polícia Federal vier me prender aqui, pode vir. Eu me entrego, desde que o general Freire Gomes libere a entrada deles. Agora, se eles entrarem escondidos aqui, eu, mesmo de cadeira de rodas, minha perna não é muito forte, mexe um pouquinho, mas meu braço é. Eu vou ter que fazer o que, mobilizar o policial federal, algemar ele, dar voz de prisão, prender e entregar ele para a polícia do Exército. E é isso que eu vou fazer, dentro da lei”, afirmou na gravação.

O ministro considerou o comportamento “gravíssimo” e que Eustáquio poderia colocar em risco a vida de Lula – em dezembro, ele chegou a reunir pessoas perto do hotel onde o presidente estava hospedado para gritar frases como “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão” e “se precisar, a gente acampa, mas o ladrão não sobe a rampa”.

Na última sexta, apoiadores dele pediram à Interpol, por meio de uma associação chamada Instituto Internacional de Proteção aos Presos e Exilados Políticos (IIPEP), a não inclusão do nome dele na difusão vermelha.

“O jornalista Oswaldo Eustáquio não ocupa cargo político, mas teve sua prisão decretada diretamente pela Suprema Corte do Brasil, pulando todas as etapas da primeira à terceira instância e está sendo julgado por juiz único. O referido jornalista foi preso três vezes no âmbito do inquérito 4828, que foi arquivado, sem sequer oferecimento de denúncia pelo órgão acusador no ano de 2020, ou seja, as três prisões foram inócuas e a privação de liberdade serviu apenas para provar a inocência deste profissional da informação, que conta com esse novo mandado de prisão, claramente e publicamente por questões persecutórias”, diz o IIPEP.

A entidade, que também atua em defesa dos presos na manifestação que resultou na invasão e depredação das sedes dos Poderes, em 8 de janeiro, destacou que a Interpol tem como prioridades a cooperação na prisão de condenados por crime organizado, envolvendo tráfico de drogas, armas e pessoas, crimes financeiros, ambientais e terrorismo. “Um suposto crime de “tentativa violenta de abolição de Estado de Direito” está em uma linha muito tênue de interpretação do que seria um crime ou a liberdade de expressão, ainda mais de um jornalista profissional reconhecido pela Federação Internacional de Jornalistas”, afirma o instituto.

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