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Após participar da manifestação no último domingo (6) em São Paulo, sete governadores aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) agora têm a missão de articular com parlamentares e líderes partidários na Câmara dos Deputados a votação do requerimento de urgência do PL da anistia aos presos de 8/1. Apesar de serem influentes em seus respectivos estados, os gestores enfrentam a resistência de parlamentares em apoiar a pauta no plenário da Casa.
A manifestação contou com o apoio dos governadores: Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo; Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; Ratinho Jr. (PSD), do Paraná; Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina; Wilson Lima (União), do Amazonas; Ronaldo Caiado (União), de Goiás; e Mauro Mendes (União), de Mato Grosso. O governador Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, cancelou sua presença devido às chuvas no estado.
Do grupo, Tarcísio foi o primeiro governador a se articular e defender publicamente que o projeto avance na Câmara. Na segunda-feira (7), ele afirmou que falará sobre o tema com o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), já que os dois são do mesmo partido.
“Conversei com Hugo Motta na sexta-feira (4) sobre isso. Vou voltar a conversar com ele agora, depois da manifestação. Acho que é uma coisa que tem que ser construída, e podemos ter o envolvimento de todos nesse processo”, declarou Tarcísio, em entrevista após o anúncio da ampliação da Linha 4-Amarela do metrô até Taboão da Serra (SP). Dos governadores presentes no ato, Tarcísio foi o único a se pronunciar sobre a anistia após o evento.
A declaração do governador de São Paulo ocorre em um momento de impasse dentro da Câmara. Motta resiste em pautar o projeto e conta com o apoio de alguns líderes partidários, que não enxergam clima para votar a proposta. Já a oposição trabalha para conseguir as assinaturas necessárias para fazer o texto avançar.
Apesar da fala do chefe do Executivo paulista, um deputado federal próximo a Tarcísio, que pediu para não ter o nome revelado, explicou que a atuação do governador pode ser limitada, já que uma ação mais ostensiva poderia atrapalhar seu bom relacionamento com o Supremo Tribunal Federal (STF).
Esse mesmo parlamentar também alegou que a percepção de parte do congressistas é a de que, mesmo que a anistia seja aprovada na Câmara, a proposta será barrada no Senado pelo presidente Davi Alcolumbre (União-AP). Anteriormente, Alcolumbre afirmou que a anistia não seria prioridade se chegasse ao Senado.
Votação da anistia depende de Hugo Motta e de líderes partidários
Embora a decisão final sobre a pauta da anistia aos presos de 8/1 seja do presidente da Câmara, Hugo Motta, os líderes partidários são os responsáveis pela construção do consenso dentro da Casa. Nesse sentido, eles exercem maior influência do que os governadores em assuntos internos da Câmara.
O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), afirmou que Motta pediu aos líderes que não assinassem o requerimento de urgência do projeto da anistia. Caso houvesse adesão dos líderes, o presidente da Casa teria mais dificuldade para barrar o avanço da matéria.
“Todos os líderes de partidos, com exceção do PL e do Novo, que já assinaram o requerimento, estão aguardando a sinalização do presidente Hugo Motta para assinarem [oficialmente]. Motta está alinhando alguns procedimentos e fazendo comunicados. Por isso, pediu momentaneamente que esses líderes não assinassem nosso requerimento, o que fez com que ele não entrasse na pauta [da reunião de líderes] hoje”, declarou o deputado a jornalistas na Câmara, na última quinta-feira (3).
Diante da movimentação do presidente da Câmara, o PL mudou de estratégia e passou a coletar assinaturas individualmente dos deputados, em vez de depender dos líderes partidários. De acordo com Sóstenes, o número mínimo de 257 deputados deve ser atingido nesta semana. Alcançado esse patamar, o PL deve voltar a pressionar para que a urgência do projeto seja pautada no plenário.
Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o papel dos governadores na articulação da anistia no Congresso Nacional é limitado, uma vez que a lógica parlamentar é dominada pelos líderes partidários.
“Os governadores têm ascendência sobre as bancadas estaduais, mas o Parlamento tem uma dinâmica própria. Quem realmente dita o rumo das negociações são os líderes partidários, pois são eles que costuram os acordos, negociam concessões e determinam os caminhos para a aprovação de projetos”, explicou.
Essa independência do Congresso em relação à Presidência e aos governadores se dá, em grande parte, devido ao fortalecimento das emendas de Orçamento. Por meio delas, deputados e senadores conseguem investir verbas federais em projetos, obras e compra de equipamentos em suas bases eleitorais nos estados. Assim, eles conseguem angariar a simpatia de seu eleitorado com o objetivo de se reelegerem sem depender de decisões e apoio de governadores ou do Presidente da República.
O crescimento do acesso dos parlamentares ao Orçamento cresceu muito nos últimos 10 anos por meio de mudanças na Constituição aprovadas no próprio Congresso. Em 2014, essas emendas representavam cerca de R$ 200 milhões. Em 2024, o montante pago foi de R$ 53 bilhões e o valor previsto para este ano é de R$ 50,4 bilhões.
Ou seja, os deputados agora cortejados pelos governadores, ainda vão depender do apoio deles nos palanques de 2026 para possíveis reeleições. Mas essa dependência é bem menor que no passado.
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Ações no STF contra estados podem desestimular apoio de governadores à anistia
A dependência dos estados em relação a decisões do STF em questões de judicialização de atos da administração pública também pode desistimular governadores a agirem de forma ativa no apoio à pauta da anistia aos presos de 8/1.
Apesar das ações judiciais não envolverem pessoalmente os governadores, há a possibilidade de que eventuais derrotas em causas sensíveis possam prejudicar a imagem política de quem está à frente do Executivo estadual, segundo analistas políticos ouvidos pela reportagem.
O caso do Rio de Janeiro demonstra como essa dependência funciona. No último dia 3, a Corte homologou parcialmente o plano do estado apresentado ao STF para levantar as restrições às ações da polícia nas favelas. O caso ficou conhecido como “ADPF das Favelas”. Restrições impostas pelo Supremo a operações policiais em áreas dominadas pelo crime organizado tinham o alegado objetivo de reduzir a letalidade policial, mas acabaram fortalecendo as facções criminosas.
A ação, impetrada pelo PSB em 2019, impôs restrições às operações policiais nas favelas, sob o argumento de que a atuação da polícia nesses locais estaria violando direitos humanos, inicialmente durante a pandemia. Desde então, o governo do Rio de Janeiro estava com as mãos atadas para combater o crime nessas regiões. As restrições acabaram levantadas na semana passada pelo Supremo.
O governador Cláudio Castro tornou público seu apoio à manifestação do último fim de semana em São Paulo a favor da anistia aos presos de 8/1, mas não compareceu pessoalmente devido a estragos provocados pelas chuvas no Rio de Janeiro.
Para além da segurança pública, os estados também dependem da Corte para resolver questões financeiras. Em agosto do ano passado, o STF autorizou que o governo de Minas Gerais retomasse o pagamento da dívida com a União, que chegou a R$ 165 bilhões. Com a decisão, o governo comandado por Romeu Zema deverá cumprir regras para ingressar no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa que visa auxiliar estados que enfrentam desequilíbrio fiscal.
O governo de São Paulo tem hoje 2.073 processos na Corte, onde figura como autor ou como réu. Em seguida vêm o Rio de Janeiro (687 processos), Minas Gerais (696), Santa Catarina (544) e Paraná (454) e Goiás (443). Mas a maioria deles não têm implicações políticas de grande escala.
“O medo de retaliação de um STF político barra os governadores, e estes, barrados, animam o STF a ser político. É um círculo vicioso”, disse o advogado constitucionalista André Marsiglia.
Governadores queriam apoio de Bolsonaro em eleições, dizem analistas
Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, a principal motivação dos governadores que participaram do ato no último domingo na Avenida Paulista, em São Paulo foi a disputa eleitoral de 2026. “Os governadores que foram, na sua grande maioria, são postulantes a uma chapa presidencial e sabem da importância do apoio de Bolsonaro. Eles perceberam que a mobilização seria um sucesso”, avaliou.
Embora o tema da anistia tenha sido a motivação do evento, Cerqueira diz acreditar que a presença dos governadores teve um foco mais estratégico do que propriamente uma defesa direta da pauta. “Eles falaram em favor da anistia, mas a maior motivação para estarem lá foi, com certeza, a questão eleitoral”, afirmou.
Sobre o andamento da proposta de anistia no Congresso, o cientista político destaca que Motta está segurando a tramitação enquanto avalia a força política dos partidos envolvidos.
“Ele quer ver a capacidade real das siglas de conseguirem furar esse bloqueio com assinaturas suficientes para avançar”, explicou. “Acredito que, para ele, o melhor é que essa pauta não avance”, opinou Cerqueira.









