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A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) recorreu nesta segunda-feira (27) contra sua condenação por suposta tentativa de golpe de Estado. Os advogados citaram o voto do ministro Luiz Fux, único a defender a absolvição do ex-mandatário, para solicitar a redução da pena e questionar a vinculação com os atos de 8 de janeiro de 2023 e a credibilidade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid.
Segundo o recurso, o voto de Fux demonstrou que "as ilegalidades" apresentadas durante o julgamento da ação penal não foram resolvidas. A defesa destacou que “os fatos imputados são graves” e que a decisão é “visivelmente injusta”.
Foram apresentados embargos de declaração, cujo objetivo é sanar ambiguidades, omissões e contradições no acórdão, documento que oficializa a decisão. Normalmente, os embargos de declaração não alteram o resultado do julgamento. A Primeira Turma condenou Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão.
Após a apresentação do recurso, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, pode solicitar uma manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR). Cabe ao relator pedir que o presidente da Primeira Turma, Flávio Dino, marque uma data para o julgamento dos embargos de declaração.
A defesa alega que o acórdão se "esforça para colocar o Embargante [Bolsonaro] como uma figura onipresente", mas repete "fundamentos contraditórios" onde as premissas "não encontram respaldo na prova". Os advogados Celso Vilardi, Paulo Cunha Bueno e Daniel Tesser, que representam o ex-presidente, classificam as palavras de Fux como “valiosas”.
"Em diversos momentos, essa dicotomia torna-se patente, mas não pode ficar intocada quando se está diante de acusações graves e impressionantes. Valiosas, na análise dos argumentos apresentados para a condenação do ex-Presidente, as palavras do d. Ministro Fux", diz um trecho do recurso.
Durante o julgamento, o ministro ressaltou que cada ato processual praticado pelo STF deveria refletir o “compromisso ético do julgador com a justiça concreta do caso, reafirmando, diante da sociedade, que a Constituição vale para todos e protege a todos — inclusive e sobretudo no campo sensível da jurisdição criminal”.
O ex-presidente e os outros sete réus do “núcleo crucial” foram acusados por cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado por violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Advogados questionam pena de 27 anos de prisão
Os advogados solicitaram a aplicação do princípio da consunção para os crimes abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. A medida consiste na absorção do crime menos grave ao mais grave e pode levar à redução da pena. Fux afirmou que Bolsonaro não poderia ser responsabilizado por esses dois crimes.
“Condutas praticadas pelo réu durante seu mandato como presidente da República não podem configurar o crime previsto no 359-M, do Código de Processo Penal, pois pressupõe a prática de conduta de tentar remover o mandatário do cargo, e era ele o mandatário do cargo”, destacou o ministro.
Segundo a defesa, o acórdão é contraditório, pois “reconhece a existência de um projeto unitário de poder”, mas também “afirma haver finalidades distintas” para justificar o concurso material. “Tal raciocínio é contraditório: se há unidade de desígnio e encadeamento único de condutas, a tentativa de golpe de Estado é mero meio normal de execução da abolição violenta da ordem democrática”, diz o recurso.
Além disso, a pena-base foi fixada de forma elevada em todos os crimes, pois Bolsonaro foi considerado o líder da suposta trama golpista. Para os defensores, o acórdão não expôs o cálculo que levou o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, a aumentar a pena final.
Eles apontam que a ausência de quantificação do "como" e "porquê" de cada vetor desfavorável é uma omissão. A defesa apontou discrepâncias nos cálculos do ministro, como a pena-base para o dano qualificado, que foi fixada em 3 anos (o máximo legal), representando um aumento de 100% do mínimo, enquanto no crime de organização criminosa o aumento foi de apenas 16%.
“Do modo como a dosimetria está exposta no voto condutor, não é possível ao embargante, alvo da exacerbada punição, saber os motivos pelos quais aquela pena está lhe sendo imposta”, disseram os advogados.
Vincular Bolsonaro ao 8/1 é “contradição lógica e jurídica”
Outro ponto levantado é a “contradição lógica e jurídica” da decisão pela vinculação das acusações aos atos de 8 de janeiro de 2023. Os advogados apontam que o acórdão impôs aos réus a "autoria mediata", utilizando a premissa de que os manifestantes presentes na Praça dos Três Poderes teriam sido usados como instrumentos e, portanto, agido "sem dolo ou culpa".
No entanto, a defesa aponta que o próprio acórdão registra que mais de 1.600 réus já foram condenados pelos mesmos fatos, tendo seu dolo (intenção) ampla e repetidamente reconhecido. Os defensores alegam que é juridicamente impossível punir os réus da ação penal quando o dolo dos “autores imediatos” pelos atos já foi atestado.
Em seu voto, Fux afirmou que “não é possível aceitar” a tentativa de vincular Bolsonaro aos atos de 8 de janeiro de 2023 com base apenas em discursos e entrevistas. O ministro apontou que a PGR preferiu “adotar uma narrativa desprendida da cronologia dos fatos alegados” em vez de individualizar as condutas dos réus.
Defesa de Bolsonaro diz ter sido cerceada e aponta "vícios" em delação
Os advogados consideram que o voto de Fux evidenciou a "gravidade do cerceamento de defesa" que marcou a instrução da ação penal. Em seu voto, o ministro alertou que a compreensão contemporânea da garantia do contraditório e da ampla defesa implica o dever do magistrado de acolher a manifestação das partes de forma efetiva, e não meramente formal.
Na ocasião, Fux destacou a alegação das defesas de que houve cerceamento devido à disponibilização tardia de um "tsunami de dados" (document dumping), sem identificação suficiente e antecedência minimamente razoável.
Os advogados reforçaram que os autos foram disponibilizados em "imensa quantidade”, com “links desorganizados” e incompletos, caracterizando uma tática de document dump. O volume de dados alcançou 70 terabytes. “Descompactados, a quantidade de material equivaleria a quase 44 bilhões de páginas”, afirma a defesa.
A defesa apontou "vícios" na delação premiada de Mauro Cid, alegando que o delator mentiu e agiu "confessadamente pressionado". Para os advogados de Bolsonaro, a versão que prevaleceu na delação foi a do delegado, não a do colaborador, diante da necessidade de retificações nas narrativas.
Braga Netto pede revisão de pena
A defesa do ex-ministro Walter Braga Netto alega que a condenação é "absolutamente injusta e contrária à prova dos autos", resultado de um processo conduzido sem a "necessária imparcialidade" e norteado por uma "delação comprovadamente mentirosa". O general foi condenado a 26 anos de prisão.
Os advogados solicitaram correções na dosimetria, apontando que a pena final deve ser corrigida para 25 anos e 6 meses. Eles consideram que o acórdão contém vícios de omissão e contradição e buscam a anulação do processo. A defesa reafirmou a tese de suspeição de Moraes e sustenta que ficou impedida de ter acesso amplo e efetivo aos elementos de prova, violando o princípio da “paridade de armas”.
Anderson Torres
A defesa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres pede que o acórdão esclareça qual ação específica ele deveria ter praticado para evitar os atos de 8 de janeiro de 2023, e se sua presença no país teria sido decisiva para evitar a ocorrência dos fatos, sanando a obscuridade sobre o nexo de causalidade na omissão imprópria. À época, Torres era o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, mas estava de férias nos Estados Unidos.
Caso a condenação seja mantida, a defesa requer a readequação da dosimetria da pena imposta de 24 anos. Segundo os advogados, a pena-base de todas as imputações deve ser fixada no mínimo legal, em consonância com as circunstâncias judiciais favoráveis, como ser réu primário, ter bons antecedentes e conduta social irrepreensível.
Alexandre Ramagem
O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi condenado a 16 anos, 1 mês e 15 dias. Como a pena a ser cumprida em regime fechado ultrapassa 120 dias, o colegiado determinou a perda do mandato. O parlamentar não foi julgado pelos dois crimes de dano ao patrimônio.
A defesa pede que a Corte estenda a resolução da Câmara que suspendeu a ação penal para crimes praticados após a diplomação à infração de organização criminosa. Os advogados pedem que os ministros analisem a aplicação da lei que permite a diminuição da pena quando a participação for de menor importância. Além disso, pedem a retificação do acórdão para que seja afastada a aplicação automática da perda do cargo público de delegado federal.
Almir Garnier
A defesa de Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, questionou a pena de 24 anos de prisão e pediu esclarecimentos sobre os critérios usados para valorar negativamente sua culpabilidade, baseada no "exercício de funções de alta responsabilidade no Estado". Os advogados pedem a equalização das penas-base de todos os delitos, reduzindo-se ao patamar uniforme de 20% sobre o mínimo legal.
Paulo Sérgio Nogueira
A defesa do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira busca a reversão da condenação, alegando que o próprio acórdão reconheceu elementos fáticos que excluem ou minoram sua responsabilidade penal. Os advogados apontam que Nogueira agiu para diminuir o risco da ruptura institucional. Caso a condenação seja mantida, a defesa pede a readequação da pena de 19 anos para 16 anos e 4 meses, sendo 14 anos e 3 meses de reclusão e 2 anos e 1 mês de detenção.
Augusto Heleno
A defesa do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno pediu sua absolvição ou a readequação da pena de 21 anos imposta pela Primeira Turma. Os advogados pedem que a decisão seja declarada nula por cerceamento de defesa, pela atuação de Moraes e ausência de prova de participação.
Caso a condenação seja mantida, a defesa requer que as penas-base sejam mantidas no patamar mínimo legal, argumentando que os motivos citados para majorar a pena são “genéricos” e em razão da participação de menor importância de Heleno. Além disso, pede a redução da multa para um sexto do salário-mínimo por dia-multa, alegando que o valor fixado em 84 dias-multa ao valor de um salário-mínimo é “excessivamente elevado”.
Defesa de Cid não apresenta embargos de declaração
A defesa do tenente-coronel Mauro Cid decidiu não recorrer da decisão da Primeira Turma. Por ter firmado o acordo de delação, o militar foi condenado a 2 anos de prisão. Os advogados consideram que Cid já cumpriu a pena durante as investigações, pois além do período preso, cumpre medidas cautelares. Na semana passada, a defesa pediu a extinção da punibilidade do militar.
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