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Para conter os gastos públicos, o governo decidiu mudar as regras para o reajuste do salário mínimo. A nova política de reajuste consta no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) encaminhado ao Congresso. Ele passa a ser ajustado apenas pela inflação, sem ganho real.

Antes, entre 2012 e 2019, o piso salarial era reajustado pela inflação do ano anterior – medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação da cesta básica de famílias com renda de até cinco salários mínimos – mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.

A previsão do governo é que o salário mínimo fique em R$ 1.040 em 2020, R$ 1.082 em 2021 e R$ 1.123 em 2022, caso as projeções para o INPC feitas no PLDO se concretizem.

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Na maioria das vezes, essa fórmula garantiu algum aumento real, à exceção dos anos 2017 e 2018, quando o cálculo foi influenciado pelo PIB negativo de 2015 e 2016.

“Do ponto de vista social, pode parecer injusto congelar o salário mínimo”, aponta Ana Paula Cherubim, professora de Finanças do curso de Administração da UFPR. “Agora, o que é melhor, ter R$ 5 no aumento em 2020 e em 2021 metade das prefeituras não pagar as aposentadorias e salários ou ter esse valor congelado e ter uma perspectiva de continuidade de pagamento? O aspecto positivo é o governo tentar enxugar os gastos”, avalia.

A professora entende que para as finanças pessoais das famílias, a mudança nas regras do reajuste do salário não faz diferença. Sobretudo porque o consumo das classes C e D ainda é tímido, já que o percentual das famílias com dívidas (com atraso ou não) no país chegou a 61,5% em fevereiro deste ano, de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) da Confederação Nacional do  Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A taxa é superior aos 60,1% de janeiro e aos 61,2% de fevereiro de 2018. “O que tem levado as pessoas a consumir menos é que as famílias estão muito endividadas”, diz.

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Para a especialista, o que faz diferença real para as famílias é emprego. “Se um único membro da família ganha R$ 998 ou R$ 1.005, não vai fazer diferença no bem estar da família. Basta comprar uma carteira de cigarro a menos”, sugere. “Se o governo mostra acertar as contas e monstra um mínimo de seriedade, a longo prazo você tem mais possibilidade de mais pessoas voltarem a trabalhar.”

Ana Paula lembra ainda que, nas capitais, as classes de trabalhadores contam com salário mínimo definido para as categorias, o que faz com que os empregados com registro em carteira ganhem no mínimo um salário ou mais.

O salário mínimo é o piso de diversos benefícios e políticas públicas e qualquer reajuste real tem um impacto grande no orçamento, o que contribui para o rombo nas contas públicas. Para este ano, a previsão do governo é de um déficit primário (isto é, antes mesmo do pagamento dos juros da dívida) de até R$ 139 bilhões. Para 2020, a projeção é de um rombo de R$ 124,1 bilhões.

O salário mínimo é, por exemplo, o piso do INSS, do Benefício de Prestação Continuada (BPC), do seguro-desemprego e do abono-salarial. Segundo cálculos feitos por técnicos da área no PLDO de 2018, cada real a mais no salário mínimo aumenta em R$ 304 milhões por ano as despesas públicas.

Para Christian Bundt, do Comitê Macroeconômico do Isae Escola de Negócios, o maior problema de uma decisão como essa é a mensagem que ele transmite ao mercado e à população.

“Quando você congela o salário, você está dizendo ‘consumo, você não vai subir’. Se já está ruim agora, imagina se você não dá os aumentos previstos”, avalia Christian. Ele avalia a decisão como conservadora, e com poder de frustrar expectativas.

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Para ele, há uma lição de casa que o governo precisa fazer: incentivar a produção e fomentar o empreendedorismo. E para isso, existe uma proposta de reforma tributária no Congresso, “ainda tímida”, avalia, ainda que seja boa, com potencial de desburocratizar a vida de quem gera empregos.

Efeito arrasto

Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos (Dieese), vê a questão sob outra perspectiva. Ele calcula que, se a regra apresentada no PLDO pelo governo do presidente Jair Bolsonaro tivesse sido colocado em prática durante o período de política de valorização do salário mínimo, a partir de 2014, o valor dele hoje seria de R$ 573 reais. “Portando, há R$ 425 destes R$ 998 que são decorrentes da política de valorização que o presidente quer acabar”, afirma.

Nos cálculos da entidade, o valor atual de R$ 998 injeta na economia R$ 265 bilhões por ano em massa de salários e benefícios previdenciários. Hoje, 48 milhões de pessoas têm rendimento cuja referência é o salário mínimo. “Se a gente considerar que tem outras pessoas que melhoram o rendimento no efeito arrasto do salário mínimo, porque ele arrasta uma base salarial, provavelmente esses R$ 265 bilhões virariam R$ 300 bilhões facilmente”, calcula.

Para o especialista, ao substituir o cálculo anterior pelo reajuste único pela inflação, o governo retira um dinamizador da economia. “Cada real que você coloca a mais na base salarial, ele se transforma em consumo, que de um lado induz as empresas a produzirem para atender o aumento do consumo, induz a receita tributária do estado porque gera tributo, gera contribuição para a previdência, gera impostos diretos e indiretos e isso tudo melhor a performance fiscal do estado”, informa.

Como era antes

De 2012 a 2019, o piso salarial era reajustado pela inflação do ano anterior – medida pelo INPC – mais a variação do PIB de dois anos antes. A regra de reajuste constava de uma lei proposta em 2011, no início do primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, e foi mantida por outra lei, de 2015. Na prática, a legislação formalizou um compromisso de valorização do salário mínimo que o então presidente Lula havia assumido ainda na década anterior.

A legislação criada por Dilma vigorou até 2019. Assim, o governo Bolsonaro pode estabelecer a nova fórmula, que ainda vai passar por votação no Congresso. Ou simplesmente decretar o valor do mínimo a cada ano, sem obedecer a uma regra formalizada em lei.

Embora não ofereça ganhos reais ao assalariado, a nova política encontra amparo na Constituição porque preserva o poder de compra do trabalhador ao repor a inflação. Mas a expectativa é que sindicatos questionem a regra na Justiça e o debate entre parlamentares envolvendo o tema seja intenso.

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