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FPA é contra

Decisão de Dino de desapropriar áreas atingidas pelo fogo pode punir fazendeiros inocentes

Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) aponta que decisão de Dino de desapropriar áreas atingidas por fogo ou desmatamento pode punir produtores inocentes.
Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) aponta que decisão de Dino de desapropriar áreas atingidas por fogo ou desmatamento pode punir produtores inocentes. (Foto: Divulgação/Frente Parlamentar da Agropecuária)

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A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino que autoriza a desapropriação de imóveis atingidos por incêndios ou desmatamento ilegal motivou críticas da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Para a bancada, embora seja fundamental combater crimes ambientais com rigor, o STF não pode atropelar o devido processo legal nem os princípios constitucionais.

A decisão do ministro veio a público na segunda-feira (28). Ela determina que pazendas e propriedades rurais atingidas por fogo ou desmatamento sejam tomadas pelo governo e adicionadas ao patrimônio da União, caso seja provado envolvimento do dono com crimes ambientais.

Em nota oficial, a FPA destacou que o tema já está em debate no Congresso Nacional, com foco em punir os responsáveis pelos crimes ambientais e proteger o meio ambiente. No entanto, segundo os parlamentares, é injusto penalizar proprietários de boa-fé sem uma investigação adequada e critérios objetivos que assegurem a comprovação da culpa. 

“O produtor que cumpre a lei também é vítima dos incêndios. Vamos manter nossa atuação para fortalecer a legislação, endurecer a punição dos culpados e garantir segurança jurídica a quem produz com responsabilidade”, afirmou a bancada do agro em nota.

Ao proferir a decisão, Dino argumentou que o uso do dinheiro público para combater incêndios e desmatamentos ilegais pune duplamente a sociedade. "Não é razoável que, ano após ano, bilhões de reais de dinheiro público sejam gastos combatendo incêndios dolosos e desmatamentos claramente ilegais. Com este ciclo perpétuo, pune-se duplamente a sociedade", ressaltou o ministro.

De acordo com a advogada especialista em regularização agroambiental, Rebeca Youssef, a desapropriação deverá ocorrer mediante justa e prévia indenização. "Sempre que se fala em desapropriação, o termo já faz referência a um processo próprio para isso, que envolve justa e prévia indenização”, explicou a advogada. No entanto, a forma como isso será feito depende da regulamentação pela União, que faz parte da determinação do ministro Dino. 

Nos casos já previstos e regulamentados, a desapropriação implica que o órgão abra um processo administrativo, intimando o interessado (proprietário da área). “O proprietário então tem que apresentar um rol de documentos, ter toda uma instrução para respeitar direitos de defesa, e aí sim chega-se num valor”, completou a advogada Rebeca. 

O deputado Evair de Melo (PP-ES) disse à Gazeta do Povo que a decisão de Dino “é uma insensatez jurídica e política. “A decisão não apresenta critérios técnicos claros nem garantias de defesa”, avaliou o deputado que comanda a comissão de direito de propriedade da FPA. 

Ao longo de 2024, quando o Brasil registrou o maior número de queimadas desde 2010, o Congresso passou a debater propostas para endurecer as punições contra incêndios criminosos. Em resposta aos prejuízos causados pelas queimadas, que ultrapassaram a marca de R$ 1 bilhão, desde agosto do ano passado, a FPA buscou a aprovação de pelo menos quatro projetos de lei que aumentam as penas para quem comete crime ambiental envolvendo incêndios. Os projetos, no entanto, ainda aguardam votação.

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Decisão de Dino sobre desapropriação deixa execução e critérios a cargo do Executivo 

A decisão sobre as desapropriações foi proferida pelo ministro Flávio Dino na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 743. No documento, Dino intima a União para que “promova as medidas administrativas necessárias à desapropriação, por interesse social, de imóveis atingidos por incêndios dolosos ou desmatamento ilegal quando a responsabilidade do proprietário esteja devidamente comprovada”. 

Na decisão, o ministro Dino não especifica quais procedimentos ou tipos de evidências devem ser utilizados para comprovar a responsabilidade do proprietário. Para a advogada Rebeca Youssef, especialista em regularização agroambiental, isso ocorre pois o STF não tem competência para definir esses critérios, cabendo ao Congresso regulamentá-los e ao Executivo aplicá-los. Rebeca afirma ainda que com a desapropriação, a área é incorporada ao domínio da União. “Daí em diante, deve-se regulamentar a destinação”, disse a advogada. 

De acordo com a avaliação do pós-doutor em direito pela Universidade de Coimbra e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades), Georges Humbert, apesar de estar previsto na Constituição que propriedades que não cumpram a função social podem sofrer a desapropriação, o ato em si é de escolha do Poder Executivo. “[A desapropriação] depende de planejamento, orçamento e interesse público que justifique o ônus de assumir a propriedade”, pontuou Humbert. 

Advogados rejeitam desapropriação como solução para punir crimes ambientais 

O uso das desapropriações como forma de punir os proprietários de terras em que forem identificadas infrações ambientais gera insegurança jurídica. Para a advogada Rebeca Youssef, a decisão do STF ignora os mecanismos já previstos na legislação ambiental brasileira e pode gerar prejuízos a produtores que agem de boa-fé.

“O impacto imediato é a insegurança jurídica. Já existem processos em tramitação em todas as esferas sobre desmatamento ilegal e a legislação garante, inclusive nesses casos, o direito de adesão ao PRA [Programa de Regularização Ambiental]”, destacou a advogada. O PRA é um programa criado para permitir que produtores rurais regularizem passivos ambientais, como áreas desmatadas sem autorização.

Além disso, para Rebeca, a decisão de Dino ignora as particularidades de cada estado na implementação do Código Florestal e na concretização do direito à regularidade ambiental.

O pós-doutor em direito, Georges Humbert, também faz críticas sobre a decisão de Dino. “Na prática não é razoável, necessário e adequado, expropriar, indistintamente, todas as áreas que haja desmatamento, como política pública de controle e monitoramento ambiental”, avalia Humbert. Ele aponta ainda que o poder público já é dos maiores proprietários de terra e imóveis do país. “Relatórios científicos, auditorias e pareceres da CGU e do TCU apontam a total incapacidade de gestão das mesmas, inclusive as ambientalmente sensíveis, como as unidades de conservação”, completou. 

Para o deputado Evair de Melo, a possibilidade de desapropriação ainda abre brecha para criminalizar o produtor rural por “presunção ideológica”. “Quem vai decidir se o incêndio foi doloso? Um perito imparcial ou um militante infiltrado no Estado? Vão usar laudos forjados para justificar invasões e desapropriações? Essa responsabilização sem provas é perseguição disfarçada de justiça ambiental — e quem paga a conta é o produtor de bem”, disse o deputado. 

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