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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira; o ministro da Casa Civil, Rui Costa; e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, na sessão de abertura do ano legislativo no Congresso.| Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Depois de um discurso duro contra o Executivo na abertura de mais um ano do Legislativo, e de um período de silêncio absoluto sobre interferências e ações contra parlamentares, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, finalmente se pronunciou; e as palavras duras tiveram o poder até de adiar um encontro entre a equipe econômica e líderes da base para discutir um dos principais problemas deste início de ano: a desoneração de setores da economia, que o governo tenta reverter por meio de medida provisória.

Ao afirmar que os deputados exigiam respeito a acordos firmados e palavra empenhada, e que a Câmara não seria mera "carimbadora", Arthur Lira mirou e acertou direto no alvo, o Executivo, que durante o recesso aproveitou a folga dos deputados para modificar uma decisão do Parlamento e acabar com as isenções concedidas a 17 setores produtivos da economia.

O primeiro reflexo de que o governo entendeu o recado foi o cancelamento da reunião entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e líderes da Câmara, que tinha sido agendada para ocorrer na terça-feira (6), depois do encontro marcado com senadores aliados. Ao contrário dos deputados, os senadores tiveram a reunião e saíram da conversa com o governo confiantes sobre uma solução para o problema.

O próprio Haddad disse, ao final do encontro, que o adiamento da reunião com representantes da Câmara foi pedido pelo próprio líder do governo na Casa, o deputado José Guimarães (PT-CE), que teria avaliado que o "clima" não era bom. Além disso, Guimarães também teria levado em conta a ausência de vários desses parlamentares em Brasília no início da semana.

Governo nega crise com Lira

Apesar do aparente mal-estar gerado pelo discurso de Arthur Lira, o líder do governo na Câmara, José Guimarães, disse a jornalistas que não há nenhum tipo de crise entre os poderes, e que o encontro entre Haddad e os demais líderes da base aliada ficou para depois do carnaval.

“Nós faremos após o carnaval em função de que os líderes, a maioria está viajando, não tem nem votação na Câmara. Nós achamos, por prudência, fazer essa reunião após o carnaval […] A remarcação da reunião e o discurso são coisas distintas. Não é porque ele fez o discurso que nós marcamos ou desmarcamos. Eu acho que o presidente Lira fez um pronunciamento amplo sobre as relações com o governo. Não achei nada demais”, disse Guimarães.

O ministro da Fazenda adotou o mesmo discurso, e ao ser perguntado sobre uma possível tensão com Arthur Lira, disse que "está tudo bem". Essa não é a primeira vez que Arthur Lira manifesta descontentamento com o Executivo.

Nos bastidores, deputados e aliados do Planalto dizem que há uma forte insatisfação do presidente da Câmara com a articulação política entre governo e Congresso, comandada por Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais. Na solenidade que marcou o reinício dos trabalhos legislativos, tanto o ministro da articulação política quanto o ministro da Casa Civil, Rui Costa, se esforçaram para dizer que está tudo bem entre Lira e o Palácio.

Saida para desoneração poderá vir por meio de projeto de lei com urgência constitucional

Enquanto os líderes da Câmara ainda não conversaram com a equipe econômica, senadores estiveram na Fazenda e saíram do encontro com a expectativa de uma saída para a polêmica em torno da desoneração da folha de pagamento, benefício concedido a setores da economia ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, do mesmo PT que agora quer pôr fim às isenções concedidas e negociadas durante o ano passado no Congresso Nacional.

O líder do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB), que relatou a medida provisória da desoneração, disse após o encontro que o governo pode enviar ao Congresso até o final da semana um projeto de lei tratando da questão.

Em entrevista após o encontro com Haddad, ele disse que "tentar refazer decisão do Congresso Nacional, tendo que se respeitar a decisão soberana do plenário, por MP, não seria o melhor caminho. Houve a compreensão do ministro, e ele levará esse tema ao presidente [Lula]."

Ainda de acordo com Efraim Filho, a desoneração trata de mais empregos para quem trabalha, e a expectativa é de que esse trecho seja separado da medida provisória 1202/23, que foi enviada ao Congresso no final do ano passado, e que tem gerado tanta polêmica entre os parlamentares.

Deputados esperam que Lira mantenha discurso sobre respeito a acordos

Enquanto não se chega a uma solução sobre o que será feito em relação à desoneração da folha de pagamentos, deputados de oposição dizem esperar que o tom duro do discurso de Lira na abertura do ano do Legislativo seja real e não "bravata".

O líder da oposição, Carlos Jordy (PL-RJ), disse que a tendência é de que a oposição não ceda aos caprichos do governo - "sobretudo nesse momento de grande tensão". "Agora é o momento do Parlamento se fortalecer, se posicionar", disse Jordy, que também afirmou que a oposição vai continuar lutando contra as intromissões do Judiciário no Legislativo.

Ele foi alvo da Polícia Federal no mês passado, com operações de busca e apreensão em seu gabinete e residência; assim como o colega de partido do Rio de Janeiro, Alexandre Ramagem. Ambos são pré-candidatos a pelo Partido Liberal, sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro, às prefeituras Niterói e do Rio Janeiro, e se sentiram perseguidos pela Justiça.

Já o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes, disse à Gazeta do Povo que espera que o discurso de Lira se reflita no dia a dia da Casa. "A Câmara não pode estar sofrendo intervenções como anda sofrendo, a torto e a direito. E o presidente Arthur [Lira] está defendendo a Câmara. Ele fez muito bem", completou.

Côrtes também fez questão de destacar que a Câmara deve cobrar os acordos firmados, principalmente no caso dos vetos às emendas parlamentares e a questão da desoneração da folha, e que não deve aceitar retrocessos. "Foi construído, palavra dada, todos os partidos, e o governo não honra a palavra. Isso não pode acontecer na política. Não é porque o dono da bola, o Executivo, que pode desonrar com a palavra dada".

Kim Kataguiri (União-SP) acredita que é preciso aguardar para ver se as palavras de Lira vão se transformar em realidade. "Acho que não é motivo para ânimo, a principal sinalização foi derrubar o veto das emendas". Essa questão, por sinal, é outro ponto de conflito entre deputados e o governo.

O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, Danilo Forte (União-CE), disse que não vê "boa vontade" no sentido de recomposição das emendas parlamentares, uma "prerrogativa do Parlamento".

As emendas são uma forma de os parlamentares influenciarem no Orçamento enviando verbas diretamente para suas bases eleitorais. Se não houver acordo, tanto em relação à parte do veto que derrubou o calendário para pagamento das emendas de pagamento obrigatório e ao corte de R$ 5,6 bilhões das emendas de comissões, a tendência é de que o Congresso derrube o veto de Lula, acrescentou.

Danilo Forte também defende o discurso de Lira sobre o respeito a questões acordadas. "O Congresso é o que melhor representa a democracia. Aqui estão todas as tribos, todas as comunidades, todos os estados. Aqui é onde tem mais transparência dos Três Poderes, é no Congresso Nacional", afirmou.

O deputado Sargento Fahur (PSD-PR) é mais um que disse esperar de Lira uma postura de defesa enfática do Parlamento ao longo do ano. "É preciso fazer, não é um enfrentamento, mas ocupar o espaço do Parlamento entre os Três Poderes. Eu gostei do discurso, espero que seja do coração e não da boca para fora".

A oposição ainda vai buscar um encontro com Arthur Lira, segundo o deputado, para debater as pautas de interesse dos partidos de centro e de direita, e para marcar posição sobre as últimas interferências dos demais poderes no Congresso Nacional.

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