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Urna eletrônica usada nas eleições
Oposição e governo se articulam em municípios em alianças improváveis.| Foto: André Rodrigues/Arquivo/Gazeta do Povo

O pragmatismo político no Brasil faz com que as alianças entre políticos nas eleições municipais unam localmente partidos que são adversários no cenário nacional. Em 2024, o Partido dos Trabalhadores (PT), de Luiz Inácio Lula da Silva, deve se aliar ao Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro, para eleger prefeitos e vereadores em algumas cidades do país.

Segundo o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a formação de coalizões municipais é uma estratégia política importante para os partidos. Isso porque ela permite ampliar a base eleitoral e obter mais recursos financeiros e apoio político.

Assim, se uma aliança tiver potencial para atingir esses objetivos, as discordâncias nacionais costumam ser colocadas de lado.

Ainda em 2023, membros do PT e do PL estão tentando costurar alianças em municípios dos Estados do Rio de Janeiro, do Ceará, do Maranhão e da Bahia para as eleições de 2024. Apensar de não gostarem desses acordos, lideranças nacionais dos partidos devem ter que tolerá-los.

O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, escreveu em uma rede social que quer vetar qualquer aliança entre seu partido e o PT para as eleições de 2024. "Não existe nenhuma hipótese de coligação com o PT. Somos oposição e assim seguiremos", escreveu.

Alianças entre direita e esquerda são negociadas nos Estados do RJ, CE, MA e BA

De acordo com apuração do jornal O Globo, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), estaria se aproximando prefeito da capital, Eduardo Paes (PSD). O objetivo seria negociar as candidaturas de Rodrigo Neves (PDT) em Niterói e de Washington Quaquá (PT) em Maricá, em troca de apoio ao governador na Baixada Fluminense.

No Ceará, o deputado federal Júnior Mano (PL-CE), um dos oito deputados da legenda de Costa Neto punidos por votar a favor da medida provisória da reestruturação ministerial (pró-governo), discute uma aliança com Júlio César Filho, pré-candidato à prefeitura de Maracanaú, do PT.

Já no Maranhão, o deputado João Maranhãozinho (PL-MA) também negocia uma aliança com o colega Duarte Jr. (PSB-MA), pré-candidato à prefeitura de São Luís.

Na Bahia, o deputado estadual Raimundinho da JR (PL) busca o apoio do governador Jerônimo Rodrigues (PT) para sair como candidato à prefeitura de Dias D’Ávila.

Solução de problemas locais tende a prevalecer sobre política nacional em 2024

“De modo geral, as eleições municipais possuem uma dinâmica diferente das eleições gerais, porque os eleitores costumam votar mais em candidatos locais, em chefes políticos locais, pessoas que possuem identificação muito próxima com o cidadão", disse o cientista político Elton Gomes.

“Os candidatos locais estão mais afeitos às questões que atingem diretamente a vida dos cidadãos, como saúde, educação, transporte e segurança num nível muito básico, iluminação pública, limpeza urbana, saneamento, conservação do patrimônio público e coisas dessa ordem - bem mais simples do que questões nacionais”, explica o professor.

Para o cientista político Antonio Henrique Lucena, professor na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), as eleições municipais possuem uma dinâmica própria de funcionamento, o que permite alianças estranhas ao cenário nacional.

“O que mais pesa é obviamente a dinâmica local: ela envolve os caciques da região e a viabilização dos recursos financeiros. E lembro que no Brasil os partidos têm baixa consistência programática. Então, dependendo das alianças, é muito comum um troca-troca de partido, entrada em um, saída, entrada em outro”, disse o professor.

Porém, ele também disse que essa forma de fazer política é feita desde o período imperial. O Partido Conservador era mais ligado ao setor agropecuário e o Partido Liberal tinha como base os funcionários públicos. Mas, já na época imperial, havia pouca diferenciação entre eles e os políticos trocavam de partidos frequentemente.

O cientista político Adriano Cirqueira, docente no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), explica que tamanho dos municípios também influencia na forma como os partidos se coligam e como as alianças políticas são construídas.

“Só nos municípios com um eleitorado maior, acima de 200 mil, é que o segundo turno também acontece. Nesse contexto, geralmente, nas eleições municipais de um turno só, há uma tendência de partidos adversários se coligarem, visando ganhar o pleito. O quadro de fragmentação de candidaturas, que é comum a gente assistir em eleições, dificilmente vai ter mais de três candidatos. Isso força uma aliança de partidos que no plano estadual ou mesmo federal tendem a ser adversários.”

Ele acrescentou: “O principal reflexo das eleições municipais para a eleição presidencial é a possibilidade de a candidatura à presidência ter um apoio, uma base eleitoral nos municípios dos quais ele atuou favoravelmente. Com isso, vamos assistir o PL e o PT, que são os principais disputantes da eleição nacional, fazerem uma peregrinação para criar boas condições para ampliar o quadro de prefeitos e vereadores".

Eleições passadas já uniram partidos que se antagonizavam, como PT e PSDB

A dificuldade de manter a fidelidade ideológica e partidária nos pleitos municipais sempre foi um desafio para os partidos no Brasil. A tentação de se aliar ao “inimigo”, visando aumentar o capital político, já realizou uniões pouco prováveis em eleições anteriores, como PT e PSDB.

Em 2020, por exemplo, PSDB, PT, DEM E PSOL se uniram em torno da candidatura de José Sarto (PDT), atual prefeito de Fortaleza, para derrotar o deputado federal Capitão Wagner (Pros), aliado de Bolsonaro. O parlamentar foi o principal nome de oposição a Ciro e Cid Gomes em Fortaleza, grupo que apadrinha a candidatura de Sarto.

Assim, a dobradinha entre petistas e tucanos também foi vista em 2016, ano do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Em Adolfo, cidade de cerca de 3.000 habitantes da região metropolitana de São José do Rio Preto, no noroeste de São Paulo, PT e PSDB se uniram em coligação para tentar eleger 19 candidatos à Câmara Municipal.

Tempo de propaganda na TV também já determinou alianças improváveis em eleições

O pleito de 2008 foi marcado por grandes acordos entre os principais partidos. Segundo um levantamento feito pelo site G1, na época, alianças entre PT, PSDB e DEM ajudaram a eleger 255 prefeitos. Só entre tucanos e petistas foram 134 acordos. Já entre PT e o DEM, foram 121. As três siglas também aparecem juntas em 139 coligações.

Além disso, na época, o então prefeito de Nova Iguaçu (RJ), Lindberg Farias (PT), confirmou que a legenda possuía uma relação mais estreita com o PSDB local.

Do lado tucano, Marcos Brambilla, eleito em Pirapozinho (SP), disse que, “se tirar a sigla”, PSDB e PT “são dois grupos políticos que se fundem em objetivos comuns”.

Já em 2012, a união entre PP e PT reuniu velhos adversários no mesmo guarda-chuva. Assim, Lula e o então deputado federal Paulo Maluf (SP) decidiram que as legendas caminhariam juntas em São Paulo após anos de embates e ofensas. A negociação foi vista como um esforço inédito para cacifar tempo de televisão para os partidos.

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