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emendas de relator
Fachada do Congresso: as emendas de relator não foram criadas durante a atual legislatura, mas foram infladas desde 2019| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

As emendas de relator — cujos pagamentos estão suspensos por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) — não foram criadas na atual legislatura, mas seus valores orçamentários foram inflados desde o orçamento de 2020. Tecnicamente chamadas de emendas do identificador de resultado primário nº 9 (RP9), os pagamentos dessa rubrica orçamentária criaram uma dependência entre o governo e o Congresso: o primeiro as paga e o segundo vota projetos de interesse do Planalto.

A identificação de quem sugeriu a emenda de relator é difícil de ser feita — é justamente a alegada falta de transparência que levou o STF a suspender o pagamento. Oficialmente, elas são propostas pelo relator do orçamento, daí o nome pelo qual ficaram conhecidas. Mas, na prática, qualquer parlamentar pode pedi-las por intermédio do relator. Essa possibilidade de o "pai" da emenda não ser identificado levou as RP9 a serem apelidadas de "orçamento secreto".

As emendas do orçamento existem para permitir que parlamentares designem parte dos recursos públicos federais aos estados que eles representam. A ideia por trás do mecanismo é de que o deputado ou senador, conhecendo melhor a realidade da região que o elegeu, teria mais capacidade para identificar as prioridades dos moradores locais e, assim, destinar com qualidade os recursos disponíveis.

Na prática, porém, as emendas se tornaram moeda de troca na relação entre governo e Congresso. Quando precisa de apoio em votações de maior importância, o governo intensifica a liberação de emendas. Desde a redemocratização do país, na década de 1980, todas as gestões presidenciais seguiram essa lógica política.

As emendas de relator foram citadas no relatório final da chamada CPI dos Anões, em 1993, como "componente vital do esquema" que investigou 37 parlamentares por suspeita de cobrança de propinas de prefeitos e empreiteiras para incluir obras no Orçamento por meio de emendas.

Por que as emendas de relator ganharam os holofotes em 2021

Mesmo sendo um instrumento existente desde a redemocratização, as emendas de relator atraíram os holofotes da política nacional depois que o Congresso "turbinou" a verba destinada a essa rubrica orçamentária na atual legislatura em consentimento com o presidente Jair Bolsonaro.

O orçamento de 2019 — aprovado em dezembro de 2018 — previa R$ 2,76 bilhões em emendas de relator. Em 2020, as RP9 foram propostas em um valor inicial de R$ 30,1 bilhões, mas ficaram em R$ 20,1 bilhões após acordo entre Congresso e governo. Em 2021, deputados e senadores aprovaram R$ 29,01 bilhões em emendas de relator, mas o governo vetou uma parte e negociou um montante final de R$ 18,52 bilhões.

Os valores são significativamente superiores em relação a governos anteriores. Na gestão Michel Temer (MDB), entre 2016 e 2018, foram apresentados, em média, R$ 4,8 bilhões por ano em emendas de relator. Na gestão de Dilma Rousseff (PT), entre 2011 e 2015, as RP9 foram de R$ 3,8 bilhões, em média, por ano, segundo levantamento da Consultoria de Orçamento da Câmara revelado em junho a pedido do portal UOL por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Em setembro, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Temer demonstrou sua contrariedade com as emendas de relator. "Eu sou contra [as RP9] e não tive 'orçamento secreto' no meu governo. As coisas eram muito transparentes. A gente liberava as emendas impositivas porque vinham governadores e bancadas estaduais para pleitear verbas para os estados e municípios", disse.

A gestão Temer liberou R$ 6,6 bilhões em emendas parlamentares para rejeitar as duas denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra ele por suspeita de corrupção passiva. A execução foi feita, contudo, por meio de emendas individuais (as RP6), que são impositivas, ou seja, de execução obrigatória no orçamento. As RP9 não são impositivas e seguem critérios políticos, ou seja, não são igualitárias entre todos os deputados e senadores, podendo ser negociadas por acordos políticos.

Como ocorreu a inflação das emendas de relator

Somente em meados do primeiro ano de gestão de Bolsonaro e da atual legislatura foi que o Congresso se articulou para "turbinar" as emendas de relator. "O governo Bolsonaro se mostrou tão fraco, incapaz e inábil em montar uma base e negociar com o Parlamento que o Rodrigo Maia [ex-presidente da Câmara] fez o que fez e criou tudo isso", diz o deputado federal José Nelto (Podemos-GO), vice-líder do partido.

O desejo de Maia em entregar ao Congresso o controle de uma fatia maior do orçamento federal levou o ex-presidente da Câmara a articular com o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, deputado Cacá Leão (PP-BA), a inclusão de R$ 30,1 bilhões em RP9 impositivas — ou seja, de execução obrigatória — no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) daquele ano, de relatoria do deputado Domingos Neto (PSD-CE).

Sem um acordo inicial com o Congresso, Bolsonaro sancionou com vetos a LDO de 2020, em novembro de 2019, e rejeitou as emendas impositivas de relator. O Congresso reagiu e o governo enviou uma proposta (PLN 51/2019) para restabelecer o caráter impositivo das RP9.

Em dezembro, o Congresso aprovou o PLN 51/19 e o orçamento de 2020, inclusive com emendas impositivas de relator-geral em R$ 30,1 bilhões. Dois dias depois, Bolsonaro vetou, pela segunda vez, o caráter impositivo dessas emendas. Um acordo firmado com o Centrão, contudo, assegurou a manutenção do veto por 398 votos a favor e dois contrários na Câmara.

O acordo firmado para manter o veto de Bolsonaro à impositividade das emendas de relator, em dezembro, teve a participação do então líder do Centrão, o deputado Arthur Lira (PP-AL) — que, em 2020, se notabilizou como um dos principais articuladores do Congresso e se tornou o fiador político do governo que permitiu ao Planalto construir sua base na Câmara.

O relator do orçamento que está sendo executado em 2021 foi o senador Márcio Bittar (PSL-AC). Mas, segundo informações de bastidores do Congresso, ele não é o único responsável por negociar o pagamento dessas emendas com o governo, já que elas não são impositivas. Arthur Lira também teria esse papel, juntamente com a Casa Civil do governo — hoje comandada pelo senador licenciado Ciro Nogueira (PP-PI).

"O Lira tem esse poder todo porque está bem articulado. O Maia também tinha essas emendas de relator disponíveis [em 2020] e não articulava bem com o Centrão no fim do seu mandato [como presidente da Câmara]", diz o analista político Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ Consultores Associados.

Para 2022, as emendas de relator ficarão com o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que é próximo de Lira.

Qual é o nível de transparência das emendas de relator

A não impositividade das emendas de relator permitem todo um processo de negociação política que garante ao Congresso e ao governo a possibilidade de negociar a execução das emendas a parlamentares da base de acordo com a conveniência política e sem critérios técnicos e transparentes.

O economista Gil Castelo Branco, fundador e presidente da organização não-governamental (ONG) Contas Abertas, entende ser equivocado dizer que as RP9 não são transparentes ou associá-las a um orçamento secreto. Mas a ocultação do nome do parlamentar que empenha as emendas de relator abre margem para uma grande barganha que ele considera inconstitucional.

"É inconstitucional porque o nome do parlamentar fica completamente oculto e isso fere a moralidade e publicidade de modo que permite a cooptação de parlamentares. É uma afronta à democracia", critica Castelo Branco.

Mas ele diz que é errado pensar que não se sabe para onde os recursos vão. É possível obter informações, tais como como o órgão envolvido com a emenda, a ação orçamentária, o destino e o favorecido. "Se foi para um fundo municipal, por exemplo, vai aparecer lá. E vai aparecer o favorecido, se for empresa. Mas o parlamentar não tem como ser rastreado", afirma.

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