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Narrativa da esquerda

Esquerda usa Oscar para forçar discurso contra ditadura e anistia ao 8/1 e desviar foco de crises

Esquerda usa Oscar para retomar discurso sobre ditadura e oposição à anistia do 8/1
Esquerda usa Oscar para retomar discurso sobre ditadura e oposição à anistia do 8/1 (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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O Oscar para o filme “Ainda estou aqui” tem sido considerado por integrantes da esquerda uma “reparação histórica pela ditadura militar”. A premiação do filme foi usada em diversas publicações de políticos da esquerda para enfatizar sua “militância pela democracia” e “busca pela verdade”, ao lembrar, em especial, a criação da Comissão Nacional da Verdade. 

O prêmio para o filme brasileiro, do diretor Walter Salles, pode ser usado pela esquerda para tentar tirar o foco da crise do preço dos alimentos e da queda abrupta da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A premiação coincidiu com o mês de março, quando já ocorrem tradicionalmente embates ideológicos. O dia 31 de março é celebrado por parte da população, principalmente pelos militares, como o aniversário da Revolução de 1964. A data também é tradicionalmente escolhida por políticos e militantes de esquerda para criticar o período histórico da ditadura militar.

Neste ano, outra efeméride pode reforçar o cenário: em 15 de março completa-se 40 anos da redemocratização do Brasil. Essa foi a data da posse do presidente José Sarney em 1985. No dia seguinte, está prevista uma manifestação sem relação com a data, mas pela anistia aos presos de 8/1 com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro.

A reportagem apurou com fontes da cúpula do Exército que os militares esperam que Lula consiga conter eventuais cerimônias de 31 de março da esquerda e manifestações mais agressivas de seus aliados, como ocorreu nos dois últimos anos. Nenhuma ordem foi emitida ainda, mas os comandantes não devem permitir que nenhuma unidade militar no país celebre a data da revolução, para não aumentar o clima de tensão. Se ocorrerem manifestações, elas devem ser protagonizadas fora dos quartéis por militares da reserva que não têm acesso à cadeia de comando.

A efeméride é só no fim do mês, mas Lula não tem dado sinais de que pretende tomar ações para desescalar a polarização. Pelo contrário, ele e a primeira-dama Janja da Silva estariam tentando organizar um evento no Palácio do Planalto para receber e homenagear os atores e produtores do filme. Além disso, seus aliados não têm economizado palavras para exaltar o filme e o politizar.

Ao comemorar a vitória da produção no Oscar, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) falou sobre a criação da Comissão da Verdade que investigou crimes ocorridos entre 1946 e 1988 apenas do lado dos militares e não dos guerrilheiros esquerdistas. “É motivo de orgulho saber que a história de Rubens Paiva e de sua família — especialmente a busca incansável de Eunice Paiva pela verdade e pela justiça — pôde ser contada graças ao trabalho da Comissão Nacional da Verdade, que criei durante meu governo para investigar os crimes da ditadura”, escreveu Dilma. Na mesma linha, a deputada e ex-ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos do Brasil, Maria do Rosário (PT-RS) também mencionou sua participação ao ajudar a instituir a Comissão.

O autor do livro que deu origem ao filme, Marcelo Rubens Paiva, também tem reforçado o discurso. Marcelo é filho do deputado Rubens Paiva. O caso da morte do deputado foi um dos investigados pela Comissão Nacional da Verdade, que confirmou o seu assassinato cerca de 40 anos após seu desaparecimento. 

As manifestações políticas em torno do filme também se relacionam com a busca por anistia para os presos pelos atos de 8 de janeiro. Para a esquerda, diante da “ditadura militar” retratada no filme, os presos durante as manifestações não deveriam ser anistiados. “Anistia é o c...”, repete o deputado André Janones (Avante-MG), por exemplo, em suas publicações nas redes sociais.

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Oscar é encarado pela esquerda como vitória histórica

Desde a indicação ao Oscar, o filme brasileiro fez com que a esquerda trouxesse à tona o debate sobre a ditadura e a Comissão Nacional da Verdade. Ao comemorar a vitória do filme na premiação, a ex-presidente Dilma disse também que a obra "presta tributo à civilização, à humanidade e aos brasileiros que sofreram com a extinção das liberdades democráticas, lutando contra a ditadura militar”. “Trata-se de uma vitória internacional histórica, que honra a todos os que se foram, assim como reverencia aqueles que ainda estão aqui, defendendo a democracia e combatendo o fascismo”, completou a petista após enfatizar a criação da Comissão da Verdade durante o seu governo.

Em novembro de 2024, o autor do livro que deu origem ao filme, Marcelo Rubens Paiva, já havia atribuído “elementos” que deram origem a “Ainda Estou Aqui” ao trabalho da Comissão e mencionou a ex-presidente Dilma.

“Tenha dito! Por conta da Comissão da Verdade, tive elementos para escrever o livro Ainda Estou Aqui, e agora temos esse filme deslumbrante. E Dilma pagou um preço alto pelo necessário resgate da memória”, escreveu o autor em uma publicação no X. 

A ex-ministra dos Direitos Humanos, deputada Maria do Rosário compartilhou a publicação do autor já em janeiro e classificou a sua articulação política para viabilizar a criação da Comissão da Verdade como “um passo fundamental para a democracia”. 

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também fez publicações relacionando o filme com a história do Brasil. Junto de uma tirinha, ela escreveu que o “Oscar 2025 não é só sobre cinema”. “É sobre lembrar ao mundo os horrores de um passado que muitos querem apagar. Trazer à tona essa história é um ato de resistência, um escudo contra o autoritarismo que segue à espreita. A memória é nossa arma, a verdade é nosso compromisso. Nunca mais é agora”!

Esquerda relaciona o Oscar ao caso do 8/1 e reforça oposição a anistia para presos 

O Oscar para o filme “Ainda Estou Aqui” também tem sido frequentemente relacionado aos atos de 8 de janeiro. Para a esquerda, a comoção causada pelo prêmio pesa também no caso da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados e contra os presos do 8 de janeiro. 

Em meio a parabenizações pelo prêmio do filme, o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP) publicou uma foto do jornalista Vladimir Herzog morto e reforçou seu posicionamento contra a anistia pleiteada pela oposição atualmente. “Viva a memória das vítimas da Ditadura! Ainda estamos aqui: sem anistia!”, escreveu Boulos. 

O deputado André Janones compartilhou um vídeo que mostra pessoas em um cortejo de Carnaval, que teriam passado em frente ao prédio onde mora o assassino de Rubens Paiva, e gritos de “sem anistia”. “Esses vagabundos que mataram Rubens Paiva não vão ter mais vida fácil, todo mundo quer esses bandidos atrás das grades pagando pelo que fizeram! Sem anistia”, escreveu Janones na publicação. Em seu perfil no X, o deputado tem mencionado militares que foram acusados pela morte de Rubens Paiva, mas que não foram julgados. 

A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) também tem reforçado o coro contra a anistia. Em 26 de fevereiro, ela publicou uma tirinha em que os desenhos representam a atriz Fernanda Torres segurando a estatueta do Oscar, Bolsonaro atrás de grades e duas pessoas se referindo aos quadros anteriores ao dizer que “aí é carnaval o ano todo”. 

Para o cientista político e professor de Relações Internacionais do IBMEC-BH, Adriano Cerqueira, há um revanchismo nos discursos da esquerda contra a anistia pelos atos do 8 de janeiro. “Eles não aceitam o fato de não ter havido um justiçamento com relação aos crimes que aconteceram no período da repressão. É uma reescrita da história, porque quando teve anistia em 79 a proposta do governo, que era militar na época, era de uma anistia restrita. Crimes violentos não entrariam nela. E a oposição, muitos dos quais hoje estão no governo, batalharam, inclusive nas ruas, por uma anistia ampla, geral e irrestrita”, lembra Cerqueira. 

Ainda, na avaliação de analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o tema levantado pela esquerda tende a ser passageiro. Para o cientista político Juan Carlos Arruda o discurso que se multiplica nas redes sociais de políticos de esquerda “reflete mais um movimento político de determinados setores do que uma pauta de real interesse da maioria da população”. 

Discurso sobre ditadura reforça desvio de foco de crises e expõe tendência de radicalização do governo Lula 

Apesar da aposta da esquerda na comoção dos brasileiros com o Oscar para um filme com o tema da ditadura, a avaliação de analistas é que o foco da sociedade está na economia e na melhoria das condições de vida. Aliados de Lula têm buscado frequentemente tirar o foco das crises enfrentadas pelo governo, especialmente as que envolveram uma possível taxação do Pix e a alta no preço dos alimentos, introduzindo outros debates. A estratégia de criar fatos externos ao governo, como as críticas do filme, no entanto, pode não ter o efeito esperado. 

Para o cientista político Juan Carlos Arruda, o brasileiro não está interessado em “discussões históricas que, embora relevantes, não mudam a realidade atual”. No entanto, o cientista político pondera que o desvio de foco faz parte da dinâmica. “Governos, independentemente do espectro ideológico, frequentemente usam fatores externos para reforçar narrativas favoráveis. No entanto, a realidade econômica pesa mais no cotidiano das pessoas do que qualquer evento cultural ou simbólico”, disse o analista. 

No mesmo sentido, o cientista político e professor de Relações Internacionais do IBMEC-BH,  Adriano Cerqueira reforça que poucos brasileiros conhecem o contexto da chamada ditadura enfatizada pela esquerda. “Pouca gente no Brasil conhece, de fato, os eventos do regime militar de 64”, disse Cerqueira. 

Somado ao contexto da retomada do discurso sobre a ditadura por meio do filme e a tentativa de desviar o foco da população, o presidente Lula lida com uma reforma ministerial que aponta para a radicalização do seu governo. A nomeação a presidente do PT e deputada Gleisi Hoffmann como ministra das Relações Institucionais foi um dos passos nesse sentido. “Com a entrada da Gleisi Hoffmann, há uma radicalização. O governo está se tornando mais extremista no sentido de esquerda. E isso está ajudando a fazer o chamado Centrão a desembarcar do governo”. 

Além disso, Lula cogita levar o deputado Guilherme Boulos para dentro do seu governo. “Isso indicaria uma tentativa de consolidar a base ideológica do governo e manter o apoio dos setores mais alinhados à esquerda”, avalia Juan Carlos Arruda. 

Esquerda conta também com o STF para alavancar tema da ditadura 

Em meio a repercussão do filme, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que vai analisar se a Lei da Anistia abrange crimes permanentes que até hoje estejam sem solução. A tese de que haveria crimes permanentes foi criada depois do processo de anistia geral e irrestrita. O tema é relatado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Em 14 de fevereiro, a repercussão geral da matéria foi reconhecida pelo Plenário Virtual da Corte em processos que apuram as circunstâncias da morte do ex-deputado Rubens Paiva e de outros dois opositores ao regime em vigor entre 1964 e 1985 - o jornalista Mário Alves e o militante da Ação Libertadora Nacional (ANL) Helber Goulart.

Nos três casos, o Ministério Público Federal (MPF) questiona decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que entenderam que os crimes estavam abrangidos pela Lei da Anistia e encerraram as ações penais contra os acusados.

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