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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é investigado pela Polícia Federal em suposto plano de golpe de Estado| Foto: Isaac Fontana/EFE

A estratégia de defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro contra as acusações da Polícia Federal e da Procuradoria Geral da República na operação Tempus Veritatis é mostrar que não houve elaboração de planos para um golpe de Estado. Segundo seus defensores, Bolsonaro apenas soube da existência de uma "minuta de golpe" após ter sido alertado por seus advogados já durante o processo de defesa contra procedimentos judiciais "que insistem em uma narrativa divorciada de quaisquer elementos que amparassem as graves suspeitas que repetidamente lhe vem sendo impingidas".

Ainda na quinta-feira, o ex-presidente compartilhou em suas redes sociais um vídeo no qual seu advogado Paulo Cunha Bueno esclarece que Bolsonaro tomou conhecimento da “minuta do que seria um decreto de estado de sítio” em maio de 2023 passado, quando da prisão do tenente-coronel Mauro Cid. O documento estaria armazenado no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que foi alvo de apreensão no momento de sua prisão.

Os acusadores de Bolsonaro defendem uma versão na qual o ex-presidente teria participado de planos para um golpe de Estado ao menos desde julho de 2022, quando fez uma reunião ministerial tratando do tema eleições.

Segundo Cunha Bueno, ao ter ciência da existência do documento, Bolsonaro entrou em contato com ele e solicitou que o advogado o enviasse via aplicativo de mensagens, o que foi feito. Pouco afeito à leitura na tela diminuta do celular, Bolsonaro teria solicitado a seus assistentes na sede do PL que imprimissem o documento em papel.

“Resta evidente, portanto, que o documento apreendido na data de hoje [quinta-feira, 8], é exatamente aquele que foi encaminhado por mim, na condição de seu advogado, contendo o quanto havia sido apreendido, em maio, no telefone do tenente-coronel Mauro Cid”, afirmou Cunha Bueno sobre a minuta.

O advogado destaca que o episódio ratifica o desconhecimento de Bolsonaro em relação à confecção de minutas que pudessem atentar contra o estado democrático de direito. “Ratifica que desconhecia, de forma absoluta, quaisquer minutas que tenham sido confeccionadas a sua revelia”. Ao finalizar o vídeo, Cunha Bueno ainda explica que o esclarecimento da defesa visa reduzir o impacto e a relevância que está sendo conferida ao documento.

Na decisão que fundamenta mandados de busca e apreensão realizados nesta semana, a Justiça alega ter evidências de que Bolsonaro teria tido participação ativa na elaboração do documento, determinando por exemplo quem deveria ser preso e quem seria preservado após a efetivação da minuta por meio da criação de um decreto.

Em nota à imprensa divulgada na noite da quinta-feira (8), os advogados Paulo Amador da Cunha Bueno, Daniel Bettamio Tesser e Fábio Wajngarten, que foi secretário executivo do Ministério das Comunicações durante o governo Bolsonaro, afirmaram sua indignação e inconformismo com a operação, especialmente com a ordem para que Bolsonaro entregasse seu passaporte.

Segundo a nota, o ex-presidente “jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam”.

Além de Bolsonaro, a operação da PF incluiu seus aliados, como o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, e o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, os generais Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e o presidente nacional do PL, Valdemar da Costa Neto, que são acusados de ter participado na elaboração da alegada minuta de decreto para implementar um golpe de Estado.

De acordo com a decisão relatada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, os investigados são acusados de formação de organização criminosa, ataques virtuais a opositores e a instituições (STF e o Tribunal Superior Eleitoral - TSE), tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do estado democrático de direito e uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens.

Evidências coletadas pela polícia mostram que Bolsonaro foi contrário a um golpe

Na manhã desta sexta-feira (9) Wajngarten compartilhou em sua conta na rede social X (Twitter) trecho de fala de Bolsonaro durante uma reunião realizada com alguns de seus ministros, no qual supostamente incitaria o golpe de Estado. Trata-se do mesmo vídeo que vem sendo apresentado como evidência contra Bolsonaro pela Polícia Federal.

De acordo com o advogado, "todas as opiniões do Presidente são absolutamente públicas. Todas as opiniões, comentários fazem parte da democracia. Ficou absolutamente claro que o Presidente condena e rejeita qualquer uso da força".

Em sua fala, Bolsonaro pergunta aos participantes se vão esperar chegar os anos de 2023 e 2024 e se perguntar porque não tomaram providência anteriormente. "E não é providência de força, não (...) Não é dar tiro! Ô Paulo Sérgio [Nogueira, ex-ministro da Defesa], vou botar a tropa na rua, tocar fogo aí, metralhar. Não é isso"

As falas foram extraídas da gravação de uma reunião entre Bolsonaro e sua equipe no dia 5 de julho de 2022. O vídeo foi encontrado em um computador de Mauro Cid. O encontro ocorreu dias antes da reunião de Bolsonaro com embaixadores, na qual expôs supostas falhas no sistema eleitoral e que levou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a julgá-lo inelegível por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, em junho do ano passado.

Bolsonaro e seus aliados estão colaborando com as investigações da PF

Outro ponto levantado pela defesa é a colaboração com as investigações. Ainda na manhã da quinta-feira, Wajngarten publicou em suas redes sociais que o passaporte do presidente havia sido entregue à PF antes das 12:00 em Brasília, conforme determinação. O advogado ainda destacou que, em um passado próximo, a única vez que o ex-presidente havia se ausentado do país foi para a posse do presidente da Argentina, Javier Milei, quando seus advogados “peticionaram ao Supremo consultando e comunicando”.

Na nota divulgada à imprensa, os advogados de Bolsonaro afirmam ainda que a apreensão de seu passaporte foi feita a despeito de sua “absoluta voluntariedade e disponibilidade em comparecer a todos as convocações feitas por determinação do Supremo Tribunal Federal”. Segundo sua defesa, a medida é “absolutamente desnecessária e afastada dos requisitos legais e fáticos que visam garantir a ordem pública e o regular andamento da investigação, os quais sempre foram respeitados”.

Outro ponto destacado por Wajngarten em suas redes sociais foi o afastamento do auxiliar direto de Bolsonaro, que se encontrava na vilda de Mambucaba, em Angra dos Reis. Ele também foi alvo da operação da PF e, de acordo com determinação do ministro Alexandre de Moraes, retornou para sua casa em Brasília, atendendo à ordem de não manter contato com os demais investigados.

A esse respeito, a decisão de Moraes também impede que os advogados dos investigados se comuniquem entre si. A medida foi justificada como uma forma de evitar interferências no processo criminal, como combinação de versões entre os investigados ou influência sobre depoimentos de testemunhas. Segundo o ministro, a proibição visa garantir a regular colheita de provas durante o processo investigatório.

Beto Simonetti, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), afirmou em nota que a entidade irá recorrer ao STF para derrubar tal proibição e “assegurar as prerrogativas da advocacia”. Segundo ele, “advogados não podem ser proibidos de interagir nem confundidos com seus clientes”. Na mesma nota, Simonetti ainda destaca que a Ordem rechaça as acusações infundadas feitas contra o sistema eleitoral brasileiro.

Oficiais de alta-patente não denunciaram suposto golpe

Uma das acusações feitas pela PF e pela Justiça é a de que aliados de Bolsonaro teriam pressionado oficiais da ativa das Forças Armadas em 2022 para que aderissem ao alegado golpe de Estado por meio de ataques nas redes sociais. Segundo a investigação, até os comandantes das Forças Armadas teriam sido sondados para uma possível adesão.

De acordo com as investigações da PF, os ex-comandantes do Exército Marco Antônio Freire Gomes e da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Junior não quiseram colaborar com o suposto golpe, no entanto, mantiveram silêncio a respeito.

Conforme consta na decisão de Alexandre de Moraes, a PF teria obtido mensagens de WhatsApp trocadas entre Mauro Cid e o general Walter Souza Braga Netto com indícios de que Freire Gomes e Baptista Junior teriam sido informados sobre os preparativos para o golpe. Mauro Cid também teria enviado mensagens de áudio para Freire Gomes sinalizando que Bolsonaro estava redigindo e ajustando a suposta minuta de golpe. A troca de mensagens teria sido feita no dia 9 de dezembro de 2022, após uma reunião de oficiais supostamente aliados ao plano.

Para aliados de Bolsonaro, essas seriam evidências elencadas pela polícia que surtiriam efeito oposto: ajudariam a inocentar Bolsonaro e seu grupo. Mas essa linha de defesa é controversa. Em teoria, se os comandantes do Exército e da Aeronáutica foram informados do plano de golpe e não concordaram, como diz Moraes, então por que não alertaram a Justiça Militar?

Em seu artigo 322, o Código Penal Militar prevê detenção de até seis meses para o militar que comete condescendência criminosa por indulgência, ou seja, deixa de “responsabilizar o subordinado que comete infração no exercício do cargo, ou, quando lhe falta competência, não leva o fato ao conhecimento da autoridade competente”.

Essa seria uma evidência de que não houve arquitetura de plano de golpe, na opinião de aliados de Bolsonaro que falaram à reportagem pedindo anonimato. Essa linha de defesa é controversa porque também pode ser interpretada como uma forma de ataque a quem, em teoria, teria se oposto ao alegado plano.

Investigação diz que houve planejamento de golpe, mas isso não é crime

Um argumento que foi levantado no ano passado por apoiadores de Bolsonaro é o de que debater se o artigo 142 da Constituição daria poder às Forças Armadas para intervir na política para manter a ordem constitucional. A interpretação mais aceita é a de que o artigo não dá esse poder aos militares. Mas a simples discussão do assunto não seria um crime.

Outro debate que surgiu na esteira da interpretação da operação da PF de quinta-feira (8) foi a hipótese de que Bolsonaro e seus aliados poderiam ter planejado um golpe mas decidido não colocá-lo em prática. Mas essa não é a linha atual de defesa adotada por Bolsonaro e seus aliados. Eles negam totalmente qualquer ato de preparação de golpe.

Segundo o jurista Fabrício Rebelo, responsável pelo Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), no Direito Penal Brasileiro, é preciso diferenciar o que se toma como "planejamento" de um crime e sua efetiva realização. “Pode ser a fase de mera cogitação (pensar em cometer um crime) ou de atos preparatórios (alguma conduta prática prévia voltada a um crime futuro)”.

De acordo com o jurista, a mera cogitação nunca pode ser punida e os atos preparatórios, em regra, também não, a não ser quando a lei estabelecer expressamente o contrário. As exceções são as leis Antiterrorismo (Lei 13.260/16, art. 5º), do crime de falsificação de moeda (adquirir os objetos para a falsificação) e o da associação criminosa (reunião de três ou mais pessoas com a finalidade de cometer crimes).

Em relação aos crimes de abolição violenta do estado democrático de direito e golpe de Estado, por exemplo, Rebello explica que não há previsão de punição para atos preparatórios. Nesses casos, segundo ele, seria exigido, para a punição, “que exista a real tentativa de deposição do regime, com emprego de violência ou grave ameaça”.

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