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A extrema pobreza avançou 67% no Brasil entre 2014 e 2018, aponta uma projeção feita pelo FGV Social após análise dos microdados da Pnad, do IBGE. O aumento da quantidade de pessoas que vivem com menos de US$ 1,25 por dia no país está associado ao ajuste fiscal promovido em cima dos mais pobres, com desajustes no programa Bolsa Família, na opinião de Marcelo Neri, diretor do FGV Social.
Nesse mesmo período, a renda dos 5% mais pobres registrou uma queda de 39%, o que é explicado pela falta de reajustes tanto nos valores dos benefícios do Bolsa Família quanto pelo congelamento dos valores que determinam a faixa de extrema pobreza. Para piorar o quadro, o país enfrentou uma forte recessão econômica, iniciada em 2014, da qual ainda está se recuperando.
“Ao longo desse período, foi feito todo um ajuste fiscal em cima dos pobres, que nenhum outro grupo da sociedade teve. Foi o grupo que mais perdeu: nenhum benefício, nenhuma transferência do governo perdeu como o Bolsa Família perdeu”, argumenta Neri.
Em 2014, uma família era considerada extremamente pobre se tivesse renda per capita inferior a R$ 77 – em valores da época. Da mesma forma, o benefício básico pago às famílias que ingressavam no programa também era de R$ 77. De lá para cá, foram feitos dois reajustes nesses critérios. Em 2016, a renda per capita que indicaria extrema pobreza e o valor do benefício básico foram reajustados para R$ 85 e, em 2018, passaram para R$ 89.
“O Bolsa Família vem perdendo não em número de beneficiários, que é o elemento novo, mas em termos de valor dos benefícios já desde 2015, inclusive. Desde o final de 2014, que foi o pico de atendimento do programa, você não recompôs inflação”, aponta Neri.
De fato, esses reajustes não chegaram a repor a inflação acumulada naqueles anos. Pelo IPCA, a inflação acumulada em 2014 foi de 6,41%, chegou a 10,67% em 2015 e voltou para 6,29% em 2016, nos valores anuais. O índice só caiu mesmo a partir de 2017.
Em contrapartida, o número de famílias também não diminuiu tanto assim no período. Em 2014, a média anual foi de 14 milhões de famílias beneficiadas pelo programa. Esse número chegou a cair para 13,5 milhões de famílias em 2016, mas, em virtude da recessão econômica, a quantidade de pessoas que precisaram do benefício aumentou e chegou a bater em 14 milhões novamente em 2018.
Em 2019, a média anual ficou em 13,5 milhões, mas com picos de atendimento de 14,5 milhões de famílias em um único mês e a volta da fila de espera para ingresso no programa, o que não ocorria desde 2017. Para o pesquisador, o Brasil ainda não chegou no momento de “diminuir” a amplitude do programa.
“Esse ajuste fiscal em cima dos mais pobres não resolve nada. Você aumenta a extrema pobreza, cria um problema sério, e atrapalha a própria macroeconomia, principalmente em regiões mais pobres em que a economia local depende desses benefícios também, não só as pessoas”, pondera o pesquisador.
O custo do Bolsa Família é bastante baixo para o governo – equivale a menos de 0,5% do PIB e vem se mantendo no patamar dos R$ 30 bilhões anuais. De acordo com a FV Social, o retorno econômico é mais interessante: para cada R$ 1 gasto com o Bolsa Família, são gerados R$ 1,78 para a economia brasileira. De acordo com a instituição, cada real gasto com o programa impacta três vezes mais o PIB do que benefícios da Previdência e 50% mais do que o BPC, voltado para idosos e pessoas com deficiência muito pobres.