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A entrada do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na corrida presidencial redesenhou imediatamente o tabuleiro político e devolveu ao seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o comando estratégico do campo conservador. A escolha do primogênito como representante nas urnas encerrou meses de especulações e mobilizou a militância de direita, que passou a enxergar nele um nome capaz de ir ao segundo turno em 2026.
Mas o movimento ainda não dissipou as dúvidas entre partidos de centro-direita e setores do mercado financeiro. Para um intelocutor do MDB, a candidatura de Flávio “não tem força” e pode desidratar caso as pesquisas indiquem uma diferença significativa contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O ceticismo ecoa mesmo entre aliados próximos. Durante visita ao diretório estadual do PP no Paraná, nesta segunda-feira (8), o presidente do partido, Ciro Nogueira, afirmou considerar Flávio o principal “herdeiro político” de Bolsonaro, mas ponderou que a escolha do nome da direita não pode se basear “apenas em amizade”, e sim em “pesquisa, viabilidade e construção” com as siglas parceiras.
“Se eu tivesse que escolher um nome, não tenha dúvida, seria o senador Flávio pela minha relação próxima a ele. Mas política não se faz só com amizade, se faz com pesquisa, com viabilidade e ouvindo os partidos aliados. Isso não pode ser uma decisão apenas do PL, tem de ser uma decisão construída”, afirmou Nogueira.
Na noite desta segunda (8), questionado sobre a candidatura de Flávio, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), preferido do Centrão para vencer Lula em 2026, manifestou apoio ao senador, dizendo ser leal e grato a Bolsonaro.
“O Flávio vai contar com a gente. O Flávio tem uma grande responsabilidade a partir de agora; ele se junta a outros grandes nomes da oposição que já colocaram seus nomes à disposição, como Zema e Caiado”, afirmou. “São muitas questões que vão demandar projeto, esforço e liderança, e o Flávio agora se apresenta para encabeçar esse projeto e, para isso, contará com o nosso suporte. O que a gente precisa é afastar o que está aí”, completou, referindo-se a Lula.
O tom da declaração foi calculado para sinalizar que a pré-candidatura de Flávio é parte de um esforço conjunto da direita para vencer Lula. O governador de Minas, Romeu Zema (Novo), já deixou claro que abriria mão da Presidência para apoiar outro nome, como Tarcísio. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), por sua vez, é pressionado pelo partido a desistir para apoiar Tarcísio.
Esse cenário pressiona Flávio a convencer centro-direita e mercado de que tem mais competitividade que Tarcísio para impedir a continuidade do governo Lula e evitar, nas palavras de aliados, uma “calamidade econômica”. A reação negativa do mercado — com queda na bolsa e alta do dólar após sua confirmação como pré-candidato — evidenciou a frustração diante da ausência do governador de São Paulo, antes visto como a opção mais moderada e competitiva do campo conservador.
Diante disso, o senador terá que demonstrar capacidade de ampliar alianças junto aos caciques partidários. Nesta segunda-feira, ele marcou uma reunião com dirigentes de partidos da direita e centro-direita — Valdemar Costa Neto (PL), Ciro Nogueira (PP) e Antonio Rueda (União Brasil) — na tentativa de consolidar apoios. Para aliados, a aprovação da anistia e o restabelecimento dos direitos políticos do ex-presidente são vistos como o único “preço” capaz de levar Flávio a retirar sua candidatura.
Candidatura de Flávio é reação à incerteza de aprovação da anistia até 2027
O cientista político Ismael Almeida avalia que a decisão de Jair Bolsonaro de lançar o filho 01 à Presidência alterou completamente o cenário político nacional, tirando o ex-presidente da condição de alvo passivo das pressões decorrentes de sua condenação e prisão para colocá-lo como protagonista das eleições de 2026. “Analistas sérios contestam amplamente seu processo judicial, visto com espantosa naturalidade como forma de eliminar a sua influência na corrida presidencial”, afirma.
Segundo Almeida, a centro-direita e o mercado financeiro já tinham um plano pronto em torno de um candidato de consenso — Tarcísio de Freitas — diante do temor de reeleição de Lula. A pressão direta sobre Bolsonaro era para que avalizasse o nome de Tarcísio em troca do avanço da anistia, agenda emperrada e de desfecho incerto.
“O centrão, que subestimou Bolsonaro em 2018, articulava uma ofensiva para subjugá-lo e extrair seu apoio, diante da incapacidade desses partidos de lançar nome realmente competitivo. Mas a lógica mudou. Se a anistia não avançar, Flávio segue candidato e a direita pode se dividir no primeiro turno, estressando o mercado com o avanço de Lula”, observa Almeida.
Para o especialista, esse movimento expõe uma disputa por sobrevivência política em que, curiosamente, os mesmos atores que tentaram isolar Jair Bolsonaro dependem do apoio dele para se viabilizar eleitoralmente. “O jogo virou e a próxima jogada não é do centro, mas do grupo de Bolsonaro”, avisa. Existe, segundo ele, margem para diálogo, mas a porta de entrada é a anistia. “As próximas semanas serão decisivas”, conclui.
Pré-candidatura produz reviravolta na articulação de direita e centro-direita
Com narrativa clara — tirar o PT do poder, restaurar liberdades e conter o avanço do Estado — Flávio herda a força simbólica do movimento iniciado por Jair, mas com perfil mais brando. E confirma, acima de tudo, o ponto central desta conjuntura: Bolsonaro segue no jogo, articula, orienta e continua sendo o principal polo de oposição capaz de ameaçar o PT, resistindo às pressões mesmo após a sua condenação a longa prisão. Veja a seguir os principais impactos do anúncio da candidatura do senador.
1. Consolida um porta-voz de Jair Bolsonaro e une o comando da direita
A entrada de Flávio Bolsonaro elimina ruídos alimentados por especulações sobre nomes como Tarcísio de Freitas e Michelle Bolsonaro. A família Bolsonaro reassume de modo disciplinado o comando político e simbólico do bloco conservador, pondo fim à disputa de protagonismo entre aliados.
2. Recoloca Jair Bolsonaro como líder ativo e não só como “grande eleitor”
O ex-presidente volta a ter poder de condução estratégica, e não só de transferência de votos. O alinhamento imediato da militância e de líderes da direita a Flávio mostra que o grupo político volta a operar em torno de centro de gravidade unificado, pressionando outros pré-candidatos.
3. Muda foco da negociação e expõe o dilema dentro da centro-direita
União Brasil, PP, Republicanos e PSD — que resistiam ao alinhamento prévio à família Bolsonaro — agora têm de recalibrar estratégias. A candidatura de Flávio reduz o espaço para soluções intermediárias e força a centro-direita a decidir se pretende ou não compor frente ampla capaz de derrotar Lula.
4. Apresenta ao eleitorado uma versão menos conflitiva de Bolsonaro
Flávio Bolsonaro herda a marca, as convicções e o eleitorado do pai, mas sem carregar o mesmo estilo controverso associado a embates verbais, choques institucionais e polêmicas pessoais. O próprio pré-candidato se definiu como um Bolsonaro “mais centrado” e mais aberto a diálogo.
5. Deixa o mercado financeiro à espera de pesquisas e plano econômico
Analistas do mercado reagiram com cautela: a ausência de nome moderado competitivo desloca a expectativa para o desempenho de Flávio nas próximas pesquisas de intenção de voto e para o programa econômico que apresentará. Sem Tarcísio na disputa, cresceu o temor de vitória de Lula.
6. Inicia onda de engajamento digital e enquadra demais pré-candidaturas
A recepção nas redes indica rápido impulso orgânico em favor de Flávio: parlamentares, influenciadores e movimentos conservadores aderiram à tese de que “só Flávio chega ao segundo turno”. Esse fato político tende a pressionar candidaturas de centro-direita para aderir à unificação.
7. Foca no combate ao PT e mobiliza pautas de costumes e de menos Estado
O mote de “tirar o PT do poder” volta a ter força programática e emocional. Influenciadores enfatizam que, ao contrário de 2018, o nome Bolsonaro não é mais outsider, mas marca de previsibilidade. Isso fortalece a defesa de pautas conservadoras de costumes, da segurança pública, da liberdade de expressão, do controle do ativismo judicial e da agenda econômica liberal.
8. Explora o pavor do mercado e do centro com os riscos de um Lula 4
A percepção dominante nas análises econômicas e na oposição é que um eventual Lula 4 caminha para repetir o colapso fiscal e o intervencionismo que marcaram o segundo mandato de Dilma Rousseff. Essa avaliação cria terreno fértil para que a candidatura de Flávio se coloque como alternativa de estabilidade, menor pressão tributária e freio à expansão estatal.
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Mercado e centro-direita querem provas de que Flávio guiará frente anti-PT
Para Arthur Wittenberg, professor de relações institucionais e políticas públicas do Ibmec-DF, a confirmação de Flávio como candidato reorganizou estratégias e encurralou a centro-direita, que perdeu margem para impor um nome alternativo. “A adesão rápida da militância conservadora elevou o custo da dissidência e reduziu o espaço para aventuras de terceira via, obrigando atores políticos e o mercado a recalcular cenários”, resume.
Segundo o analista, a nova configuração também expõe a erosão da capacidade de Lula de arbitrar o centro político e pacificar expectativas econômicas, abrindo terreno para a ofensiva disciplinada e digital de Flávio. Wittenberg avalia que o ponto decisivo não é a candidatura de senador, mas o teste sobre o papel do seu grupo político na organização da direita.
“O mercado não precifica o nome lançado, e sim a incerteza sobre quem comandará a agenda do campo conservador e se haverá governabilidade sem confronto permanente com instituições”, explica. Ele acrescenta que a definição dessa liderança nos próximos 90 dias influenciará a formação de coalizões, o grau de previsibilidade e o desenho do risco político futuro.





