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Ao cogitar o avanço da reforma ministerial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se encontra em um dilema entre agradar a base que o apoiou em 2022 e manter o Centrão por perto para garantir alguma governabilidade. De acordo com analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a "Frente Ampla" montada pelo petista para vencer o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na última eleição pode cobrar caro em um cenário de alta da inflação e queda de popularidade.
Desde o ano passado, a expectativa era de que Lula iniciasse a reforma ministerial atendendo aos partidos do Centrão, que atualmente definem se o Executivo terá êxito ou fracassará em votações importantes no Legislativo. No entanto, o presidente começou as mudanças dentro do próprio partido e, até o momento, não sinalizou quais legendas serão contempladas e em quais ministérios. A demora também é vista como uma estratégia do governo para proteger as pastas com maior orçamento, como Saúde e Educação.
Por outro lado, a avaliação no meio político é de que a reforma avançará após a viagem do petista ao Japão e ao Vietnã. Lula embarcou no sábado (22) com uma comitiva de ministros e parlamentares para cumprir agenda nos países asiáticos e só deve retornar a Brasília no próximo domingo, 30 de março.
Na última eleição, Lula reuniu PT, PCdoB, PV, PSB, PSOL, Solidariedade e Rede sob o mesmo guarda-chuva e chegou a contar com o apoio de antigos adversários, como Fernando Henrique Cardoso e José Serra, além de economistas liberais, entre eles Persio Arida e Pedro Malan. Mas, após vencer a eleição, precisou acomodar União Brasil, PP, Republicanos, MDB e PSD para garantir sustentação dentro do Congresso.
Um parlamentar do MDB, próximo a Lula e que exerce posição de liderança na Câmara, avaliou que o governo terá que reduzir o espaço da esquerda para sustentar o que ainda resta da gestão até 2026 em meio à queda de popularidade.
O paralmentar, que pediu para não ter o nome revelado, opinou que um desembarque geral dos partidos está fora de cogitação no momento. Entretanto, as próximas pesquisas de popularidade de Lula, a reforma ministerial e a isenção no Imposto de Renda até R$ 5 mil darão o tom de como o Centrão se comportará nos próximos meses.
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Queda de popularidade de Lula adianta debate sobre trocas partidárias no Congresso
Para o mesmo líder partidário, apesar de pesquisas internas do Palácio do Planalto indicarem estagnação na desaprovação, a queda de popularidade de Lula conseguiu adiantar no Congresso um debate que geralmente é deixado para o fim do ano: as trocas partidárias.
Nesse contexto, parlamentares já estariam planejando movimentações para a próxima janela partidárias, marcada para março do ano que vem, avaliando se é mais vantajoso ficar na base do governo ou migrar para uma partido mais distante do Planalto.
De acordo com uma pesquisa publicada pelo Poder360 no último dia 19, a desaprovação de Lula subiu e chegou a 53% - dois pontos percentuais a mais do que no levantamento de janeiro.
Matéria da Gazeta do Povo de fevereiro já havia destacado que existia um certo desinteresse de partidos do Centrão em assumir novos cargos no ministério de Lula. Naquele momento, congressistas expuseram que o temor era de que o cenário de declínio do governo acabasse prejudicando suas próprias eleições em 2026.
Indagado sobre o assunto, o deputado federal Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição na Câmara dos Deputados, alegou acreditar que os partidos devem desembarcar do governo pela situação econômica do país.
"Você não acha que os caras estão cobrando a conta (da economia). Vários partidos vão desembarcar do governo. Já tem partido dizendo (para o governo): 'não me convida, porque desse governo eu não faço parte'", afirmou Zucco.
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Centrão ensaia desembarque do governo, mas ministérios são vitais para emendas
O MDB, partido que apoiou todas as gestões petistas, articula internamente um possível desembarque do governo para lançar um candidato à Presidência em 2026. O nome mais cotado nos bastidores é o do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). A cúpula da legenda ainda não definiu o tema oficialmente, mas a movimentação já gera atritos com o Planalto.
Diante da queda de popularidade de Lula, o Centrão avalia dois cenários: afastar-se antecipadamente para preservar sua imagem com vistas a 2026 ou ampliar sua participação no governo para garantir a distribuição de emendas. Com as novas regras para o repasse de emendas parlamentares, os ministérios ganharam maior controle sobre os recursos.
O presidente do PP, senador Ciro Nogueira, defendeu que seu partido se torne oposição. Atualmente, a legenda ocupa o Ministério do Esporte, comandado por André Fufuca.
"Está muito próximo de termos que reunir o partido e tomar uma decisão definitiva de desembarcar. Gosto muito do ministro Fufuca, mas, se o governo não tiver uma mudança radical de rumos para o país, não tem como permitir que os membros do partido participem desse governo", declarou à Folha de S.Paulo em fevereiro.
O ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) chegou a ser cogitado para um ministério, mas, diante do enfraquecimento político de Lula, descartou a hipótese. "Ninguém vai embarcar num navio que vai naufragar, sabendo que vai naufragar", afirmou ao Valor Econômico.
Por outro lado, há partidos que ainda apostam na relação com o governo. O PSD, comandado por Gilberto Kassab, já detém os ministérios de Minas e Energia, Agricultura e Pesca, mas busca ampliar sua presença no Executivo.
Inicialmente, cogitou-se que Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ao deixar a presidência do Senado, assumisse o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Contudo, ele recusou a oferta e afirmou que poderia contribuir mais permanecendo no Senado.
Para o cientista político Adriano Cerqueira, do Ibmec Belo Horizonte, o Centrão continuará atuando de forma pragmática e negociará apoios caso a caso. “O apoio do Centrão, aquele apoio por atacado, é sempre por varejo. Depende muito da matéria que está sendo votada e das condições que o governo pode oferecer”, afirma.
O cenário atual, no entanto, complica as articulações do governo. “A ala do Centrão que apoia Lula está muito enfraquecida, porque a popularidade do presidente é muito ruim”, observa Cerqueira.
Ele também aponta que a presença de Gleisi Hoffmann na Secretaria de Relações Institucionais pode dificultar as negociações e reduzir a margem para concessões e acordos.
PT reclama do Centrão e Lula articula para acalmar aliados
Nos bastidores, cresce a tensão no PT diante do risco de perda de espaço no governo para o Centrão. O presidente interino da sigla, senador Humberto Costa (PT-PE), critica a entrega de ministérios sem garantias de apoio no Congresso.
"Houve a entrega de muitos espaços importantes sem a contrapartida. Podemos corrigir o que foi um erro de origem", disse Costa ao Metrópoles.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, reforça que a reforma ministerial não busca recomposição política. "Lula está mexendo nas pastas que precisavam de mudanças", afirmou Costa à colunista Bela Megale, do jornal O Globo.
Ainda assim, um interlocutor do PT revela que o presidente tenta conter o descontentamento interno e argumenta que alianças são essenciais para a governabilidade.
A insatisfação de nomes como Rui Costa e Humberto Costa evidencia um desconforto crescente dentro do governo com a influência do Centrão, que exige mais espaço na administração.
"O reposicionamento de Gleisi Hoffmann na Secretaria de Relações Institucionais e de Alexandre Padilha na Saúde reforça o perfil petista da gestão, mas não resolve a disputa por cargos estratégicos", avalia Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos. Para ele, a pressão por ministérios com mais orçamento e capacidade de execução pode gerar novos atritos na base governista.
Essa disputa interna reflete um desafio maior: a necessidade de equilibrar as forças que compõem a ampla coalizão montada por Lula em 2022. "A Frente Ampla foi fundamental para garantir sua eleição, mas agora se tornou um desafio complexo para a governabilidade", destaca Arruda.
Segundo ele, o governo precisa atender a demandas contraditórias. "Por um lado, deve reforçar sua base ideológica para não perder apoio do PT e da esquerda; por outro, precisa manter o Centrão satisfeito para garantir maioria no Congresso."
Caso o Planalto não consiga administrar essas tensões, Arruda alerta para um risco real de desalinhamento da base aliada no Congresso. "Isso não significa necessariamente um governo ‘minoritário’, mas sim uma gestão mais vulnerável a pressões externas e menos coesa internamente", afirma.
Na prática, essa fragmentação pode dificultar a tramitação de pautas prioritárias para o governo e enfraquecer a articulação política da gestão petista em um cenário já marcado pela polarização.
Reforma ministerial: Lula já fez 7 trocas no governo
A segunda reforma ministerial começou em janeiro de 2025, com a saída de Paulo Pimenta (PT-RS) da Secretaria de Comunicação Social (Secom), substituído pelo marqueteiro Sidônio Palmeira. Em fevereiro, Nísia Trindade foi exonerada do Ministério da Saúde, e Alexandre Padilha (PT-SP), ex-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, assumiu o cargo. Sua nomeação surpreendeu o meio político, que esperava um nome do Centrão.
Para a antiga pasta de Padilha, Lula escolheu a deputada e ex-presidente do PT Gleisi Hoffmann (PT-PR) e contrariou as expectativas de um nome com mais trânsito entre Legislativo e Executivo.
Desde o início do mandato, o petista fez sete trocas ministeriais, sendo três por acordos políticos.
Em 2023, Daniela Carneiro deixou o Turismo para a entrada de Celso Sabino (União-PA), aliado de Davi Alcolumbre. No mesmo ano, Ana Moser foi substituída por André Fufuca nos Esportes, e Márcio França foi deslocado para o Ministério do Empreendedorismo, abrindo espaço para Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) em Portos e Aeroportos.
Metodologia
A pesquisa foi realizada pelo PoderData, empresa do grupo Poder360 Jornalismo, com recursos próprios. Os dados foram coletados de 15 a 17 de março de 2025, por meio de ligações para celulares e telefones fixos. Foram 2.500 entrevistas em 198 municípios nas 27 unidades da federação. A margem de erro é de 2 pontos percentuais. O intervalo de confiança é de 95%.
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